Os escândalo de espionagem envolvendo a Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês) mostra que a caça aos terroristas empreendida pelos EUA se transformou numa mania. Espionar cidadãos é tão monstruoso e ilegal quanto a prisão da Baía de Guantánamo, em Cuba, e a guerra realizada com drones. A resposta do governo alemão a tudo isso se mostrou lamentavelmente fraca.
Os Estados Unidos estão doentes. Os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 deixaram o país ferido e inquieto --e isso tem sido óbvio durante quase 12 anos--, mas só agora nós estamos descobrindo o quão grave essa doença realmente é. As ações da NSA expuseram mais do que apenas as conversas telefônicas e as movimentações digitais de muitos milhões de pessoas. O escândalo de espionagem global mostra que os EUA desenvolveram um comportamento maníaco e que o país está se comportando de maneira patológica e invasiva. As ações dos EUA são totalmente fora de proporção em relação ao perigo real ou suposto.
Desde 2005, uma média de 23 norte-americanos por ano morreram devido ao terrorismo, principalmente fora dos EUA. "Mais norte-americanos morrem devido à queda de aparelhos de TV ou de outros eletrodomésticos do que devido ao terrorismo", escreveu Nicholas Kristof no jornal "The New York Times", e "um número 15 vezes maior de norte-americanos morre devido a quedas de escadas". Os EUA gastaram US$ 8 trilhões com suas forças armadas e com segurança interna desde 2001.
Mas os EUA enfrentam outras ameaças. No curto prazo, o verdadeiro perigo é interno: mais de 30 mil norte-americanos são mortos por armas de fogo todos os anos. Uma criança norte-americana é 13 vezes mais propensa a levar um tiro do que uma criança que viva em outro país industrializado. E quando se trata de combater esse problema, o presidente Barack Obama e o Congresso dos EUA fazem muito pouco --ou, para ser justo, não fazem nada. Eles falam sobre a questão de vez em quando, após cada matança. O lobby das armas, incuravelmente doente, contra-ataca dizendo que as armas são necessárias para a autodefesa dos cidadãos.
E, quando se trata dos reais perigos de longo prazo, tais como as mudanças climáticas, os EUA, o principal causador delas, não fazem nada --ou, para ser justo, fazem pouco demais tarde demais.
Tão monstruoso quanto Guantánamo
Tudo isso não quer dizer que o terrorismo não exista: o 11 de Setembro realmente aconteceu e a Al-Qaeda é real. Mas espionar cidadãos e embaixadas, empresas e aliados, viola o direito internacional. É tão monstruoso e tão ilegal quanto a prisão de Guantánamo, onde durante 11 anos e meio homens têm sido mantidos presos e são alimentados à força, muitas vezes sem que existam provas contra eles --e muitos desses prisionais estão lá até hoje. É tão ilegal quanto os drones que estão matando pessoas e são lançados após uma mera canetada de Obama.
Não houve praticamente nenhuma discussão política sobre tudo isso. Atentados foram evitados por meio do programa de espionagem, diz Obama e diz a chanceler alemã Angela Merkel --e nós temos que acreditar neles. Os eleitores e os cidadãos são parecidos com crianças cujos pais --o governo-- sabem o que é melhor para eles. Mas será que a América livre, que deve ser defendida, ainda existe? Ou será que o país se anulou por meio de sua própria defesa?
O governo norte-americano que dá sua bênção a um programa como o Prism não respeita nada nem ninguém. Esse mesmo governo põe em prática toda a sua onipotência e se considera acima das leis internacionais --certamente dentro de seu próprio território, e até mesmo em terras estrangeiras. O fato de Obama estar se comportando desse modo é desolador. Se isso estivesse acontecendo durante o governo de George W. Bush, nós poderíamos, pelo menos, pensar, "Esse é o Bush. Ele é previsível. Existe uma América melhor". Mas agora sabemos: existe apenas uma América. Será que Obama, o estudante de direito de Harvard, realmente acreditou no que disse em seus discursos sobre o retorno das liberdades civis? Será que alguém pode ser tão cínico que promete curar o mundo e, em seguida, age dessa maneira o tempo inteiro, fornecendo a explicação xenófoba de que só os estrangeiros seriam monitorados? Martin Luther King e Nelson Mandela são os modelos de Obama. O que eles diriam sobre isso?
Comparação com a Stasi é válida
O governo alemão demonstrou uma fraqueza devastadora. Merkel deveria dizer: "Você é maníaco e o que você está fazendo é doentio". Isso é o que os amigos fazem. Mas, ao contrário, ela avalia cada palavra para evitar irritar os norte-americanos. Ela disse que a comparação entre a NSA e a Stasi é inadequada, mas Merkel está errada. Para fazer uma comparação não é necessário que as duas coisas comparadas sejam idênticas. A Stasi destruiu famílias; a NSA provavelmente não. Mas o uso da tecnologia, o cultivo cuidadoso da imagem do inimigo, a coleta obsessiva de dados, a crença de estar do lado certo, do lado do bem: será que realmente não há nenhuma semelhança?
Angela Merkel prometeu defender o povo alemão de todos os tipos de danos. Ter seu telefone grampeado e aceitar o fato de que todos os seus e-mails podem ser monitorados --ou seja, a violação da esfera privada-- pode ser considerado dano.
Cada eleitor sabe que a "realpolitik" pode ser bem feia, uma vez que a política exige o equilíbrio de muitas considerações diferentes. A questão decisiva é: que bem maior justifica essa violação das leis levada a cabo pelos EUA com a cooperação de agências alemãs? É tempo de respostas.
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