quinta-feira, 21 de novembro de 2013
Justiça no Egito está nas mãos do policial na próxima esquina
No Egito pós-30 de junho, após o golpe do Exército que levou à destituição do presidente Mohammed Mursi, oriundo da Irmandade Muçulmana, o depoimento de Oussama, jovem comum vindo da pequena burguesia cairota, sem passagem pela polícia, não tem nada de extraordinário. Em um contexto classificado como "combate ao terrorismo" pelas autoridades, o aparelho policial egípcio tem funcionado à toda, apoiado pela propaganda midiática que o acompanha.
Ainda que o estado de emergência e o toque de recolher tenham sido suspensos recentemente, os poderes da polícia parecem estar passando por um recrudescimento, como acontecia durante o regime autoritário de Hosni Mubarak. "Houve uma mudança radical na relação de forças. Antes, a polícia era a inimiga número um do povo. Hoje, é a Irmandade Muçulmana. O Ministério do Interior entendeu bem isso. Os policiais estão saboreando sua vingança e abusando dessa nova popularidade", analisa Karim Ennarah, pesquisador da Egyptian Initiative for Personal Rights, uma organização de defesa dos direitos humanos.
Antes das primeiras revoltas de janeiro de 2011, a polícia era o foco do ódio da maioria dos egípcios que haviam feito do fim dos abusos policiais a principal das exigências da revolução. Derrotados nessa época pelos manifestantes, os policiais sumiram do espaço público durante alguns meses, deixando a falta de segurança se instalar no país.
No entanto, foi uma retirada de fachada. O Ministério do Interior, que era um Estado dentro de um Estado durante o governo de Mubarak, resistiu bem aos sobressaltos revolucionários e não se preocupou com a Irmandade Muçulmana no poder em 2012 e menos ainda com os militares de hoje. O ex-oficial A., que saiu da academia de polícia em 1990, hoje é magistrado e constata a exorbitância de poder da polícia que há em todos os níveis da sociedade. "O cotidiano de um policial é a lei do mais forte, a humilhação do mais fraco, o privilégio permanente, a corrupção endêmica", ele descreve. "Seria necessário no mínimo uma reforma profunda da formação dos policiais da Amn al-Markazi, a polícia central. Eles estão na parte mais baixa da escala, sem educação, formados em violência em meio à violência. A sociedade civil vem tentando desde a revolução iniciar uma reforma do Ministério do Interior. Sem sucesso."
"No fundo nada mudou", lamenta Karim Ennarah. "Está até pior. O uso de tortura é comum, o número de mortos em cárcere aumentou, assim como o uso de violência letal, que vem se banalizando no dia a dia." Com exceção dos defensores dos direitos humanos, pouquíssimas vozes se levantam para pedir satisfações à polícia. "O Estado nomeou uma comissão de inquérito para esclarecer as mortes deste verão. Ficou no papel. Não existe nenhuma vontade política de combater a impunidade da polícia. Aliás, isso nunca existiu, nem antes, nem depois da revolução", ressalta o pesquisador.
Apesar dos 1.300 mortos deste verão entre os islamitas, há somente um processo em andamento, o de quatro oficiais acusados de "homicídio culposo" depois de terem atirado gás lacrimogêneo dentro de um furgão que transportava 37 detentos. Todos morreram por asfixia. "Nossa briga neste momento é para conseguir a acusação de "homicídio doloso", diz Karim Ennarah.
Desde fevereiro de 2011, pouco mais de cem policiais foram levados aos tribunais. A esmagadora maioria deles foi inocentada. Somente alguns poucos foram considerados culpados. É o caso do tenente Mahmoud al-Shennawy, condenado a três anos de prisão sem condicional por ter mirado nos olhos de vários manifestantes. Foi em 2011, perto da Praça Tahrir, durante os confrontos da rua Mohamed-Mahmoud, que resultaram em 47 mortos entre os manifestantes, "mártires" que caíram pelos tiros da polícia e que serão lembrados pelos revolucionários na terça-feira (19).
Mohaned não se reivindica como tal. Bem pelo contrário. Esse jovem de 21 anos nunca participou de nenhuma manifestação. Morador do centro de Abdine, a dois passos do Ministério do Interior, ele se descreve como um "cidadão honesto", preocupado em proteger a ordem e seu bairro. Durante os acontecimentos de julho, ele fez parte dos comitês populares, grupos de homens armados em graus variados que se juntavam espontaneamente para garantir a segurança em caso de crise e que, depois de deterem os tumultuadores, os entregavam nas mãos da polícia.
Durante os confrontos da rua Mohamed-Mahmoud, Mohaned esteve do lado das forças de segurança para deter os manifestantes. Mas de algumas semanas para cá ele passou a achar que a polícia está indo longe demais. Repetidas humilhações nos postos de verificação, averiguações abusivas de identidade e a seguinte traição: "Eles prenderam um de meus amigos, sendo que ele os estava ajudando. Não entendi", ele diz, desiludido. "Por isso vou participar de uma manifestação pela primeira vez na minha vida e será contra a polícia."
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