terça-feira, 29 de outubro de 2013

Espionagem americana divide a Europa

Esse poderá ser o convidado de última hora do Conselho Europeu de quinta e sexta-feira (24 e 25) em Bruxelas. O escândalo das escutas da NSA (Agência Nacional de Segurança Americana) acaba de mais uma vez arrebatar a agenda dos europeus, como aconteceu na ocasião das primeiras revelações na imprensa, no final de junho. François Hollande deverá abordar o assunto durante a reunião dos chefes de Estado e de governo. Mas, mais uma vez, nada indica que a reação dos 28 Estados-membros estará à altura da comoção suscitada entre a opinião pública pelo caso.


Por um acaso de cronograma, dirigentes de Estado haviam previsto há muito tempo falar sobre a indústria do digital na quinta e na sexta-feira, mas mais a respeito do mercado das telecomunicações e da inovação. E suas conclusões devem continuar sendo muito gerais, a julgar pelos textos que têm circulado em Bruxelas. A cúpula, no entanto, poderia permitir que sejam aceleradas as negociações, iniciadas há muito tempo, para reforçar a legislação sobre a proteção da vida privada diante da intrusão dos gigantes da internet, ou até dos serviços de espionagem.

"Mais completa ilegalidade"
Era uma oportunidade única e Viviane Reding não a desperdiçou: a comissária europeia para Justiça, que há dois anos luta para que suas propostas sejam aceitas, denunciou, na terça-feira (22) em Estrasburgo, "uma instituição – a NSA – que pede às empresas que lhe transmitam dados pessoais coletados e assim opera na mais completa ilegalidade".

Baseando-se nas revelações do "Le Monde" sobre as escutas praticadas na França, Reding fez um apelo aos dirigentes da União Europeia para que "entrem em ação". "A proteção dos dados não é somente um conceito, é um direito fundamental que deve ser reforçado por uma lei fundamental", considera a comissária.

Auxiliada pelas notícias recentes, ela conta muito com a França para acelerar um processo entravado até aqui pelo Reino Unido, pela Holanda e pela Irlanda, preocupados em não prejudicar os gigantes da internet. A Comissão de Bruxelas espera que os ministros da Justiça dos 28 Estados-membros cheguem a um acordo em dezembro, antes que o Parlamento, a Comissão e o Conselho encontrem um consenso até as próximas eleições europeias, em maio.

No entanto, esse cenário continua muito incerto. Os europeus têm muita dificuldade em se unir contra Washington. Até hoje, os dirigentes na verdade evitaram condenar em uníssono as práticas reveladas em junho por Edward Snowden, o ex-colaborador da NSA. A exemplo da chanceler alemã Angela Merkel, então em campanha para sua reeleição, houve quem tivesse exigido "explicações" à administração Obama. Mas o escândalo não impediu a abertura, em julho, das negociações de livre-comércio com os Estados Unidos.

Diante de Angela Merkel e David Cameron, o primeiro-ministro britânico, que queriam seguir em frente, Hollande havia tentado conseguir o adiamento dessas conversas, exigindo que as práticas da NSA cessassem. Ele não conseguiu. Um simples grupo de trabalho foi criado para discutir essas delicadas questões com os serviços de inteligência francesa. Foi uma maneira de não entravar o resto das discussões comerciais, ainda que os franceses não estejam satisfeitos com as explicações dadas até o momento pelas autoridades americanas. "O último escândalo até o momento foi revelado na França, mas certamente haverá outros no futuro", disse Reding.

"Direito ao esquecimento"
Esta última foi endossada pela comissão das liberdades civis e da justiça do Parlamento Europeu, que votou e até mesmo endureceu, na segunda-feira à noite, seus projetos. Na verdade trata-se de dois textos. Direita e esquerda se pronunciaram a favor de disposições que devem permitir que os usuários autorizem, ou não, o uso de seus dados pessoais pelo Google ou pelo Yahoo!, por exemplo. Em caso de litígio, são as autoridades do país onde reside o querelante, como a CNIL (Comissão Nacional de Informática e Liberdades) na França, por exemplo, que deverão estar na linha de frente, e não as do país onde está estabelecido o grupo acusado.

Os parlamentares concordam em punir com uma multa que pode chegar a 100 milhões de euros ou 5% de seu faturamento anual mundial as empresas que transmitam os dados fora da Europa sem a autorização de uma autoridade nacional. A comissão propunha um milhão de euros e 2%. Os deputados também apoiaram o princípio de um "direito ao esquecimento", ou seja, um apagamento dos dados digitais, geralmente negado pelas gigantes da internet. "Agora a bola está no campo do governo de cada país", acredita o eurodeputado verde alemão Jan Philipp Albrecht, um dos relatores do projeto no Parlamento.

Além disso, na linha de frente na defesa dos direitos, o Parlamento deve votar, na quarta-feira (23), a favor ou contra a suspensão do acordo Swift, negociado com grande esforço com Washington para regulamentar as transferências de dados bancários de uma margem à outra do Atlântico. Socialistas, ecologistas e radicais de esquerda estavam prontos a condenar esse documento. O Partido Popular europeu e os liberais rejeitavam essa perspectiva. Todavia, certos eurodeputados de direita poderão ter a adesão da esquerda após as últimas revelações sobre as práticas da NSA.

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