Não diga a Vladimir Putin que ele é um homem do passado. Ele encontrará um meio de enviar você para a Sibéria por dois ou três anos. No entanto, o presidente russo tem governado de olho no retrovisor. Ele não pode ser acusado de pecar por sentimentalismo. É pior. O ex-oficial da KGB (serviço secreto soviético) está sofrendo de nostalgia crônica. O dicionário Larousse a define como um "estado de abatimento e de languidez causado" pela "falta obsessiva" de algo que não existe mais --e que, no caso, tem um nome: a União Soviética.
Mais exatamente, Vladimir Putin, com seu pescoço taurino e olho azul desbotado, anseia pelo "duopólio" americano-soviético, diz Marie Mendras, pesquisadora do CNRS e do CERI Sciences Po. Ele não superou a extinção da URSS. Ele chora pelo fim da guerra fria. Ele gostaria de voltar aos bons tempos do mundo bipolarizado. Seu comportamento na crise da Síria revela uma incapacidade patológica de pensar o mundo de hoje. O caso de Putin diante da questão síria não entra em ciências políticas, mas sim em psicanálise.
Um único país tinha condições de influenciar no curso dos acontecimentos em Damasco: a Rússia. Desde o início dos anos 1970, Moscou tem sido aliado da Síria, para não dizer padrinho de um Estado árabe que foi um dos pilares do bloco soviético no Oriente Médio.
O Kremlin e o clã Assad se mantiveram próximos. A Rússia está equipando e treinando o exército sírio. Juntamente com o porto de Tartus, na costa síria, a marinha russa dispõe de sua única base no Mediterrâneo. A Síria de Bashar al-Assad, assim como a de seu pai, Hafez, chega a ser o protótipo desses Estados que o Kremlin aprecia: laico, policial, ditatorial, que passou do socialismo para um capitalismo de favoritismos.
Bem no início de uma revolta das mais pacíficas, Vladimir Putin poderia ter incentivado Bashar al-Assad a negociar com a oposição. Quando o confronto foi se tornando cada vez mais sangrento, o Kremlin poderia ter pressionado o presidente sírio a sair; depois, quando ainda era tempo, poderia ter imposto um governo de transição --não faltam generais sírios suficientemente próximos de Moscou que possam exercer tal papel.
Mas o Kremlin se recusou a exercer qualquer pressão sobre o regime. Pelo contrário, ao fornecer assistência financeira e militar ilimitada, a Rússia confirmou Bashar al-Assad na convicção de que ele podia afogar a rebelião em sangue. "Putin era o que estava mais bem posicionado para garantir uma mediação"; e os ocidentais o convocaram, em vão, diz Marie Mendras. O presidente russo se negou. Por quê?
Uma série de argumentos é apresentada. Sem outro ponto de apoio no Oriente Médio, a Rússia se segura na aliança feita com a dupla Irã-Síria, uma associação que seria ameaçada pela queda de Bashar al-Assad. Ela abomina a ideia de uma mudança de regime provocada por uma revolta apoiada por outros países. Ela vê na "Primavera Árabe" somente uma fonte de caos. Ela acredita que as intervenções armadas ocidentais no Oriente Médio são, na melhor das hipóteses, ingênuas e contraproducentes e, na pior, a manifestação de uma política neo-imperialista. Por fim, para o Kremlin, o regime sírio, seus aliados iranianos e do Hezbollah libanês formam uma fortaleza contra a expansão de um islamismo sunita militante que ameaça as regiões caucasianas da Federação da Rússia.
"A capacidade de causar medo"
Isso não é tudo. Ao contribuir para o impasse sírio, Moscou está assumindo riscos: o de uma impopularidade crescente no mundo árabe-muçulmano; o de ver o Irã mudar por dentro; por fim, o risco mais do que plausível de uma divisão da Síria em cantões étnicos-religiosos, que seria um fracasso para a Rússia. Salvo uma improvável vitória militar total do regime de Damasco, o Kremlin não sairá vencedor dessa tragédia.
Mas Putin, sofrendo de uma crise de adolescência tardia, imagina que só está exercendo um papel quando se opõe. O presidente primeiramente explora o "niet" russo --seu direito de veto-- no Conselho de Segurança da ONU, antigo reflexo soviético. Sua força é sua capacidade de dano. Ele só existe na oposição frontal ao Ocidente, tanto para a Síria quanto para a questão nuclear iraniana. Ainda que, tanto em um caso como em outro, isso seja contrário aos interesses da Rússia a longo prazo.
"Com os pés congelados no passado, Putin é incapaz de formular um projeto estratégico, uma visão de futuro para seu país", explica Marie Mendras. Em uma época em que o poderio era avaliado em número de ogivas nucleares, e não como hoje, em PIB, a URSS contava porque causava medo.
No "Financial Times", o cineasta russo Andrei Nekrassov escreveu: "As razões da Rússia na Síria não são todas geopolíticas". Segundo ele, elas têm a ver com essa nostalgia da grandeza soviética, que alguns querem recuperar a qualquer preço, e alguns "mediriam seu sucesso pela nossa nova capacidade de causar medo".
Isso explica a diplomacia "do contra", o gigantesco programa de rearmamento iniciado por Putin e sua obsessão em denegrir tudo que seja ocidental, e principalmente americano. Na ponta dessa espiral passadista, existe essa situação que, na Síria, de fato lembra as guerras por procuração dos tempos da Guerra Fria: de um lado, um regime apoiado por Moscou e seus aliados locais; de outro, uma rebelião armada por baixo dos panos pelos Estados Unidos e seus aliados. Não há motivos para empolgação: a nostalgia é má conselheira.
então a russia tinha que deixar os americanos fazerem o que quisessem?
ResponderExcluiros americanos são os únicos que podem lutar por supremacia?
me poupe!