terça-feira, 23 de julho de 2013

Cem mil mortos e um acordo depois, Bósnia quer avanços

Era uma vez uma nação nos Bálcãs forjada pelos americanos, composta de duas entidades, 10 cantões, um distrito e um Estado abrangente, onde várias centenas de ministros presidiam perto de quatro milhões de pessoas, mas faziam pouco por elas, porque preservar seus privilégios era um trabalho em tempo integral.

Esses ministros nas esferas cantonal, distrital, da entidade e estatal eram conhecidos como "daytonianos", devido ao acordo fechado em 1995 em Dayton, Ohio, que pôs fim à guerra mais sangrenta na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. O acordo pôs fim às mortes, mas instituiu um sistema político de muitas camadas, inviável, cujos principais beneficiados são esses gatos gordos daytonianos e seus parasitas.

De vez em quando alguém pergunta se um país pequeno precisa de 14 ministros da Educação. Os daytonianos respondem em uníssono: "É claro que sim!"

Alguém também poderia perguntar por que a agência nacional anticorrupção é uma piada, mas ouviria: "A União Europeia insistiu em uma, mas por que policiaríamos nossos próprios privilégios?"

São várias as espécies de daytonianos: muçulmano bósnio (ou bosniak), sérvio e croata. Eles discordam em muitas coisas e nutrem memórias amargas de uma guerra que matou pelo menos 100 mil pessoas. Mas concordam na necessidade de sua autoperpetuação. Eles concordaram que investigar o desaparecimento de centenas de milhões de dólares seria tolice. Eles concordaram na necessidade de partidos políticos divididos segundo linhas étnicas. Eles concordaram na eficácia dos acessos de nacionalismo pré-eleitoral.

E assim um sistema fracassado persiste.

Na capital da Daytonlândia, em uma avenida conhecida durante a guerra como "Beco do Atirador", os Estados Unidos construíram uma vasta embaixada que lembra uma prisão de segurança máxima, cuja mensagem aos transeuntes parece ser: "Os Estados Unidos estão sitiados".

Um dia em 2011, um radical islâmico abriu fogo contra a embaixada. Ele circulou por cerca de 40 minutos ao redor dela disparando, porque ninguém conseguia decidir quem deveria detê-lo - a polícia estatal, a polícia da entidade ou as forças de segurança.

Tomada de decisão em uma terra de entidades – o próprio termo sendo um reflexo do desacordo sobre como chamar as partes componentes do país – é difícil.

Dentro da embaixada, diplomatas americanos ficavam frustrados. Dayton não era para ser imutável. O acordo congelou as coisas no pior momento das relações inter-étnicas. Ele refletia a realidade de 1995, mas não era uma base para administração de um país a longo prazo. Na verdade, ele foi projetado para bloquear um país. Mesmo assim, o trato manteve a paz.

Os bósnios –enfrentando desemprego elevado, corrupção desenfreada, um Judiciário venal e a necessidade de ingresso em partidos políticos sectários para conseguir um emprego nas empresas estatais responsáveis por 60% da economia– votaram com seus pés. Eles partiram para Düsseldorf. Eles partiram para Detroit ou Saint Louis, onde poderiam ser simplesmente "bósnios", não um subgrupo étnico.

Ninguém sabe ao certo quantas pessoas permaneceram no país. Um censo foi planejado. Não se sabe se ele será realizado. Números são dinamite política em um país onde os daytonianos dependem de suas maiorias étnicas para dominar as minorias.

A sombra da guerra persiste. Restos mortais não identificados estão espalhados pelos vales do país. Os sérvios massacraram muitas dezenas de milhares de muçulmanos bósnios nos primeiros seis meses de 1992 e outros 8 mil em Srebrenica, em 1995. Toda semana caminhões passam pela presidência carregados de caixões com destino ao enterro. Apenas neste mês, 409 vítimas recém-identificadas foram enterradas perto de Srebrenica, 18 anos após sua morte.

Crimes terríveis aconteceram aqui, não confinados a um lado, mas perpetrados em grande parte por um lado, os sérvios.

Na entidade sérvia, cadinho de vitimização imaginada, ainda persiste a negação. Eles financiam esforços para negar o massacre em Srebrenica. Eles fizeram um esforço idiota de instituição de novos números de identidade para distinguir os bebês sérvios dos outros –e milhares de pessoas foram às ruas para protestar.

Eles sonhavam em um Estado, ou união com a Sérvia, sem notar que na Sérvia, um importante político falou em cair de joelhos de vergonha em Srebrenica; sem notar que a Sérvia negociou um acordo com Kosovo; sem entender que a inclinação da Sérvia para a União Europeia significa dar as costas para a insensatez da Bósnia.

Os jovens se tornam impacientes. Eles querem ser bósnios –não bosniaks, sérvios ou croatas. Eles querem ser cidadãos de seu país, não peões étnicos no labirinto bloqueado de Dayton.

Em Srebrenica, na entidade sérvia, uma campanha teve início para registrar os muçulmanos expulsos de seus lares, para que possam votar. Eles o fizeram – e no ano passado elegeram um jovem prefeito muçulmano, trabalhando com um vice sérvio. Por que parar aí? A melhor resposta para os daytonianos é minar a divisão sectária da qual se alimentam. Agora a campanha se estendeu para registrar todos os muçulmanos que fugiram da entidade sérvia e, assim, mudar sua política tendenciosa.

Na Bósnia, chegou a hora de Dayton morrer –não sua paz (um feito notável), mas sua perpetuação da divisão, negação e desesperança.

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