A rede urdida pela NSA, revelada por Edward Snowden, o ex-consultor da maior agência de inteligência americana, tem proporções gigantescas. Hoje sabemos mais sobre os procedimentos e a extensão da intrusão americana e temos a certeza de que os Estados Unidos vasculham os segredos tanto de seus aliados como de seus inimigos. Em compensação, ainda são poucos os elementos conhecidos sobre o outro rosto dessa espionagem, onde aparecem os indivíduos e as empresas monitoradas pelo governo americano.
Essa faceta, provavelmente a mais explícita em termos de atentado à liberdade pública e individual, não diz respeito somente aos países considerados como adversários, mas também nações amigas como a França, no cerne dos centros de interesse da NSA. Documentos dessa agência, obtidos pelo "Le Monde", ilustram essa intrusão em grande escala tanto no espaço privado dos cidadãos franceses como nos segredos de grandes empresas nacionais.
A prova mais recente dessa espionagem aparece em um documento datado do mês de abril de 2013, ao longo de uma página de um manual de instruções do programa Prism, revelado por Edward Snowden, que em 41 páginas explica aos analistas da NSA como usar essa ferramenta destinada à coleta de dados nos servidores de grandes provedores de acesso americanos tais como Microsoft, Yahoo, Facebook e Google.
Uma das fichas do manual indica ao analista que ele não deve utilizar somente o programa Prism para suas pesquisas: ele também deve buscar informações em uma outra fonte conhecida pelo nome de Upstream, que permite interceptar as comunicações que transitam pelos cabos submarinos e pela infraestrutura de internet. Ao longo de uma lista de 35 exemplos de endereços escolhidos para mostrar o interesse dessa pesquisa, também se descobre que a NSA olhou muito de perto, entre 1º e 31 de janeiro de 2013, tudo aquilo ligado à wanadoo.fr e à alcatel-lucent.com
A Wanadoo é uma ex-filial da France Télécom que iniciou sua atividade de provedora de acesso à internet em 1995 e cujas atividades foram integradas, em 2006, sob a marca Orange. Um terço dos clientes da Orange, ou seja, 4,5 milhões de pessoas ainda usam o e-mail wanadoo.fr. A direção da Orange se negou a fazer qualquer comentário.
"Empresa estratégica"
Já a Alcatel-Lucent, nascida da fusão entre o grupo francês Alcatel e a americana Lucent Technologies em 2006, emprega mais de 70 mil pessoas e trabalha no delicado setor de equipamentos de redes de comunicações. A Alcatel-Lucent possui algumas joias como os roteadores de core de rede que organizam o transporte dos dados digitais ou a atividade de instalação de cabos submarinos pelos quais transita a maior parte do fluxo de comunicações mundiais. No final de 2012, o Ministério das Finanças estudou a recuperação total ou parcial dos ativos da Alcatel por parte da Orange.
Em meados de janeiro de 2013, Fleur Pellerin, ministra encarregada das pequenas e médias empresas, da inovação e da economia digital, mencionou a possibilidade de um investimento do Fundo Estratégico de Investimentos (FSI), pertencente à Caixa Econômica e ao Estado francês, na Alcatel-Lucent Submarine Networks (ASN), a filial de cabos óticos submarinos da Alcatel-Lucent. Segundo ela, essa atividade representa um interesse "estratégico", sobretudo no que diz respeito ao "monitoramento digital" e à "segurança do território". Para não haver dúvidas, a ministra se declarou a favor --sem citar os Estados Unidos-- de "uma solução que mantenha a integridade da ASN e sua presença nacional".
Pellerin, procurada pelo "Le Monde" diversas vezes para responder tanto sobre as questões de espionagem eletrônica americana contra um grupo industrial francês quanto sobre as problemáticas suscitadas por suas declarações a respeito da segurança das comunicações por via submarina, se negou a falar. Uma fonte de alto nível no Ministério da Defesa indicou que as "declarações de Pellerin, reconhecendo publicamente que os cabos submarinos e as estações de aterragem desses cabos em contato com os continentes eram ninhos de espionagem, foram uma grande gafe". A Alcatel não quis comentar essas informações.
O documento interno da NSA fornece poucos detalhes sobre os critérios de interceptação dos dados que circulam nos endereços wanadoo.fr e alcatel-lucent.com. No entanto, sabe-se graças a outros documentos revelados por Edward Snowden que o Upstream também pode monitorar os endereços em si, o que significaria que a NSA pode armazenar todas as informações que ali estiverem, bem como palavras-chave que desencadeiam a interceptação.
Segundo os documentos obtidos pelo "Le Monde", o programa Prism utiliza mais de 45 mil "seletores". Não dispomos do número preciso de palavras-chave para a intrusão maciça da NSA, por meio do Upstream, no endereço wanadoo.fr. Os métodos de triagem são próximos dos do Prism, e os critérios escolhidos pela NSA cobrem os setores considerados "estratégicos" pelo governo americano e isso, em todos os domínios, aqueles que são ligados tanto à segurança quanto às questões políticas internacionais ou à defesa dos interesses comerciais do país.
A Alcatel-Lucent exerce um papel central em matéria de equipamentos para redes de comunicação, sobretudo submarinos. Portanto, a NSA poderia acessar sistematicamente todas as comunicações dos funcionários da empresa.
A filosofia da NSA em matéria de inteligência, segundo as declarações oficiais de seu diretor, o general Keith Alexander, é poder ser alertada em caso de perigo e dispor de uma ampla base de dados em caso de necessidade. Isso permite imaginar que o armazenamento de dados interceptados dessa forma é por um longo tempo.
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