Os brasileiros têm uma expressão, "Vai acabar em pizza", que significa que algo não vai dar em nada. A frase costuma ser usada para a conclusão previsível das investigações judiciais dos crimes de colarinho branco praticados com impunidade pelos ricos no Brasil.
A impunidade é uma das questões que levaram aos protestos em massa por todo o Brasil, que começaram com a revolta em torno dos aumentos nas passagens de ônibus. Surgiu um padrão. De Sidi Bouzid, na Tunísia, onde um bate-boca em torno de um carro de frutas e verduras deu início à Primavera Árabe, até Istambul, onde um levante foi provocado pelos planos de construção de um shopping em um parque da cidade, essas erupções com hashtags compartilham características:
Uma pequena fagulha, uma grande conflagração; líder desorientado, movimento sem liderança; poder público vertical rígido; protestos horizontais ágeis; autoridade severa, juventude irrequieta; força do Estado, flexibilidade do Facebook; repressão policial, reagrupamento ágil; acusações de conspiração, réplicas bem-humoradas. Fidel Castro passou anos em Sierra Maestra preparando sua revolução. O Twitter dispensou isso.
Ou não? Uma questão central desses movimentos guiados pelas redes sociais é, nas palavras de Zeynep Tufekci, um professor assistente na Escola de Informação e Biblioteconomia da Universidade da Carolina do Norte, "como ir do 'Não' ao 'Vamos'?"
Em outras palavras, as erupções cujo slogan compartilhado poderia ser "Basta!" são boas em protestar e resistir, mas menos boas em definir objetivos –sejam eles políticos, sociais ou econômicos– e organização para atingi-los. Elas vibram no negativo. Mas tendem a fracassar no afirmativo.
Elas carecem de líderes. Não há um caminhão com microfone. As agendas parecem um cronograma do Twitter --fascinante, mas difuso– em vez de expressões coerentes de uma meta. Não há um Martin Luther King ou um Nelson Mandela –ou um Tancredo Neves e Lula (entre outros) liderando a luta pela democracia brasileira três décadas atrás.
Como Wael Ghonim, o ex-executivo do Google que despontou como uma figura significativa, mas não definidora, na revolução egípcia, colocou no programa "60 Minutes", "nossa revolução é como a Wikipédia. Todo mundo contribuiu com conteúdo; você não sabe o nome das pessoas que contribuem com conteúdo."
É claro, de Túnis ao Cairo havia um objetivo claro: a derrubada de um déspota odiado. Foi apenas após essa meta unificadora ter sido atingida que as fraquezas de um movimento sem liderança se tornaram aparentes e os grupos que contavam com organização –como a Irmandade Muçulmana, no Egito, ou o Ennahda, na Tunísia– preencheram o vácuo. Mas eles não conseguiram saciar a sede de seus países por renovação.
Na Turquia, o primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, queria um shopping center no parque Gezi. Um tweet foi enviado com a hashtag #direngezi –Resista Gezi! Erdogan fez amizade com um oligarca, o favoreceu com as redes lucrativas habituais e esse oligarca é dono de uma rede popular de churrascarias. Hashtag #direnentrecote –Resista "entrecôte"!
O movimento se transformou em muitas coisas quando a polícia expulsou os manifestantes de Gezi. Passou a ser sobre o governo autocrático de um líder conservador, no poder há 11 anos. Passou a ser sobre a invasão das vidas privadas dos turcos por Erdogan, a forma como os chama de alcoólatras se bebem, ou os aconselha a não beijarem no metrô, ou os comentários sobre a forma como se vestem. Ele não é um sultão!
Passou a ser sobre seu controle sobre a mídia, a forma como seu Partido Justiça e Desenvolvimento, após abrir a Turquia, agora vê inimigos em toda parte. Passou a ser sobre a reação exagerada de Erdogan à Turquia secular de Mustufa Kemal Ataturk: se não há motivo para uma jovem religiosa não poder frequentar uma faculdade usando véu, igualmente não há motivo para os políticos do partido do governo reclamarem de mulheres muçulmanas usando biquíni. Basta!
No Brasil, a ira é mais direcionada contra toda a classe política do que apenas contra a presidente Dilma Rousseff. É sobre como os políticos vivem como se fossem mandarins, com imenso privilégio, com seus escândalos de compra de votos e sua falta de prestação de contas. Trata-se do uso distorcido de recursos: mais de US$ 13 bilhões em novos estádios e preparativos para a Copa do Mundo de 2014, enquanto as necessidades básicas de saúde, educação e transporte permanecem não atendidas. Trata-se de violência policial com aquiescência para fins injustos.
Esses movimentos surgiram em duas das maiores potências emergentes do século 21, onde as economias apresentaram grande crescimento. Eu não acho que seja coincidência. Os turcos e brasileiros comuns, particularmente os jovens, estão reagindo ao sentimento de forças globais além de seu controle; eles estão lembrando aos líderes sustentados pelos tempos de prosperidade da necessidade de consulta e prestação de contas; eles estão dizendo aos financistas hiperconectados que mais lucraram que a injustiça social –a própria sociedade– importa. Ao se reunirem, ao ocuparem, eles estão afirmando uma humanidade compartilhada contra o desenvolvimento atomizador e ao comércio globalizado.
Eles podem passar do "Não" ao "Vamos"? Será preciso uma organização em uma escala ainda não vista, decisões sobre objetivos e, sim, líderes. Mas eu não vejo tudo terminando em pizza. De Túnis a Istambul, do Cairo a São Paulo, algo essencial já aconteceu. O medo acabou. Isso por si só muda o jogo.
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