quinta-feira, 27 de junho de 2013

Berlim tornou-se um lugar importante para falar dos EUA

Obama discursa em frente ao Portão de Brandemburgo, Berlim, em 19/06/2013
O último dos três discursos extraordinários proferidos por John F. Kennedy em junho de 1963 foi apresentado justamente no dia de hoje (26), há 50 anos.

Com cada um desses três discursos, Kennedy inovou. Em 10 de junho de 1963, na Universidade Americana de Washington, ele esboçou uma visão de convivência com a União Soviética, mensagem que se mostrou em notável desacordo com os discursos mais belicosos de 1961 e 1962. Em 11 de junho, em um pronunciamento transmitido pela TV, Kennedy endossou o movimento pelos direitos civis e prometeu apresentar um projeto de lei, indo muito além de qualquer outro presidente dos EUA e muito além do ponto no qual ele próprio se encontrava poucos meses antes.

Em 26 de junho de 1963, Kennedy chegou a Berlim, na Alemanha, em um dos dias mais frenéticos da história da Guerra Fria. Uma enorme multidão --estimada em 1,1 milhão de pessoas, ou 58% da população da cidade-- saiu às ruas para vê-lo.

A cena do evento é inesquecível: um jovem líder falando ao ar livre para uma multidão eufórica, numa época em que a maioria dos discursos era proferida por homens idosos em locais fechados. Mas as palavras contidas no discurso não foram menos importantes do que o cenário e remodelaram a Guerra Fria ao refletir os dois discursos que ele havia proferido no início do mês.

Kennedy havia anunciado sua intenção de visitar Berlim durante a primavera, pouco tempo depois de tomar conhecimento de um tratado franco-alemão que ameaçava substituir a ampla aliança atlântica existente.

Em certo sentido, a visita de Kennedy tinha como finalidade analisar os franceses e os russos. Mas ela também escondia um drama muito interessante, baseado na própria história do presidente norte-americano com a cidade. Kennedy tinha estado em Berlim em agosto de 1939, uma semana antes de os alemães invadirem a Polônia --na verdade, a embaixada dos EUA na Alemanha tinha solicitado que Kennedy transmitisse a seu pai, à época embaixador dos EUA em Londres, informações do serviço secreto de inteligência, segundo as quais uma guerra era iminente.

Ele havia retornado a Berlim em julho de 1945, quando visitou as ruínas da cidade que, naquele momento, vivia seu pior momento. E, já no cargo de presidente, Kennedy foi a Berlim repetidas vezes. Em agosto de 1961, a construção do muro provocou uma grande crise. Durante a crise dos mísseis cubanos, em outubro de 1962, os pensamentos de Kennedy se voltaram para Berlim e para a possibilidade de os soviéticos tomarem a cidade caso norte-americanos invadissem Cuba.

Cada uma dessas possíveis fatalidades foi evitada. A decisão de visitar Berlim durante o verão de 1963 foi uma espécie de volta olímpica para celebrar uma cidade que tinha sobrevivido a sua morte iminente em várias ocasiões.

O famoso discurso que Kennedy proferiu naquele dia na Rudolph Wilde Platz não foi, como tantas outras apresentações presidenciais, um evento bem coreografado. O orador e a multidão se alimentaram da exuberância mútua, e Kennedy improvisou com ousadia. Foi durante esse discurso que ele disse a frase que ficaria famosa: "Ich bin ein Berliner", que transmitia sua admiração pela sobrevivência corajosa da cidade.

Posteriormente, analistas de gabinete deitaram e rolaram com a frase dita por Kennedy, sugerindo que o presidente havia se comparado a um bolinho doce (o Berliner), mas a reação da multidão mostrou que ele tinha acertado em cheio. (Em 1954, um ex-presidente dos Estados Unidos, Herbert Hoover, escreveu "Eu sou um berlinense" no livro de visitas da cidade, mas Kennedy desconhecia o fato.)

O discurso, apesar de ter sido breve, disse muita coisa. As palavras mostraram a mente de Kennedy em funcionamento, passando habilmente das referências a John Donne ("vocês vivem em uma ilha onde a liberdade é protegida, mas a vida de vocês faz parte do todo") ao humor jovial (ele agradeceu seu intérprete por ter traduzido para o alemão sua tentativa de falar alemão --uma brincadeira espontânea que o intérprete, em seguida, traduziu para o alemão).

O discurso também abordou alguns temas sérios. Primeiro, Kennedy falou sobre seu próprio pacifismo, que havia sido expressado em alto e bom som na Universidade Americana 16 dias antes. O discurso apresentado na universidade foi um gesto nobre, que refletiu o próprio pavor de Kennedy em relação à crise dos mísseis em Cuba e mencionou o novo entendimento que estava sendo alinhavado com Nikita Khrushchev (de certo modo, Kennedy e Khrushchev tinham sobrevivido juntos à crise dos mísseis, quando tiveram que fazer manobras para superar seus próprios parceiros linha-dura).

Mas a situação preocupava o chanceler alemão ocidental, Konrad Adenauer, que temia que a Alemanha Ocidental estivesse sendo negligenciada. Adenauer, que à época tinha 87 anos, foi apelidado de Der Alte --o velho. Kennedy, aos 46 anos, era 41 anos mais jovem do que o chanceler alemão.

No entanto, Kennedy era o líder do mundo livre e estava prestes a iniciar o que provavelmente seria um difícil ano de campanha. Kennedy costumava fazer ajustes no tom de seus discursos e, em Berlim, inspirado pela multidão, ele eliminou parte do Unitarismo universal do redator de seus discursos, Ted Sorensen, e emitiu uma defesa da liberdade a plenos pulmões.

A vigorosa linguagem de Kennedy em Berlim satisfez Adenauer e o fez perceber que os norte-americanos não abandonariam o barco tão cedo. Kennedy ridicularizou o muro como prova do fracasso do comunismo. E ele levou a multidão ao delírio com sua promessa de que Berlim estava no centro do mundo, da mesma forma que a Roma antiga, e que a cidade era admirada por todos aqueles que se importavam com a liberdade.

Apesar de ser algo mais difícil de detectar à época, Kennedy também estava respondendo ao seu recente discurso sobre os direitos civis --e a um problema que o vinha incomodando. Desde seu discurso de posse, quando ele prometeu defender a liberdade em todo o mundo, mas no qual pouco falou sobre o tema dos direitos civis dentro dos EUA, a política externa norte-americana vinha sendo assombrada por sua própria incoerência.

Propagandistas soviéticos deitaram e rolaram com o racismo norte-americano, um racismo que ficava perfeitamente evidente na capital do país. Kennedy tinha suas razões para reagir de forma lenta na defesa dos direitos civis --ele precisava de todos os Estados do sul para conseguir obter a vantagem apertada que lhe deu a vitória em 1960. Mas as dificuldades enfrentadas em 1962 e 1963 o tocaram profundamente, e ele estava claramente lendo os textos de Martin Luther King Jr.

Na "Carta da prisão de Birmingham", escrita por Luther King em abril de 1963 e que começou a ser amplamente divulgada por jornais e revistas em junho daquele mesmo ano, o ativista dizia que "a injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todos os lugares". Em Berlim, Kennedy disse: "a liberdade é indivisível e, quando um homem é escravizado, todos não são livres".

E, dali em diante, ele teria que enfrentar mais do que a sua própria quota de problemas. Naquele mês, Charles de Gaulle anunciou que estava retirando a frota francesa do comando da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). O conflito no Vietnã, que havia esquentado durante o verão, só iria piorar durante o outono.

Mas Kennedy tinha dado um passo importante ao endireitar a política norte-americana em casa e no exterior. E ele pagou um preço político por essa postura --seria um desafio manter o sul do país do lado dos democratas e, sem o sul, a reeleição estava longe de ser dada como certa. Foi por esse motivo que ele viajou a Dallas em novembro. Mas, assim como Lincoln havia feito um século antes, Kennedy tinha resolvido uma grande inconsistência e colocado todo o poder dos Estados Unidos para apoiar a liberdade e os direitos humanos em casa e no exterior.

"Deixe-os vir a Berlim", disse ele em alemão e inglês. E assim eles fizeram, num fluxo constante de visitantes de peso que nunca mais cessou. O próprio Khrushchev, na tentativa de não ficar para trás, foi à cidade dois dias depois de Kennedy e atraiu uma multidão impressionante de 500 mil pessoas, apesar de sua frase de efeito ("Eu amo o muro") não ter pegado.

Quase todos os presidentes dos Estados Unidos foram a Berlim desde então, incluindo o presidente Obama, que visitou a cidade na semana passada. Surpreendentemente, Berlim se tornou um lugar importante para dizer coisas sobre os Estados Unidos.

"Nós nunca teremos outro dia como este enquanto vivermos", disse Kennedy a Sorensen quando eles deixaram Berlim. Essa previsão acabou se mostrando verdadeira e, em novembro de 1963, enquanto os sinos de John Donne dobravam*, era possível recordar o dia 26 de junho como o ponto alto e mais bem sucedido daquela época.

Naquele dia, havia razões de sobra para se acreditar que o mundo estava se organizando. O absurdo da existência do muro era óbvio, e um dia a construção teria que ser posta abaixo. No dia em que o muro de Berlim caiu, 26 anos depois, a visita de Kennedy foi lembrada como uma grande inspiração. A Europa não poderia ficar dividida para sempre. E nem os Estados Unidos.

(Ted Widmer é assistente do presidente dos EUA para projetos especiais na Universidade de Brown. Recentemente, Widmer editou "Listening In: The Secret White House Recordings of John F. Kennedy" ("Ouvindo: as gravações secretas de John F. Kennedy na Casa Branca", em tradução livre)

*John Donne (1572-1631) é o autor da citação "For whom the bell tolls" (por quem os sinos dobram), que foi retirada de uma obra na qual ele explora a natureza interconectada da humanidade.

Um comentário:

  1. Sr. Ted Widmer, o senhor já ouviu falar no MURO que o dr. Sharon ergueu na Cisjordânia OCUPADA? Favor refletir!

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