segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Dispersados pela guerra, sírios lutam para começar de novo

Durante a primavera deste ano, enquanto molhava as plantas na varanda de sua casa na Síria, Wedad Sarhan teve o prazer em observar como elas estavam voltando à vida após os meses de inverno. Uma árvore de jasmim enchia a pequena varanda com seu doce perfume. Um damasqueiro plantado oito primaveras antes estava florescendo pela primeira vez.
Mas um míssil explodiu na varanda de Sarhan poucos minutos depois. Sarhan estava dentro de casa. Duas de suas netas ficaram feridas. O pai delas, Hasan, levou rapidamente uma das garotas para uma clínica próxima, sem saber que a outra havia sido ferida com mais gravidade e estava debaixo de uma pilha de roupas.

Sarhan encontrou a menina. "Eu a puxei para fora pela camisa", relembra ela. "Eu a peguei em meus braços e, em seguida, eu comecei a gritar: 'Ela está sem a perna!'"

Naquela noite, a família Sarhan fugiu de Daraa, sua cidade natal, localizada no sudoeste da Síria, e cruzou a fronteira em direção à Jordânia, formando um grupo de três gerações de refugiados. Seu grande clã, já dilacerado pela guerra civil da Síria, agora estava espalhado pela Jordânia e pela Síria.

Hoje, os membros da família Sarhan que vivem na Jordânia, assim como outros refugiados sírios que foram lançados em uma região cada vez mais hostil, fazem planos vagos sobre seu retorno à uma nação que quase já não existe mais. Mas a guerra, que hoje está sendo travada a apenas meia hora de carro de Mafraq, tem se mostrado implacável e obrigado os Sarhan a refazerem suas vidas neste novo lar.

Eles têm se aventurado com desconforto por suas novas redondezas, têm demonstrado ansiedade ao enviar seus filhos para novas escolas e têm exibido certa relutância em abrir novos negócios por aqui. As novidades dos membros da família que ficaram na Síria são recebidas por meio de ligações de celular breves e entrecortadas.

"Nossa história familiar é apenas uma entre muitas", disse Noman Sarhan, filho mais velho de Sarhan. "Você pode encontrar famílias sírias que tiveram mais sorte do que a nossa, e outras cujas histórias são mais terríveis, mas quase todas as famílias sírias têm uma coisa em comum: um parente que foi morto ou ferido, que está preso ou é procurado. Todas as famílias sofreram."

Os Sarhan estão entre os mais de 2 milhões de pessoas que a guerra civil da Síria dispersou até agora por todo o Oriente Médio e até mesmo pela Europa.

Em um centro de reabilitação localizado cerca de 60 km ao sul de Mafraq, em Amã, na capital da Jordânia, Wedad Sarhan tem feito companhia para uma das suas netas feridas. Sempre otimista, ela aparenta estar animada e alegre à primeira vista. No entanto, uma terrível dor se abate sobre Sarhan quando ela relata as perdas sofridas por sua família.

Dois de seus filhos e nove netos estão seguros na Jordânia. Mas seis filhos e 21 netos continuam presos na Síria. Uma filha se mudou para uma casa abandonada com sua família. Outro procurou abrigo em uma casa em construção. Recentemente, seu filho mais novo foi ferido na perna por um franco-atirador. Outro está foragido e é procurado pelas forças do governo devido a seu ativismo. Dois outros estão presos, incluindo um que está em uma prisão militar em Damasco. Segundo Sarhan, ela não tem notícias desse filho há oito meses.

Quanto ao seu marido, Hussain, de 62 anos, ele está isolado dentro da casa da família, entocado em uma área controlada pelos rebeldes e que é foco de ataques regulares de bombas e mísseis. Temendo saqueadores, ele se recusa a deixar a residência.

Quando os combates diminuem, às vezes ele sobe uma colina localizada nas proximidades para tentar obter sinal para seu celular. "Eu estou OK. O pessoal aí está bem?", ele pergunta a sua esposa antes de desligar.

As obrigações do filho mais velho
"Onde estão os jordanianos?", pergunta Noman Sarhan, 38, repetindo uma piada popular entre os sírios que vivem em Mafraq.

A maioria dos refugiados sírios foi atraída não para os campos de refugiados, mas para cidades como Mafraq, onde a população dobrou para 250 mil habitantes. Com a reputação de serem trabalhadores, criativos e hábeis nos negócios, muitos sírios já encontraram emprego, às vezes à custa dos jordanianos. Outros abriram empresas, incluindo Noman e sua esposa, Feda, que, com um investimento de US$ 25 mil recebidos de um primo, abriram recentemente um salão de cabeleireiro.

Noman foi o primeiro membro da família Sarhan a ir para a Jordânia, tendo chegado ao país com sua esposa e quatro crianças 13 meses atrás. O casal e seus filhos moravam em um apartamento em Amã até poucos meses atrás, quando eles o entregaram para o irmão mais novo de Noman, Hasan, para que ele pudesse ficar perto do centro de reabilitação de sua filha ferida. Além disso, Feda Sarhan tem parentes em Mafraq, e o grande número de sírios que vivem na cidade deram a ela oportunidade de abrir um negócio voltado para a comunidade.

"Eu não estou feliz em abrir um negócio na Jordânia", disse Noman Sarhan, que trabalhava com manutenção de aeronaves no aeroporto de Damasco antes da guerra. "Eu não quero fincar raízes aqui, mas eu tenho que considerar todas as possibilidades."

Como filho mais velho da família, Noman cresceu sabendo que era seu dever cuidar de seus irmãos.

Mas cuidar de seu irmão mais novo Hasan e de outros parentes, como ele está fazendo agora, está ameaçando arruiná-lo. A natureza fluida da guerra tem dado pouca esperança de uma saída – tanto para ele quanto para seu país.

A angústia de uma mãe
Wedad Sarhan, 57, estava preocupada. Seu marido não ligava há dois dias, sinal de que os combates não têm cessado em seu bairro, na cidade de Daraa. Seu terceiro filho, que supostamente estaria em uma prisão militar de Damasco, também não tinha dado nenhum sinal de vida.

Mas, pelo menos, ela tinha recebido uma notícia tranquilizadora. Depois de meses sem comunicação, a mais jovem de suas duas filhas tinha conseguido visitar o quinto filho de Sarhan, que está detido desde o ano passado. Ele está bem – e ficou aliviado ao ser contatado.

"Meu filho achou que eu tinha morrido", disse Sarhan, chorando ao pensar na dor que esse pensamento causou a seu filho.

Segundo seus filhos, Sarhan agora é movida por uma única missão: a missão de proteger sua neta Douaa, que perdeu a perna esquerda abaixo do joelho no ataque com os mísseis. Douaa, que tinha 17 meses de idade na época do bombardeio, passou por duas operações bem-sucedidas, e agora os médicos comentam que ela será preparada para receber uma prótese.

A guerra que tomou conta da Síria começou em Daraa, em março de 2011, após alguns adolescentes terem pichado com spray o muro de uma escola com frases contra o governo. Em seguida, as forças de Assad os prenderam e torturaram, desencadeando os protestos.

No passado, os filhos de Sarhan demonstravam pouco interesse em política. Mas, como muitos homens de Daraa, eles logo se juntaram ao movimento contra o governo – não para lutar, mas para ajudar a organizar os protestos.

O luto do filho mais novo
Hasan Sarhan, 29, foi o único dos seis irmãos que não participou do movimento contra o governo.

"Meu objetivo era cuidar de minha esposa e dos meus filhos", disse ele. "Eu vi o que eles fizeram com as pessoas que se envolveram na revolução. Eu não estava interessado nisso."

Agora, Sarhan e sua esposa, Lama, vivem com seus filhos em um apartamento localizado na beira de uma colina rochosa em Amã. Todos os dias, Sarhan costuma levar sua filha mais velha para a escola em um ônibus municipal, mas ele raramente sai de casa para fazer qualquer outra coisa. Ele não socializa com os outros refugiados sírios que moram em sua vizinhança.

"Aqui perto vive um homem sírio que perdeu uma perna", disse Sarhan, acendendo um cigarro. "Mas sobre o que nós falaríamos? 'Minha filha perdeu uma perna e você também perdeu uma perna'."

Embora estejam seguros, Hasan e Lama Sarhan ainda se sentem perdidos em meio à paz da capital da Jordânia. Hasan fala com frequência em seu desejo de voltar para a Síria depois que Douaa aprender a andar com a prótese. Ele também fala em retornar a Daraa, onde a água é abundante e gratuita, as frutas são abundantes e a vida é fácil. Nesses momentos, seu rosto ganha vida, ele arregala os olhos, sua boca esboça um sorriso estranho. Ele está na Jordânia há apenas alguns meses e, por isso, a atração exercida pela Síria continua forte. E, talvez, também continue forte a capacidade do país de pregar peças na memória de Hasan, evocando uma vida que desapareceu 31 meses e 100 mil mortes atrás.

A varanda do apartamento de Hasan Sarhan, que também é virado para o oeste, dá de frente para um vale e para um bairro palestino que foi construído em outra colina rochosa. Os refugiados palestinos se estabeleceram ali a partir de 1967 e nunca mais voltaram para casa.

Noman Sarhan, que morava no apartamento de Hasan até poucos meses atrás, disse: "Quando eu cheguei aqui há um ano, outros sírios e eu brincávamos dizendo que voltaríamos para casa em três ou quatro dias. Em um mês, no máximo. Agora nós fazemos piada dizendo que estaremos aqui em 15 anos e que ainda estaremos falando em voltar para casa, da mesma maneira que os palestinos."

Um comentário:

  1. Olhando bem, mas muito bem a foto que ilustra este post, realmente ainda existem aqueles que persistem em acreditar em um Deus que nos ama e que permite que tais coisas ocorram...

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