quinta-feira, 11 de julho de 2013

Rivais árabes aproveitam crise no Egito para exercitar influência sobre aliados

Duas das mais ricas monarquias do Golfo Pérsico prometeram disponibilizar US$ 8 bilhões em dinheiro e empréstimos ao Egito na terça-feira passada, numa decisão que teve como objetivo não apenas conceder apoio ao frágil governo de transição egípcio, mas também minar seus inimigos islâmicos e fortalecer seus aliados no Oriente Médio, região que tem sido chacoalhada pelas recentes turbulências.

O robusto pacote de ajuda financeira disponibilizado pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes Unidos foi anunciado um dia após os militares egípcios terem matado dezenas de membros da Irmandade Muçulmana que protestavam contra a deposição, levada a cabo pelo exército na semana passada, do presidente islâmico do Egito, Mohammed Mursi. O pacote de ajuda financeira ressalta a atual disputa por influência travada na região entre a Arábia Saudita e o Catar --luta que tem se acentuado desde que a Primavera Árabe inverteu o status quo e levou os islâmicos ao poder.

O Catar, em aliança com a Turquia, tem fornecido um forte apoio financeiro e diplomático à Irmandade Muçulmana e também a outros grupos islâmicos que operam nos campos de batalha da Síria e, antes disso, que atuavam na Líbia. A Arábia Saudita e os Emirados Árabes, ao contrário, têm buscado restaurar a velha ordem autoritária na região, pois temem que os movimentos islâmicos e os clamores por democracia possam desestabilizar seus próprios países.

Essa promessa de ajuda financeira gigantesca também ressalta os limites da influência dos Estados Unidos na região: os norte-americanos fornecem ao Egito US$ 1,5 bilhão em ajuda anual, uma fração do que os Estados do Golfo acabaram de prometer aos egípcios. Mas a intervenção dos países do Golfo contrasta de forma acentuada com as incertezas do governo Obama em relação a como responder ao golpe militar da semana passada e, de maneira mais ampla, como reagir em relação à melhor forma de influenciar a situação em um mundo árabe cada vez mais caótico e fragmentado, onde os interesses dos EUA são difíceis de definir.

A Casa Branca disse que está analisando as circunstâncias do golpe militar no Egito antes de tomar uma decisão sobre a ajuda anual enviada ao país --que, para alguns membros do congresso norte-americano, em especial o senador John McCain, republicano do Arizona, deveria ser suspensa, pois a queda de Mursi constituiu um golpe de Estado. Mas, na terça-feira passada, o porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, adotou um tom um pouco diferente ao afirmar que o governo Obama ficou animado com o cronograma fornecido pelo governo interino do Egito, que prevê um período de transição até as próximas eleições, quando o país terá um governo totalmente civil.

Os sauditas e os árabes dos Emirados Árabes Unidos ficaram quase contentes com a iniciativa dos militares egípcios de derrubar Mursi. Ambos os países são hostis à agenda islâmica e democrática da Irmandade Muçulmana, que eles veem como uma ameaça tanto para a sua própria legitimidade monárquica quanto para a estabilidade regional. O Catar, por outro lado, concedeu cerca de US$ 8 bilhões em ajuda financeira ao governo de Mursi durante seu mandato de um ano, e a Turquia ofereceu empréstimos no valor de US$ 2 bilhões.

As tensões entre Catar e Arábia Saudita são mais antigas e mais amplas do que os levantes árabes que começaram em 2011. A Arábia Saudita, que prefere utilizar sua diplomacia de talão de cheques em silêncio e nos bastidores, se vê como líder regional. Mas, durante anos, os cataris conseguiram moldar uma política externa de enormes proporções, muitas vezes rejeitando os supostos interesses da Arábia Saudita e utilizando sua riqueza e a rede de TV Al Jazeera, criada no Catar, para desempenhar um papel decisivo em alguns dos eventos mais voláteis e importantes da região.

O Catar, que abriga a maior base militar dos EUA no Oriente Médio, também financiou avidamente os islâmicos na Tunísia, na Líbia, na Síria e no Egito, muitas vezes se aliando à Irmandade Muçulmana ou a suas organizações filiadas, como o Hamas. O Catar irritou os sauditas (e o governo do presidente Obama) ao apoiar os rebeldes islâmicos na Síria e fornecer-lhes algumas armas pesadas --como lança-mísseis de apoiar no ombro--, indo contra a recomendações dos EUA.

Mas, de repente, alguns rivais viraram a mesa contra o Catar.

Com a ascensão da Irmandade Muçulmana ao poder no Egito, os sauditas haviam cortado a maior parte da ajuda financeira concedida ao governo de Mursi e ignoraram os pedidos dos EUA para ajudar os egípcios a gerenciarem sua crise econômica, que se agravou nos últimos tempos. Após Mursi ter sido deposto pelo exército egípcio na semana passada, os governos da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes foram rápidos em declarar seu total apoio à transição. Na sexta-feira passada à noite, o rei Abdullah, da Arábia Saudita, ligou para o chefe do exército egípcio, o general Abdel-Fattah el-Sissi, para reforçar seu apoio ao governo interino, segundo informou a agência de notícias Associated Press.

"Este é claramente um retrocesso em relação à ideologia que o Catar e a Turquia apoiam e incentivam", disse uma autoridade árabe, que falou sob a condição de anonimato a fim de não antagonizar duas nações poderosas. "Se o Islã politizado fosse uma ação negociada em bolsa de valores, ela teria se desvalorizado drasticamente durante a última semana".

Autoridades do Catar não quiseram comentar a rivalidade. Mas um funcionário do Catar, falando sob condição de anonimato, disse que a ajuda financeira concedida por seu país ao Egito no passado tinha como destino o povo egípcio, e não uma pessoa ou um partido específico.

Nos últimos dias, o Catar sofreu outros dois reveses menores: na segunda-feira passada, 22 jornalistas da Al Jazeera pediram demissão em massa, citando o que, segundo eles, constituiu uma cobertura tendenciosa sobre a Irmandade Muçulmana por parte da rede de TV. A postura tendenciosa e favorável ao grupo islâmico adotada por parte da Al Jazeera tem sido frequentemente citada como uma das queixas contra os governantes do Catar, que são acusados de usar a rede de TV como um braço de sua política externa ativista.

Outro revés sofrido pelo Catar ocorreu na terça-feira passada: Ghassan Hitto, primeiro-ministro do principal grupo de oposição síria no exílio --que era tido como favorável ao Catar--, renunciou. Apesar de as razões para a sua saída não terem ficado claras, acredita-se que ela tenha sido uma concessão à Arábia Saudita, que havia sinalizado seu descontentamento em relação a Hitto.

Alguns analistas dizem que o Catar já começou a controlar sua política externa agressiva e eclética, que já incluiu a disposição do país em se envolver com o Irã, fato que enfureceu seus vizinhos sauditas. Na semana passada, o governo do Catar juntou-se à Arábia Saudita e a outros países ao emitir uma mensagem de apoio ao governo de transição instaurado pelos militares no Egito, apesar de seus aliados da Irmandade Muçulmana terem protestado furiosamente contra o que eles chamam de golpe militar.

"Está começando a parecer que os cataris deixaram de desempenhar o papel de agitadores e freelancers regionais e estão seguindo os sauditas", disse Peter Harling, conselheiro do International Crisis Group. "Os eventos estão permitindo que os sauditas assumam um papel de liderança regional que ninguém mais pode desempenhar no momento."

Apesar do forte apoio financeiro do Catar ao governo de Mursi, alguns analistas dizem que as autoridades cataris criticavam muito o presidente egípcio entre quatro paredes. As críticas estariam relacionadas aos vários erros cometidos por Mursi durante o ano passado.

"Os cataris não ficaram felizes com a decisão de depor Mursi, mas eles também não estavam tão felizes assim com Mursi no poder", disse Mustafa Alani, analista do Centro de Pesquisa do Golfo, com sede em Dubai.

A mudança no papel do Catar também pode estar relacionada com a posse, no mês passado, de seu novo emir, o xeque Tamim bin Hamad al-Thani, disse Alani. O emir liderou um comitê conjunto entre Arábia Saudita e Catar, que foi formado em 2007 com a intenção de reduzir as tensões entre os dois países. Além disso, a maioria das pessoas da região considera a abordagem do novo emir em relação à política externa menos agressiva do que a de seu pai, o xeque Hamad bin Khalifa al-Thani, o ex-emir.

O apoio do Catar à Irmandade Muçulmana foi visto por alguns analistas como uma política baseada no pragmatismo, e não na ideologia --a organização era tida como um grupo populista capaz de entregar resultados, ao contrário de seus rivais mais seculares e, muitas vezes, mais rebeldes. Essa percepção também pode mudar agora que a Irmandade foi deposta no Egito. O apoio da Turquia aos filiados da Irmandade Muçulmana era mais uma questão de princípios comuns: o partido governista da Turquia, o AKP, é uma agremiação moderadamente islâmica e populista. Mas as próprias dificuldades enfrentadas pelo atual governo turco para conter a onda nacional de protestos durante os últimos dois meses provavelmente servirá para reduzir o apetite do país por aventuras no exterior.

O auxílio financeiro concedido ao governo de Mursi no ano passado pelo Catar e pela Turquia ajudou a evitar a implantação das reformas econômicas dolorosas que eram exigidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) como o preço pela liberação de um pacote, no valor de US$ 4,8 bilhões, por parte do órgão. Os Estados Unidos acreditam que essas reformas --incluindo a redução dos subsídios concedidos aos alimentos e às tarifas de energia elétrica-- são necessárias para fazer o Egito eliminar seu déficit esmagador e seu mal-estar econômico.

Mas a ajuda dos sauditas e dos árabes dos Emirados pode servir à mesma finalidade, protelando decisões impopulares e limitando outra via potencial de influência dos EUA sobre o próximo governo do Egito.

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