Estatal que produz material bélico nunca deu lucro, tem dívidas milionárias e vive atrasando salários. Por que o governo a mantém na ativa?
Você manteria em atividade uma empresa que em mais de duas décadas nunca deu lucro? Que tem uma dívida de R$ 120 milhões e prejuízo de R$ 171,1 milhões acumulados nos últimos cinco anos? Mais ainda: que está com o pagamento de salários atrasado, inadimplente com o convênio médico dos funcionários — que fazem greves freqüentes — e sem matéria-prima ou encomendas para produzir? O governo brasileiro mantém. E o nome dessa empresa é Imbel, Indústria de Material Bélico do Brasil, que fabrica pistolas, fuzis, nitroglicerina, dinamite, pólvora e outros equipamentos militares. Agora ameaçada de falência, a Imbel vem enfrentando problemas desde a década de 80, quando o orçamento das Forças Armadas foi reduzido devido ao fim do regime militar. “Nosso principal cliente é o Exército brasileiro”, diz o Coronel Alfredo Maurício de Araújo, diretor da estatal, em sua sala repleta de armas antigas penduradas na parede, em Piquete, interior de São Paulo. A empresa também vende para o mercado civil e internacional, mas isso não é suficiente para manter as contas em dia. “Sempre tivemos a receita menor que as despesas”, resigna-se Araújo. Para tentar achar uma solução para a companhia, o governo federal criou há dois meses um grupo de estudos com representantes dos ministérios da Defesa, do Planejamento e da Fazenda. O objetivo é encontrar um meio de tornar a empresa menos vulnerável economicamente.
Mas por que insistir em uma estatal que jamais viu a cor azul no balanço? Por uma questão de segurança nacional, segundo especialistas civis. “Nenhum fabricante de armamento bélico em nenhum país do mundo tem lucro”, afirma o professor Rui Barbosa, pesquisador associado do Núcleo de Análise Interdisciplinar de Políticas e Estratégia da Universidade de São Paulo.
“Todo país precisa ser independente em armamento, já que nunca se sabe quando poderá haver um conflito”, complementa Gunther Rudzit, coordenador do curso de Relações Internacionais da Faap, de São Paulo. A questão, de fato, é grave. Se a Imbel falir, as Forças Armadas perderão o fornecedor de 15% dos artigos bélicos que consome e terá que gastar anualmente R$ 30 milhões em importações para manter seu suprimento em dia.
A saída para a Imbel seria incrementar as vendas para o mercado civil. A estatal já vende insumos para fabricação de armas para a americana Springfield Armory. E também abastece os donos dos tanques da Engesa, antiga fabricante de veículos militares que foi à falência em 1990. “Mas essas vendas são inconstantes, dependem do Itamaraty”, afirma o coronel Araújo. Ele explica que, se um dos países clientes se envolve num conflito armado, o governo brasileiro suspende o fornecimento para não se tornar uma espécie de patrocinador de crises internacionais.
Enquanto a empresa não melhora sua saúde econômica, quem sofre são os 1,8 mil funcionários de suas cinco fábricas. Em Piquete, cidade de 15 mil habitantes, a única indústria é a Imbel, que emprega 500 pessoas. “Se ela fechar as portas, a cidade deixa de existir”, diz José Roberto Chagas, atual vice presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas de Lorena, Piquete e Região. Os comerciantes locais reclamam que as vendas caíram pelo menos 30%, porque os salários dos operários estão atrasados. “A gente está vivendo das compras de quem é aposentado, já que a cidade tem muitos pensionistas”, afirma Eide Miranda, dona das duas quitandas em Piquete. Mesmo quando os salários são pagos em dia a situação da cidade é de penúria, já que 86% dos funcionários da Imbel recebem até R$ 400 por mês. Gilmar Severino, operador de produção há 17 anos, por exemplo, ganha R$ 324 líquidos para sustentar a mulher Zenilda e os dois filhos, Graziele de 10 anos e Jonathan, de 3 anos.
Com a lente do óculos quebrada há mais de um ano, Severino não sabe se terá dinheiro nem para o supermercado do mês. “Se a Imbel falir, o jeito é ir para a roça”, afirma ele.
“O problema da Imbel é a má gestão. Há generais fantasmas ganhando fortunas sem trabalhar”, denuncia o sindicalista Chagas. A empresa nega, embora confirme que a folha de pagamento ultrapasse R$ 2,6 milhões mensais, o que daria um custo médio por funcionário de R$ 1,4 mil — bem mais que os R$ 324 do contracheque de Severino.
Fonte: ISTOÉ Dinheiro
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