A melhor definição sobre a Otan sempre foi a mais simples: se a Otan é a resposta, qual é a pergunta?
Após o colapso da União Soviética, a pergunta deixou de ser clara. Mas isso pareceu resolvido depois de 11 de setembro de 2001, quando a Al Qaeda atacou os Estados Unidos. A Otan invocou o Artigo 5º, a linha vermelha de defesa coletiva, pela primeira vez. A Otan saiu de sua área, combatendo a Al Qaeda e o Taleban ao lado das forças armadas americanas.
Agora, com a Líbia no caos e a retirada do Afeganistão, a Otan está enfrentando uma luta pelo seu futuro, que na verdade é uma luta pelo seu passado. Com o revanchismo russo na Ucrânia e a anexação da Crimeia, nós voltamos à União Soviética? Ou, como Marx disse tão incisivamente, a história está se repetindo, não como a tragédia da União Soviética, mas como uma farsa?
Dizendo de forma mais simples: o confronto é um problema ucraniano ou um problema russo? É um bip, que pode ser tratado como uma lombada antes do retorno à rica e reta estrada do comércio, ou é algo fundamental, não um desafio à ordem do pós-guerra, mas uma ruptura, abrindo um buraco nessa estrada?
Com o encontro de cúpula da Otan no País de Gales no início de setembro, essas perguntas importam, porque um comunicado da aliança deve ser negociado entre os 28 países membros. Seria impossível para a Otan não assumir uma posição a respeito da Ucrânia e Rússia em setembro, concordaram altos diplomatas da Otan, mas o que diria?
O quanto a Otan deveria recuar de sua polícia de cooperação com a Rússia e da lei de 1997 sobre relações mútuas? Ela deveria encerrar o Conselho Otan-Rússia de 2002? De modo mais concreto, a Otan deve voltar atrás em sua promessa de não posicionar tropas permanentemente no território dos países que antes ficavam atrás da Cortina de Ferro, como a Polônia e os países bálticos?
Mais fundamentalmente, a Otan deveria ver a Rússia agora da mesma forma que via a União Soviética –como principal antagonista que move o pensamento da aliança– ou deveria manter a esperança de cooperação com Moscou, supondo que Vladmir Putin teve apenas um momento ucraniano?
Afinal, em 2008, quando a Rússia prendeu a Geórgia em uma breve guerra e ocupou dois territórios georgianos, a Abkhazia e Ossétia do Sul, a Otan apenas suspendeu "os negócios de costume" com a Rússia, apesar da "cooperação" ter prosseguido em assuntos como contraterrorismo e Afeganistão. Apenas um ano depois, os negócios voltaram ao normal, com pouco custo para Moscou. Mas Putin não anexou aqueles territórios –ela apenas proclamou a independência deles. A Rússia podia argumentar que não mudou as fronteiras da Europa do pós-guerra à força.
Mas isso é precisamente o que Moscou fez na Crimeia, e mesmo os países da Otan mais solidários com a Rússia estão tendo dificuldade em fazer vista grossa.
O início deste debate dentro da Otan é amargo, diz um diplomata da Otan. Se a Rússia ressurgente fornecer à Otan uma renovada razão de ser, também ressurgirá as diferenças reprimidas entre "velha Europa" e "nova Europa", os ex-países do bloco soviético.
Para velhos europeus como Reino Unido, França e Alemanha, a ameaça russa é distante. E há negócios esperando, de energia e acordos de armas (lembram do Mistral?) até gestão da riqueza dos oligarcas.
Mas para os novos europeus, a ameaça parece existencial, e querem garantias tanto por parte da Otan quanto por seus parceiros relutantes da União Europeia.
O debate na Otan não é sobre ser inaceitável o que aconteceu na Ucrânia, mas o que significa e o que fazer a respeito. O presidente da Estônia, Toomas Hendrik Ilves, fala em nome de muitos quando diz que Putin rompeu com a ordem do pós-guerra, que entrou em vigor com o Tratado de Helsinki de 1975 e com o fim da Guerra Fria. O Ocidente, e a Otan, segundo esta posição, deve criar algo novo.
Outros temem que algo novo é na verdade algo velho: a restauração da Guerra Fria. É cedo demais para essa conclusão, eles argumentam, e infligiria dor demais em uma Europa já sofrendo de estagnação do crescimento.
A Otan precisa encontrar um consenso sobre como interpretar a Rússia e o que significa para o posicionamento de tropas. Mas o desafio maior permanece: definir o futuro da Otan.
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