segunda-feira, 17 de junho de 2013

Negociações em Genebra guardam a única solução para a Síria

Levou quase um ano para que o comunicado de Genebra sobre a Síria feito em junho de 2012 fosse retomado e a diplomacia tivesse mais uma chance. O acordo do mês passado entre o secretário de Estado John Kerry e o ministro das Relações Exteriores Sergey V. Lavrov da Rússia para lançar um novo processo político, Genebra II, marcou uma oportunidade importante. Uma oportunidade que já está perdendo vigor por conta da tensão.

No entanto, após dois anos de destruição e 80 mil mortes, é exatamente uma abordagem ousada e politicamente inclusiva como esta, em vez de uma ação militar, que oferece a melhor – e talvez a única – chance para evitar ainda mais sofrimento, radicalização e implosão na região.

Para ter sucesso, o Ocidente precisa urgentemente intensificar suas manobras diplomáticas e transformar o fim do conflito numa prioridade acima de ambições políticas mais amplas. Isto implicará acordos reais para garantir que todos os atores internacionais e regionais tenham interesse suficiente pelo processo e apoiem-no totalmente, e assim pressionar seus aliados na Síria a fazer o mesmo. Concessões impalatáveis serão necessárias – em particular, aceitar que o destino de Bashar Assad deve ser uma pergunta e não uma pré-condição para o processo de transição e que o Irã deve participar de qualquer processo diplomático. Para o bem da Síria, da região e dos interesses de segurança ocidentais, este deve ser o imperativo estratégico do momento.

As vozes no Ocidente que pressionam por uma solução militar, seja através da criação de zonas de exclusão aérea, do armamento direto dos rebeldes sírios ou de ataques militares contra alvos do regime, tornaram-se cada vez mais explícitas. Elas defendem que esta será a única forma de vencer Assad, forçando concessões significativas ou sua capitulação.

A recente decisão da Rússia de fornecer novos mísseis antiaéreos e caças MIG foi uma resposta previsível ao fim do embargo europeu contra o país e ao crescente apoio entre os círculos do governo na França e na Inglaterra para fornecer armas aos rebeldes.

Ao invés de garantir um espaço humanitário seguro e fortalecer uma transição política, uma iniciativa militar ocidental na Síria provavelmente provocaria uma nova escalada de todos os lados, aprofundando a guerra civil e fortalecendo as forças do extremismo, sectarismo e a criminalidade ganharia força em todo o país. A ideia de que o Ocidente pode empoderar e controlar remotamente as forças moderadas é otimista na melhor das hipóteses. Escalada gera escalada e o comprometimento da missão é o resultado previsível se o Ocidente se lançar a uma iniciativa militar.

A oposição síria e seus apoiadores regionais verão o apoio militar ocidental como um sinal de que sua estratégia antiga de atrair o Ocidente para atingir a vitória total está funcionando – e como consequência ficarão menos inclinados ainda a se engajar na política e abandonar o maximalismo.

Neste contexto, chegou a hora de uma verdadeira – e até então inédita – pressão política por parte dos atores ocidentais. Embora argumente-se que a oposição precisa se fortalecer primeiro, nunca haverá um momento ideal para virar o disco da luta para a conversa, e enquanto isso a devastação continua.

É por isso que chegar ao Genebra 2 e fazê-lo funcionar – mesmo que aos poucos e de forma hesitante no início – deve se tornar prioridade. Como um relatório recente do Conselho Europeu de Relações Exteriores intitulado "Síria: O Imperativo Anti-Escalada" argumenta, o consenso internacional é um pré-requisito absoluto para persuadir as partes em conflito a entrarem num espaço onde as negociações políticas possam ganhar força. Portanto, não pode haver pré-condições para as negociações e todos os partidos devem ser convidados à mesa de negociações, inclusive o Irã, se se quiser também pressionar Assad. Esse relatório sugere que a agenda para Genebra 2 deve ser derivado do comunicado de Genebra acordado há um ano – concentrando-se numa transição política consensual, preservando a integridade territorial da Síria, o acesso à assistência humanitária e a redução da violência e da militarização.

Os aliados pró-oposição do Ocidente no Golfo e na Turquia só serão convencidos se os próprios norte-americanos e europeus fizerem uma defesa inequívoca do Genebra 2, em vez de evitarem o compromisso. O presidente Obama terá de se dedicar pessoalmente ao Genebra II e transformá-lo em prioridade em sua reunião com o presidente Vladimir Putin às margens do G-8 no final deste mês.

Um acordo internacional marcaria um retorno decisivo da política ao cenário. Embora ninguém espere que o conflito termine em breve – a Síria está muito polarizada e repleta de armas – um verdadeiro acordo internacional para um processo político em curso marcaria uma mudança importante na trajetória. Dado o crescimento da dependência política, militar e financeira de ambos os lados em relação a apoiadores externos, uma pressão internacional unida para levar ambos a um acordo de partilha do poder representa a melhor estratégia para eventualmente acabar com o conflito. Ele marcará uma etapa decisiva na direção de atenuar as ambições absolutistas das partes em conflito, aumentando o incentivo para fazer um acordo, particularmente à medida que o país fica cansado da luta.

Levando em conta o ciclo contínuo de escalada alimentado pelos anúncios de novos fornecimentos de armas, as restrições sobre quais países podem participar das negociações, e as pré-condições almejadas, Genebra 2 já surge nocauteado. Os Estados Unidos e a Europa precisam agir com urgência para reverter esta tendência. A alternativa sombria é uma escalada com apoio internacional que poderia deixar a Síria e a região permanentemente arruinadas, com a possibilidade de repercussões muito mais próximas de casa.

(Javier Solana foi ministro das Relações Exteriores da Espanha, secretário-geral da Otan, e Alto Representante da União Europeia para Política e Segurança Externas. Jaap de Hoop Scheffer é ex-secretário-geral da Otan e ex-ministro de exterior da Holanda.)

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