terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

"Somos um país soberano", diz líder da direita suíça que se opõe à UE e à imigração

Christoph Blocher
Em entrevista para a "Spiegel", , líder do Partido Popular da Suíça, de direita e populista, discute o sucesso de sua recente campanha em um referendo contra a "imigração em massa" e o futuro relacionamento da Suíça com a UE.

Christoph Blocher, 73, é o político mais controverso da Suíça. O empresário bilionário transformou o Partido Popular da Suíça (SVP na sigla em alemão) em uma organização populista de direita que faz campanha contra a UE, a imigração e o islamismo. Blocher, formado em direito, foi quem liderou a bem-sucedida campanha contra a entrada da Suíça na Área Econômica Europeia em 1992. De 2004 a 2007, ele serviu como membro do governo antes de ser demitido por votação. Continua sendo um líder da política suíça e recentemente financiou a campanha contra a "imigração em massa" que custou 3 milhões de francos (2,45 milhões de euros).

A "Spiegel" entrevistou Blocher depois do referendo em 9 de fevereiro no qual 50,3% dos eleitores votaram a favor de se refrear a imigração da UE.

Spiegel: Depois do referendo, o senhor disse que a UE suplicaria nas próximas negociações com a Suíça. O senhor está sofrendo ilusões de grandeza?
Christoph Blocher: Desculpe-me, mas basta ver a realidade. A UE quer que a Suíça coloque suas leis fiscais em linha com as europeias. Segundo, ela quer ampliar a taxação sobre os lucros das contas bancárias pertencentes a cidadãos da UE. Terceiro, querem que nos tornemos institucionalmente interconectados de tal modo que a Suíça teria de adotar automaticamente as leis europeias no futuro. E depois eles querem que nós aceitemos que o Tribunal de Justiça Europeu decida sobre disputas em tratados. Essas coisas são todas do interesse da UE. Se a UE agora ameaça cortar as relações bilaterais, pode fazê-lo. Isso não faria a Suíça naufragar.

Spiegel: O senhor seriamente quer o fim das negociações e o rompimento dos acordos?
Blocher: A Suíça não pode romper tratados e não o fará. Mas certas negociações - principalmente sobre subordinar nossas instituições - devem ser suspensas. Não concluiremos nenhum tratado colonial - nem mesmo com a UE. A atitude da Comissão Europeia é: O que vocês querem, pequena Suíça, o que estão pensando? Eu pensei que tivéssemos ultrapassado essas ideias depois das guerras mundiais e da descolonização. Todo mundo fala sobre o direito dos povos à autodeterminação. Não é mais o caso? Parece que eu estava errado. Os pequenos países são punidos como criaturas. A Suíça não pode aceitar isso.

Spiegel: O senhor apresenta seu país como uma vítima de poderes sinistras. O fato é que a Suíça concordou com um pacote de tratados com a UE por sua própria vontade. Por que a UE deveria permitir que a Suíça restrinja o direito à livre movimentação das pessoas?
Blocher: Nós concluímos um tratado que inclui cláusulas de revisão e períodos de cancelamento. Vamos respeitá-los. Mas como a livre movimentação de pessoas está conduzindo a uma catástrofe a população Suíça decidiu afastar-se dela. Sobre o tratado, foi acordado que ele teria de ser revisado se houvesse dificuldades econômicas ou sociais. É claro que podemos alegar que não há essas perturbações. Mas mais de 50% dos eleitores decidiram de modo diferente. Cerca de 23,8% da população da Suíça são formados por estrangeiros, e quase 15% são cidadãos suíços naturalizados de primeira geração. Nenhum país europeu tem algo parecido.

Spiegel: A UE também poderia canelar outros tratados com a Suíça e excluí-la do mercado comum.
Blocher: Isso é verdade. Mas vocês realmente pensam que os países da UE desprezam seus interesses? Por exemplo: o acordo mais importante para a UE é o tratado de trânsito que permite a livre passagem da Holanda até a Itália, de um mar a outro através do túnel Gotthard. O senhor quer cancelar esse tratado? A Alemanha? A Itália? Os países do Benelux? Sim, o senhor poderia com certo esnobismo alegar que somos apenas um pequeno país, mas o túnel Gotthard está localizado nesse pequeno país e se a UE cancelar o tratado também poderemos fazer o que quisermos com essa estrada. A Suíça está atualmente construindo e pagando por duas linhas de trem que são especificamente para a UE. Vocês querem perder isso?

Spiegel: Então você está dizendo que toda a Europa tem de acatar a Suíça?
Blocher: Não, mas a Suíça não é membro da UE e não quer se tornar um. Somos um país soberano. E os eleitores suíços agora decidiram que querem interromper a livre movimentação de pessoas. O Conselho Nacional (governo federal da Suíça) agora vai preparar um plano para a implementação até a metade do ano. Depois falará com a UE. Se a UE não quiser concordar, então (o tratado) terá de ser suspenso. A Comissão Europeia declarou que o livre movimento de pessoas é um dos pilares do mercado interno europeu. Eu concordo com isso - mas não fazemos parte do mercado interno europeu.

Spiegel: Como o senhor tentará evitar as consequências negativas para a Suíça - em termos da livre movimentação de bens e capitais?
Blocher: Você sabe que sou um empresário, e a EMS Chemical (cuja maior parte é propriedade da família Blocher) exporta mais de 90% de seus produtos. Dez anos atrás, dois terços iam para a UE, mas hoje caiu para cerca de 50% porque a economia europeia está paralisada e a Ásia se tornou mais importante. Incidentalmente, a Suíça é o terceiro maior cliente da UE. Os suíços compram mais da UE do que vendem para ela. Você realmente acredita que alguém alienaria um cliente como esse? Como Charles de Gaulle declarou certa vez: os países não têm amigos, têm interesses.

Spiegel: Em sua campanha para o referendo, o SVP desenhou cenários de horror de uma Suíça superpopulosa, um país que se torna uma selva de cimento. A verdade é que seu país está se saindo melhor que nunca. Por que tanto medo?
Blocher: Não é medo. Se as coisas continuarem, vamos ultrapassar a marca de 10 milhões em 2033. Em 2061, teremos 16 milhões de habitantes, mais da metade dos quais serão estrangeiros.

Spiegel: Esse é um cálculo muito simples. E sobre os fatores de oferta e procura que influem na imigração?
Blocher: Todo mundo está se amontoando em nosso país - e a Suíça oferece os melhores benefícios sociais da Europa. O que acontece se um imigrante fica desempregado depois de um curto período? O Conselho Nacional declarou recentemente que não tem de pagar assistência social nesses casos. Mas podemos deixá-lo passar fome? E cada vez mais imigrantes virão. A partir de 2016, romenos e búlgaros terão o direito ao livre movimento. Quando leio os jornais alemães, noto que os alemães têm medo dos búlgaros e dos romenos.

Spiegel: O senhor sabe quantos estrangeiros trabalham na sua empresa?
Blocher: Cerca de 30%.

Spiegel: Seguindo a lógica do SVP, não são demais?
Blocher: Não. Além disso, nós teríamos essas pessoas mesmo sem a livre movimentação. Sob o acordo com a UE, temos de dar preferência aos europeus, mas isso poderá ser cancelado em breve, e nesse caso teremos liberdade para atrair os melhores trabalhadores do mundo todo.

Spiegel: A maior parte dos seus aplausos vem dos partidos de extrema-direita. O senhor se sente à vontade na companhia desses grupos?
Blocher: Não, eu não me associo com eles. Mas não é possível evitar esse aplauso. O SVP não tem nada a ver com xenofobia. Eu também rejeito a acusação de que a Suíça é xenófoba. Não temos o tipo de guetos estrangeiros que outros países europeus têm, e não há partido de extrema-direita.

Spiegel: Então é apenas um grande mal-entendido que o SVP seja considerado um partido de extrema-direita?
Blocher: Isto é maledicência de adversários e jornalistas. O SVP é atualmente o maior partido e em breve fará 100 anos. Ele é amigo das empresas e conservador. Nosso compromisso é garantir que a Suíça permaneça a democracia direta que é hoje.

Spiegel: O senhor se considera um europeu?
Blocher: Sim, absolutamente. Mas, me desculpe, a UE é uma construção incorretamente designada e extremamente complicada. Ela também se afastou muito de ser um projeto pacífico idealista.

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