quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Com ressalvas, líder supremo do Irã abençoa 'degelo' com o Ocidente

Hasan Rowhani
Com seu sorriso permanente e seu hábito clerical imaculado, Hasan Rowhani triunfou em Nova York. O novo presidente iraniano iniciou o degelo com o Ocidente, e especialmente com os EUA, durante sua participação na Assembleia Geral da ONU.

O estilo não poderia ser mais diferente do de seu antecessor, Mahmoud Ahmadinejad. Onde este conseguiu incomodar meio mundo, Rowhani soou moderado, dialogante e pragmático. Ofereceu transparência para resolver a crise nuclear e se mostrou desejoso de reintegrar seu país ao cenário internacional. Resta ver se o homem no qual, tanto dentro como fora do Irã, se querem depositar as esperanças tem a capacidade de dar um golpe de timão e cumprir as expectativas.

Os mais céticos, encabeçados pelo governo de Israel, negam totalmente. O presidente iraniano carece de poder, afirmam, já que a última palavra em todos os assuntos de política externa e segurança nacional são do "líder supremo da revolução", o aiatolá Ali Khamenei. Além disso, desconfiam das palavras de Rowhani de que as armas nucleares "vão contra os ensinamentos do islã" e que portanto seu país nunca as terá. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, definiu Rowhani como "um lobo em pele de cordeiro". Os que têm essa opinião veem sua ofensiva de sedução como uma armadilha para sair do arrocho econômico causado pelas sanções internacionais e ganhar tempo no programa atômico.

Há parte de verdade e parte de interpretação interessada nessa posição. É verdade que Khamenei é a autoridade máxima da República Islâmica. Sempre o foi. Também quando governava o tagarela Ahmadinejad, cujas declarações ribombantes costumavam ser aceitas tais quais. Por que nele se acreditava e no caso de Rowhani, como antes com o reformista Mohamed Khatami, se duvida de sua capacidade de influência? As prerrogativas da presidência iraniana não mudaram.

Assume-se que Khamenei, 74, é eminentemente conservador e que, portanto, dará maior liberdade de ação a um presidente de sua linha. Mas é que Rowhani o é. Esse clérigo de patente intermediária (ostenta o título de "hoyatoleslam") é um homem do sistema, com uma longa carreira política. De fato, como secretário-geral do Conselho Supremo de Segurança Nacional (CSSN), foi encarregado das primeiras negociações nucleares em 2003, no ano seguinte à descoberta do programa atômico secreto do Irã, e quem convenceu o líder a suspender o enriquecimento de urânio em 2004, logo retomado ao fracassarem as conversações.

Além disso, o próprio Rowhani deixou claro em todas as suas aparições públicas que conta com o apoio do guia supremo. "Este governo começa com plenos poderes e tem total autoridade", declarou durante uma entrevista pela televisão, sabendo das dúvidas que provoca sua aposta no diálogo e na negociação. "Temos suficiente margem política para resolver este assunto", salientou sobre a crise nuclear que está na origem do isolamento do Irã. Anteriormente, havia transferido o dossiê nuclear do CSSN para o Ministério das Relações Exteriores, um gesto significativo.

O próprio Khamenei falou no sábado para mostrar seu apoio aos esforços diplomáticos do presidente na ONU. Mas também aproveitou sua intervenção para deslizar uma crítica às gestões de Rowhani e à suposta aproximação com Washington. Khamenei considerou "impróprias" algumas das gestões de Rowhani diante da ONU e mostrou-se "pessimista" sobre as intenções americanas.

"O governo dos EUA não é confiável. É arrogante e rompe suas promessas", disse em Teerã. Além da retórica, Khamenei afirmou no passado que não é contra uma cooperação mais flexível com a comunidade internacional. "Não me oponho aos passos diplomáticos adequados, e ainda creio no que há anos chamei de flexibilidade heroica", manifestou o líder durante um discurso há duas semanas, depois de fazer uma metáfora com os lutadores que, apesar de sua força, às vezes têm de ceder por razões táticas, sem esquecer quem é seu rival e inimigo.

O que aconteceu para que o dirigente que há apenas quatro anos os iranianos chamavam de ditador nas ruas agora defenda a flexibilidade? Diversos analistas apontam para os efeitos que tiveram as duras sanções internacionais sobre a economia iraniana. Sem dúvida pesaram as dificuldades para vender seu petróleo, a principal fonte de receitas do país. Mas também a marginalização internacional de um país com peso e vocação de potência regional e a decepção de sua população com um sistema que não cumpriu suas promessas de desenvolvimento e modernização.

O poder de Khamenei não é absoluto no sentido individualista do termo. O regime iraniano, por mais que não seja uma democracia em sentido estrito, acomoda vários grupos de pressão em um permanente puxa e solta. Daí a sucessão de etapas repressivas e liberais. Ao voto popular que constitui o elemento republicano, somou-se desde o início o contrapeso do clero que deu ao país seu sobrenome "islâmico".

Recém-nascida a República Islâmica em 1979, a guerra contra o Iraque e a posterior reconstrução transformaram a Guarda Republicana (Pasdaran) no terceiro polo de poder. Nos últimos anos sua influência se ampliou da economia para a política, a ponto de alguns observadores terem visto no governo de Ahmadinejad (um ex-pasdar) sua consagração como centro de gravidade.

É possível que atrás das fileiras dessa milícia e de seu poderoso aparato de segurança se escondam hoje muitos dos que receiam fazer as pazes com os EUA, seja por razões ideológicas ou por interesses espúrios. Em princípio os Pasdaran são os que mais teriam a perder em um acordo que reduzisse as tensões. Seu controle dos programas nuclear e de mísseis os aproximou do núcleo de decisão política, apesar de o fundador da República Islâmica, o aiatolá Khomeini, ter proibido sua interferência. De fato, tanto Khamenei como Rowhani lhes pediram que não se imiscuam nas tarefas do governo.

Por enquanto, os ultraconservadores e as instituições que eles controlam (desde o poder Judiciário até a rádio-TV estatal, passando pelos púlpitos) estão cumprindo a ordem de Khamenei de não sabotar os esforços de Rowhani com suas críticas. Só o chefe da Guarda Republicana, o general Ali Khafari, tachou de prematura a conversa telefônica do presidente com seu homólogo Barack Obama. "Achei que deveria ter-se negado até que tivesse algum passo concreto por parte dos EUA", disse, dando a entender que o problema não é o contato, senão a falta de um gesto tangível. Em todo caso, tal como deixou claro o próprio Rowhani, a disposição a explorar a possibilidade de uma nova relação com os EUA não significa uma capitulação. O Irã ainda defende seu direito a um programa nuclear civil.

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