quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Le Monde: França assume papel de mediadora dos conflitos afegãos


Por não ter sido convidada à mesa de negociações com os talebans sobre o futuro do Afeganistão, ao lado de americanos, paquistaneses e afegãos, a França tem feito suas próprias ações em segredo. Representantes dos principais componentes da sociedade afegã foram reunidos por duas vezes em Chantilly (Oise), no fim de novembro de 2011 e no fim de junho de 2012, para falar sobre a "perspectiva para 2020", segundo os termos de Camille Grand, diretor da Fundação para a Pesquisa Estratégica (FRS), anfitriã desses encontros. Uma terceira reunião deve acontecer até o final do ano, sempre sob o olhar atento dos ministérios das Relações Exteriores e da Defesa.

"Não é uma negociação oficial", explica Grand, "é antes de tudo a vontade de facilitar o diálogo entre afegãos, sem os paquistaneses, nem indianos ou americanos, em um contexto discreto, fora de Paris". Esse exercício de diplomacia paralela, no entanto, se baseia em uma análise política própria da problemática afegã.

"Partimos da constatação de que era preciso colocar os talebans de volta em seu lugar", conta um diplomata. "Para que a reconciliação funcione nesse país, é preciso integrar todo mundo, e não se concentrar somente nos talebans".

As cúpulas internacionais sobre as futuras instituições, como a de Tóquio, em junho, mostraram suas limitações, da mesma forma que a abertura continuamente adiada de um escritório de representação taleban em Doha, no Qatar, sujeita aos jogos de influência afegã-paquistanesa.

Desta vez, a ideia era convidar a ala do presidente Hamid Karzai, os anti-Karzai, os mensageiros dos movimentos insurgentes e especialistas franceses, ou seja, cerca de trinta participantes.

"A maior parte dessas pessoas vive em Cabul, mas não se falam", ressalta Grand. "Ao trazê-los aqui, em um contexto neutro, sem riscos, permitimos que eles conversem livremente; todos eles já aceitaram a existência de um Estado afegão e de um Parlamento".

O presidente afegão era representado por seu sobrinho, Hekmat Karzai, que ainda dirige um centro de estudos. Ao seu lado, o líder da comunidade xiita hazara, Hadji Mohammad Mohaqeq, a quem os diplomatas ocidentais, em Cabul, atribuem a capacidade de bloquear a capital mobilizando seus partidários em um estalar de dedos.

O irmão de Ahmad Shah Massoud - o chamado "Leão do Panjshir", assassinado dia 9 de setembro de 2001 pelos talebans -, Yahya Massoud, representava a etnia tadjique. Em junho, ele estava acompanhado por outro membro dessa comunidade, o ex-presidente do Parlamento, Yunus Qanuni.

Quanto aos insurgentes, os anfitriões franceses convidaram o mulá Abdul Salam Zaeef, ex-ministro taleban e último embaixador desse regime no Paquistão. Ele, que por algum tempo ficou detido em Guantánamo, é considerado um taleban "reconciliado". Ele vive em Cabul e atua como emissário entre seus antigos amigos e o governo afegão ou os ocidentais. "Espera-se que ele passe as mensagens e transmita as preocupações mencionadas durante esses encontros", diz o lado francês.

Para o outro principal movimento insurgente, o Hezb-e-Islami (partido islâmico), seu líder, Gulbuddin Hekmatyar, ex-comandante mujaheed próximo dos paquistaneses, ex-premiê no período pós-soviético, havia enviado seu genro, Ghairat Baheer, também ex-prisioneiro dos americanos e libertado do cárcere da CIA em 2008.

Para completar essa rodada afegã figuravam mulheres deputadas ismaelianas, pashtuns próximas do ex-rei do Afeganistão, um porta-voz da comunidade uzbeque e membros da sociedade civil, sendo que alguns foram reeleitos em junho.

As autoridades francesas supervisionaram essas discussões à sua maneira. O Ministério das Relações Exteriores delegou o diretor para a Ásia e o da prospectiva. Já o da Defesa escalou o diretor de Assuntos Estratégicos. De fato foi a França que financiou essa operação, e acadêmicos franceses contribuíram com seu conhecimento para a condução dos debates, que foram realizados em sua maior parte somente entre os participantes afegãos.

"Se negociações oficiais tivessem sido conduzidas, teria sido preciso conseguir o sinal verde de Washington e de Islamabad", revela um dos convidados. "Essa estratégia discreta permite dispensar isso, e o importante é que essas pessoas possam conversar protegidas de qualquer pressão e construam aqui as bases de futuras alianças que estabilizarão o cenário político afegão".

Essa iniciativa francesa de fato faz parte de um contexto tenso no campo da reconciliação após a saída da Otan em 2014. Os americanos têm estratégias de curto prazo muitas vezes contaminadas por considerações de política interna. Os paquistaneses atacam qualquer negociação que ameace sair de seu controle e o governo afegão quer falar com os talebans que não o reconhecem como interlocutor.

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