Para as pessoas do condado de Shanglin, o ouro é uma maldição.
Durante quase uma década, milhares de camponeses da região autônoma de Guangxi, no sul da China, fizeram dívidas antes de irem para Gana, o segundo maior país produtor de ouro da África.
Os chineses acharam o ouro, mas também problemas, como policiais corruptos e bandidos armados que campeavam pelos garimpos. Então, em junho, as autoridades ganenses declararam que os garimpos eram ilegais e prenderam mais de 200 garimpeiros chineses, acusando-os de poluírem as terras e de abusarem de trabalhadores locais. Incontáveis outros chineses fugiram de ataques de moradores armados com pistolas e facões.
Após a onda repressiva, imagens de mortes violentas e de garimpos vandalizados começaram a aparecer nas redes sociais da China, alimentando a indignação nacional. Mas, aqui em Shanglin, um montanhoso condado de 470 mil habitantes em uma das mais pobres regiões da China, é o desespero com a ruína financeira que mais chama a atenção.
"Meu filho pode ter sido morto em Gana, mas se voltar estará morto do mesmo jeito", disse Shen Aiquan, 65, cuja família contraiu um empréstimo de 3 milhões de yuans (US$ 489 mil) para instalar um garimpo, embora ela não saiba exatamente quem seja o credor. Só resta a ela esperar pelo filho e pelos cobradores de dívidas, que inevitavelmente virão atrás dele.
A crise em Gana revelou os riscos de uma aposta econômica no exterior (avalizada pelo governo chinês) que contou com a participação de um incontável número de pessoas, que acabaram ficando ao deus-dará quando as coisas saíram errado.
Alguns dos problemas enfrentados pelos moradores daqui decorrem das práticas informais de crédito, comuns entre camponeses pobres. Sem o patrimônio físico que os bancos costumam exigir, muita gente se vale do "guanxi" -a garantia social que vincula empresas e relacionamentos pessoais na China- para conseguir empréstimos de parentes e amigos.
Os garimpeiros que estão pouco a pouco voltando para Shanglin, desde o início da onda de violência, garantem que não violaram nenhuma lei ganense. Wu Jian, 34, disse que fez questão de obter toda a papelada necessária em Gana, inclusive escrituras fundiárias e uma licença de mineração. "Os locais diziam que, enquanto tivéssemos dinheiro, poderíamos fazer o que quiséssemos", afirmou.
Em maio, ele fugiu, deixando para trás uma operação que, segundo ele, valia cerca de US$ 326 mil. O dinheiro, afirmou cabisbaixo, havia sido emprestado de parentes, amigos e agiotas.
A conexão de Shanglin com a extração de ouro na África é disseminada. "Todo mundo tem um parente ou um amigo em Gana", disse Lan Xiongwen, 45.
Quando parentes levaram o filho dele para os garimpos de Gana, há dois anos, a família de Lan investiu US$ 489 mil em escavadeiras, precisando para isso esgotar suas economias e contrair empréstimos bancários. Parecia uma jogada inteligente. Com 890 toneladas de ouro sendo exportadas anualmente para Shanglin, disse ele, os moradores achavam que seria só questão de tempo até realizarem seu sonho: depois de pagarem os empréstimos, eles construiriam uma casa e comprariam um carro.
Mas tudo o que a família de Lan ganhou foi para quitar as máquinas, que agora estão enferrujando em Gana.
Moradores como Lan dizem que se sentem traídos pelo governo chinês, que estaria se esquivando das suas responsabilidades após anos incentivando a corrida do ouro ganense.
As ações policiais e a violência ameaçam colocar de ponta-cabeça a estratégia da China para a África. Ela se baseia em importar matérias-primas necessárias para alimentar o crescimento econômico chinês em troca da venda de produtos chineses e de apoio financeiro do governo de Pequim para projetos importantes de infraestrutura. Segundo o governo chinês, o comércio bilateral entre China e Gana foi de US$ 5,43 bilhões no ano passado, um aumento de 56% em relação a 2011.
Enquanto diplomatas chineses trabalham para levar os garimpeiros embora, o governo da China se mostra ávido em deixar o episódio para trás. "Essa questão do garimpo ilegal é uma desarmonia nas relações bilaterais, mas devemos ter sempre em mente o quadro mais amplo", disse Qiu Xuejun, funcionário da chancelaria chinesa, numa recente entrevista coletiva em Acra, capital de Gana.
As pessoas daqui, no entanto, não estão em condições de simplesmente tocarem em frente. Numa fábrica, galinhas se empoleiram entre canos metálicos outrora usados para produzir bombas de água usadas nos garimpos. "Agora é tudo sucata", disse o dono da fábrica.
No seu celular, ele vai passando fotos de Gana. As imagens mostram garimpeiros chineses brutalizados, um deles morto com um tiro no rosto. O dono da fábrica não quis ser identificado, dizendo que as autoridades o alertaram a não conversar com jornalistas.
Ele disse que planeja voltar a criar porcos, como muitos dos seus vizinhos. "Não há outra coisa para fazer", disse.
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