quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Enquanto traçam um limite para a Síria, EUA ficam de olho nas negociações com o Irã

Ao defender ataques aéreos punitivos contra o governo sírio, a carta mais forte do governo Obama, na opinião de alguns defensores de uma resposta militar, pode ser a necessidade de enviar uma mensagem clara para outro país: o Irã. Segundo esse argumento, se os Estados Unidos não impuser a sua "linha vermelha" sobre o uso de armas químicas na Síria, o Irã vai perceber a fraqueza e avançar com mais ousadia em sua busca por armas nucleares.

Essa mensagem, contudo, pode entrar em conflito com um esforço simultâneo por autoridades norte-americanas para explorar o diálogo com o novo presidente moderado do Irã, Hassan Rohani, na mais recente expressão da longa luta de Washington para equilibrar tenacidade com diplomacia em suas relações com seu adversário de longa data.

Dois movimentos diplomáticos recentes levantaram especulações sobre um possível canal entre Washington e Teerã. Na semana passada, Jeffrey Feltman, alto funcionário do Departamento de Estado no primeiro mandato do presidente Barack Obama que hoje é representante sênior da Organização das Nações Unidas, visitou o Irã para se encontrar com o novo ministro das Relações Exteriores, Mohammad Javad Zarif, e discutir as possíveis reações a um ataque aéreo americano na Síria.

Ao mesmo tempo, o sultão de Omã, que muitas vezes atua como intermediário entre os Estados Unidos e o Irã, estava em Teerã, reunido com o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei.

Nem Feltman nem o sultão Qaboos bin Said Al Said de Omã disseram nada sobre estarem transmitindo mensagens entre os dois governos. Ainda assim, essas aberturas, junto com algumas vozes surpreendentemente suaves de líderes iranianos, aumentaram as esperanças de que Washington pode ser capaz de atacar a Síria sem comprometer os esforços em direção a uma distensão iraniano-americana antes das reuniões da Assembleia Geral das Nações Unidas este mês.

Essas esperanças podem muito bem ser prematuras: mesmo que Rohani e seu ministro de Relações Exteriores estejam ansiosos em fechar um acordo para acabar com a disputa sobre o futuro do programa nuclear do Irã, não está nada claro que consigam chegar a tanto. As negociações estão paralisadas desde o ano passado, e a autoridade final sobre a política externa fica com o aiatolá Khamenei. O presidente iraniano, seja qual for sua política, se enfraquece ainda mais durante as crises de segurança nacional, segundo os analistas, e os radicais tendem a ser fortalecidos.

Como Obama, Rohani -que declarou seu objetivo de resolver as tensões com o Ocidente e dar "mais transparência" para as negociações nucleares- é vulnerável aos conservadores nacionais, que ainda o culpam por ter assinado um acordo em 2003 abrindo as portas do Irã aos inspetores da ONU.

"Estou convencido de que Rohani e Zarif querem superar a hostilidade entre os EUA e o Irã, mas um ataque militar contra a Síria pode atrapalhar", disse Hossein Mousavian, ex-negociador nuclear do Irã, que atualmente é professor visitante da Universidade de Princeton.

Enquanto o secretário de Estado, John Kerry, trabalhava para angariar apoio para um ataque, seu colega iraniano, Zarif, conhecido como um moderado que deseja o diálogo, parecia estar trabalhando para evitá-lo, declarando em uma entrevista no domingo que o Irã advertiu os Estados Unidos no ano passado sobre a possibilidade das armas químicas caírem nas mãos de rebeldes sírios. Na segunda-feira, ele ainda tentou sugerir que Obama pensava como ele, dizendo que o presidente americano estava sendo empurrado para a guerra pelos radicais em seu próprio governo.

Independentemente das armas nucleares, o debate sobre as armas químicas tem levantado questões sobre a firmeza do compromisso do Irã com o governo do presidente Bashar Assad, da Síria. O Irã sofreu perdas terríveis com ataques de armas químicas durante uma década de guerra com o Iraque, nos anos 1980, e a questão é delicada para muitos iranianos. Rohani despertou alguma controvérsia na semana passada quando condenou veementemente o uso de armas químicas na Síria em seu Twitter em inglês, sem dizer quem as teria empregado.

Zarif fez comentários semelhantes em sua página no Facebook, e outros foram mais longe, incluindo um ex-diplomata iraniano que sugeriu que o Irã não deveria colocar todos os ovos na mesma cesta. Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, ex-presidente do Irã, foi citado na mídia estatal iraniana acusando Assad de usar armas químicas contra seu próprio povo, embora o governo depois tenha se eximido desses comentários.

A Síria, porém, continua a ser um aliado essencial para o Irã, e uma ligação fundamental com a Hezbollah, o movimento xiita baseado no Líbano. Não há sinal de que os líderes do Irã estejam recuando. Uma delegação iraniana visitou Assad em Damasco no domingo para reafirmar o compromisso do seu país. Mas, com a economia iraniana em frangalhos, o apoio militar à Síria sai caro.

"A questão é, se as coisas correrem mal para Assad no campo de batalha, em que ponto o Irã soltará a corda?", disse Mehrzad Boroujerdi, diretor do programa de estudos de Oriente Médio na Universidade de Syracuse.

Se surgirem mais evidências de que as forças armadas de Assad usaram armas químicas, o custo político de continuar a apoiá-lo aumentará, acrescentou Boroujerdi.

Uma coisa é clara: as declarações dos líderes iranianos mudaram em relação ao início deste ano, quando as autoridades iranianas de alto escalão disseram que um ataque estrangeiro sobre a Síria seria tratado como um ataque ao próprio Irã. Pode até haver algum alívio com a perspectiva do envolvimento americano mais direto no conflito sírio, que tem sido chamado ocasionalmente de "Vietnã do Irã", segundo alguns analistas.

"A realidade é que uma ação militar por parte de Obama dará a tragédia síria a ele e não ao Irã", escreveu Farideh Farhi, estudioso do Irã na Universidade do Havaí, em uma análise publicada online em Lobelog.com. "E no ambiente pós-eleitoral do Irã, em que o país se aproximou de uma reconciliação nacional -tanto dentro da elite quanto entre o governo e a população- nada se adequaria melhor à República Islâmica do que livrar-se dessa questão discretamente".

Apesar de toda a antipatia mútua, os Estados Unidos e o Irã podem finalmente encontrar um terreno comum na Síria.

"Os Estados Unidos e o Irã estão travando uma guerra indireta de resultado zero na Síria atualmente", disse Karim Sadjadpour, analista da Fundação Carnegie para a Paz Internacional. "Se e quando Assad cair, os dois lados vão ter um adversário comum: os jihadistas sunitas radicais".

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