quinta-feira, 29 de julho de 2010

A Casa Branca contra o site WikiLeaks

O WikiLeaks atingiu a Casa Branca, divulgando mais de 90 mil relatórios de campo e outros documentos produzidos dentro da operação de guerra no Afeganistão. A maioria dos relatórios foi escrito por militares e oficiais de inteligência. Vários assuntos contidos nos documentos são embaraçosos: baixas civis, corrupção afegã, conluio paquistanês com o Taleban. Agora a Casa Branca está contra-atacando. Em uma operação coordenada, o assessor de Segurança Nacional, James Jones, o secretário de Imprensa da Casa Branca, Robert Gibbs, e o porta-voz do Departamento de Estado, P.J. Crowley afirmaram que os documentos vazados se constituem em notícias antigas que não deverão alterar a política de guerra dos Estados Unidos. Mas será que os argumentos dessas autoridades são persuasivos? Vamos examiná-los com mais atenção.

1. Não há nenhuma notícia nova nos documentos vazados. Esse é o principal argumento do governo. Na sua entrevista coletiva à imprensa, na terça-feira (27), Gibbs afirmou repetidamente que não existem “revelações amplas e novas” nos documentos. Crowley argumentou que “não existe nenhuma grande revelação”. Isso é verdade, conforme explica Fred Kaplan, da revista “Slate”. Mas esse argumento é também um subterfúgio. Relatórios não precisam ser amplos ou grandes para que tenham um caráter preocupante.

Gibbs comparou os documentos do WikiLeaks desfavoravelmente com os “Pentagon Papers” (Documentos do Pentágono), observando que os primeiros são “apenas relatórios feitos no campo de operações”, um conjunto de “documentos isolados sobre uma operação aqui ou um incidente ali”. Essa é uma maneira estranha de menosprezar os documentos perante a imprensa. É com relatórios de campo a respeito de uma operação aqui e um incidente ali que bons jornalistas compilam evidências relativas a uma guerra que está fracassando.

Gibbs argumentou: “Ao enumerar as nossas preocupações no que se refere à nossa relação com o Paquistão e aos desafios que enfrentamos no Afeganistão, eu não acredito que alguém narrasse um determinado fato diferentemente hoje como resultado daquilo que nós lemos nesses documentos”. Mas, e daí? Relatórios de campo dificilmente revelam uma categoria nova e integral de problemas. Eles são mais do que suficientes quando demonstram que uma categoria conhecida de problemas é pior ou mais persistente do que o nosso governo admite.

Consideremos dois dos documentos vazados. Um deles descreve uma reunião, ocorrida em janeiro de 2009, na qual o general Hamid Gul, um ex-diretor do serviço de inteligência paquistanês, teria ajudado membros da Al-Qaeda a planejar um ataque suicida no Afeganistão e solicitado que o Paquistão fizesse vistas grossas para a presença desses militantes no Paquistão. O outro descreve um tiroteio letal, ocorrido em dezembro de 2009, entre soldados e policiais afegãos, provocados por “um desentendimento devido a um acidente automobilístico”. Revelações amplas e novas? Não. Sinais inquietantes de traição e caos? Podem apostar que sim.

2. As coisas mudaram desde 2009. Na sua declaração feita no domingo, Jones argumentou:

Os documentos publicados pelo WikiLeaks supostamente cobririam o período de janeiro de 2004 a dezembro de 2009. No dia 1º de dezembro de 2009, o presidente Barack Obama anunciou uma nova estratégia, com um aumento substancial de recursos para o Afeganistão, e um foco maior nos refúgios da Al Qaeda e do Taleban no Paquistão, precisamente devido à grave situação que foi criada ao longo de vários anos.

Gibbs reforçou esse argumento:

Os documentos supostamente referem-se, eu acho, ao período de janeiro de 2004 a dezembro de 2009... Quando o presidente tomou posse em 2009, ele, nos primeiros meses, ordenou um aumento do número dos nossos soldados... e, a seguir, como vocês bem sabem, ele realizou uma revisão bastante ampla e dolorosa da nossa política, que resultou no discurso de 1º de dezembro de 2009 sobre um novo rumo no Afeganistão... O presidente sabia muito bem em março de 2009 que não haveria nenhum cheque em branco para o Paquistão, que o Paquistão teria que modificar a sua forma de lidar conosco e apresentar progressos em relação ao problema dos abrigos da Al Qaeda e do Taleban... Em 27 de março de 2009, o presidente afirmou, “Após anos de resultados duvidosos, nós não forneceremos, e nem podemos fornecer, um cheque em branco. O Paquistão tem que demonstrar o seu comprometimento com a erradicação da Al Qaeda e dos extremistas violentos no seu território”.

É verdade que o discurso de Barack Obama de dezembro de 2009 coincide com o último mês para o qual há documentos vazados disponíveis. Mas não existe nenhum motivo para que se acredite que as más notícias cessaram naquele momento. Não vamos fingir que um discurso proferido pelo nosso presidente alterou de repente os padrões de corrupção e de deslealdade do outro lado do mundo. O mais provável é que isso diz respeito simplesmente o limite temporal dos documentos ao qual o vazador teve acesso.

Vejam as declarações de Jones e Gibbs. Os dois falam de uma infusão de recursos sob o governo Obama. Mas os recursos norte-americanos não resolverão o nepotismo afegão nem os motivos ulteriores paquistaneses. E percebam os momentos em que ocorrem os fatos. Gibbs cita a advertência ao Paquistão feita por Barack Obama em março de 2009. Isso foi nove meses antes de terminar a coleta de documentos que seriam vazados. Se as palavras de Obama não acabaram com os problemas em março, por que acabariam com eles em dezembro?

É possível apresentar um bom argumento, afirmando que algo de crucial de fato mudou no Paquistão. Mas essa mudança não foi motivada por nós. Ela foi provocada pelo Taleban paquistanês, que desfechou ataques em Islamabad e assustou o governo paquistanês a tal ponto que este moveu uma guerra contra os militantes, que passaram a ser considerados uma ameaça mortal. Gibbs mencionou isso, mas sem focar-se neste fato, provavelmente porque ele não se encaixa naquela narrativa segundo a qual Obama modificou o curso da guerra.

3. Nós não podemos permitir a ocorrência de um novo 11 de setembro. As autoridades norte-americanas apresentam o seu melhor desempenho quando não tentam ocultar a gravidade da bagunça. Esta foi a melhor parte da declaração de Jones: “Nós sabemos que há sérios desafios pela frente, mas se permitirmos que o Afeganistão sofra um retrocesso, nós enfrentaremos novamente uma ameaça de grupos extremistas violentos como a Al Qaeda, que terão mais espaço para planejar ataques e treinar”.

E esta foi a melhor declaração de Gibbs na sua entrevista coletiva à imprensa:

Pergunta: Mas os Estados Unidos estão de fato mais seguros?

Gibbs: Eu acredito que os Estados Unidos estão mais seguros, porque se nós não estivéssemos naquela área... se o Taleban ressurgisse e derrubasse um governo, criando um refúgio seguro que permitisse que a Al Qaeda e os seus aliados extremistas não tivessem mais que fazer seus planos em uma caverna, podendo sentar-se a céu aberto, e maquinar o próximo 11 de setembro, o nosso país estaria muito mais perigoso, e seria um alvo bem maior.

Esta sempre foi a mais verdadeira e persuasiva resposta para os fiascos no Afeganistão: não é que as coisas estejam saindo às mil maravilhas, mas a situação poderia ser muito, muito pior. Quem acredita que nós deveríamos nos retirar porque a guerra não está indo bem está se esquecendo do que aconteceu quando os caras que estamos combatendo governavam o país: eles vieram aqui e nos massacraram. Às vezes a gente trava guerras não porque a vitória parece provável, mas porque a guerra ocorrerá quer você queira quer não, e esta guerra está vindo na nossa direção. Neste caso, ao contrário do Vietnã ou do Iraque, a ameaça não é hipotética.

O WikiLeaks argumenta que divulgou os seus documentos secretos para nos informar. Tudo bem. Mas às vezes as informações que o indivíduo corre o risco de não perceber são aquelas que estão o tempo todo na frente dele. O pior relatório de um incidente da guerra do Afeganistão ainda se refere a algo que ocorreu nove anos atrás, quando 3.000 norte-americanos morreram. Não se esqueçam disso.

William Saletan é correspondente nacional da revista “Slate” e autor do livro “Bearing Right: How Conservatives Won the Abortion War” (algo como, “Seguindo para a Direita: Como os Conservadores Venceram a Guerra do Aborto”).

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