terça-feira, 27 de maio de 2014

Rússia muda de tom em relação a recém-eleito presidente da Ucrânia

Petro O. Poroshenko
Petro O. Poroshenko, empresário bilionário que venceu a eleição presidencial da Ucrânia no domingo (25), foi raivosamente criticado no mês passado pela televisão russa como desonesto, interessado em dinheiro, simpatizante dos radicais --em suma, o típico político ucraniano aos olhos russos.

O programa da rede NTV, aliada ao Kremlin, disse que ele era dono de uma mansão que se assemelha à Casa Branca --uma clara evidência de sua perigosa simpatia ao Ocidente. A reportagem zombava dele, chamando-o de "coelho de chocolate", distorcendo seu apelido de "Rei do Chocolate", por sua fortuna com doces. Um cientista, ou pelo menos alguém vestindo um jaleco branco, se materializou na tela para denunciar sua popular marca de chocolates Roshen, dizendo que era cheia de agentes cancerígenos.

Então, quando Poroshenko emergiu como o principal candidato, houve uma mudança. Os ataques cessaram, e sua fábrica de chocolate no sul da Rússia, que a polícia havia fechado, foi autorizada a funcionar novamente.

O presidente Vladimir Putin, da Rússia, ainda disse que os chocolates eram comíveis e, nos últimos dias, afirmou em várias ocasiões que iria trabalhar com quem quer que fosse a nova liderança em Kiev.

"Vamos respeitar de todas as formas a escolha do povo ucraniano e cooperar com as autoridades que virão ao poder como resultado da eleição", disse Putin a um grupo de jornalistas de agências de notícias estrangeiras no sábado (24), em São Petersburgo, de acordo com uma transcrição feita pelo site do Kremlin.

Houve, porém, algumas ressalvas. Putin disse que ainda considera o presidente Viktor Yanukovich, deposto em fevereiro, o líder legítimo da Ucrânia. Além disso, a tão necessária reforma constitucional provavelmente faria com que o novo mandato presidencial tivesse curta duração, disse ele.

Analistas russos, diplomatas ocidentais e outros veem por trás das observações os objetivos individuais de Putin. O principal objetivo do Kremlin é manter sua influência sobre a Ucrânia por qualquer meio necessário, mas o ideal seria através de uma forte autonomia regional. Em segundo lugar, ele preferiria que a instabilidade no leste da Ucrânia não se desintegrasse em uma guerra de milícias.

Moscou não estaria disposta a colaborar e muito menos a abraçar alguém que não reconheça a necessidade de evitar que a Ucrânia se torne uma ameaça.

"A atitude em relação a ele vai ser fria, mas eles entendem que vão ter que trabalhar com ele", disse Alexei V. Makarkin, analista do Centro de Tecnologias Políticas em Moscou.

Se há alguém que consegue dançar o complicado minueto necessário para cortejar a Europa e não provocar Moscou, esse alguém é Poroshenko, segundo os analistas e diplomatas.

Poroshenko provou ter habilidades de negociação, um traço pragmático e uma longa experiência no governo ucraniano dividido. Ele foi ministro das Relações Exteriores em 2009 e 2010 e ministro do Comércio depois disso, e disse à Agência France-Presse, na semana passada: "Conheço Putin. Tive uma vasta experiência de discussões com ele, ele é um negociador forte e duro".

O que Putin pensa dele, por outro lado, permanece obscuro.

No lado positivo, Poroshenko tem certos atributos que parecem bons para a Praça Vermelha. Ele tem ligações com a elite empresarial russa e investiu pesado no país. Ele é conhecido por fazer peregrinações aos mosteiros ortodoxos russos. Seu filho conheceu sua nora em São Petersburgo, cidade natal de Putin.

A Rússia não chegou a condená-lo como um simpatizante do nazismo, sua principal queixa contra uma série de políticos de Kiev. Ele é visto pelo Kremlin como "rukopozhaty", ou alguém com quem você se dispõe a apertar as mãos, disse um analista não autorizado a falar publicamente.

O principal contato de Poroshenko com o Kremlin seria Dmitry V. Firtash, um oligarca ucraniano. Firtash ajudou a consolidar a candidatura de Poroshenko, mas atualmente está preso em Viena (Áustria), lutando contra a extradição para os Estados Unidos por acusações de corrupção.

De certa forma, no entanto, nada disso importa, disseram os analistas.

"A Rússia não pensa em indivíduos", disse Yevgeny Minchenko, especialista em Ucrânia, no Instituto Internacional de Expertise Política. "A Rússia pensa em condições, em medidas, o que eles fazem. Eles não estão preocupados com quem você é, eles só se preocupam com o que você faz".

O governo em Kiev, em geral, reconhece que precisa ter um diálogo direto com o Kremlin, observaram os analistas. A Rússia é um vizinho grande demais para se ignorar, e é ainda mais difícil fugir dela. Existem também razões econômicas sólidas.

Durante uma sessão de perguntas e respostas na sexta-feira, no Fórum Econômico de São Petersburgo, Putin repetiu que queria que a Ucrânia pagasse agora os US$ 3,5 bilhões (R$ 7,7 bilhões) que deve à Rússia pelo gás natural. A Rússia é o maior parceiro comercial da Ucrânia. Esta sócia minoritária economicamente conturbada constrói vários componentes importantes para os militares russos.

Mas, Putin parece preferir estrangular o país lentamente a vê-lo emergir como qualquer tipo de ameaça.

O relacionamento pessoal pode ajudar Poroshenko a suavizar as negociações com Putin, segundo os analistas, mas só até certo ponto. Ambos são entusiastas do judô, por exemplo, embora aparentemente o corpulento Poroshenko não o pratique mais. "Talvez isso ajude, mas acho que estão em diferentes categorias de peso", disse Orysia Lutsevych, analista da Chatham House, em Londres.

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