quarta-feira, 29 de maio de 2013

Um chefe calmo no centro do caos de um campo de refugiados sírios

Assim é a vida das crianças refugiadas no campo de Zaatari
Kilian Kleinschmidt tinha um problema. Na tarde antes da visita agendada do embaixador do Kuait na Jordânia ao campo de refugiados sírios superlotado daqui, crianças vandalizaram os trailers doados pelo Kuait, roubando janelas, portas e pisos.

Kleinschmidt, que dirige o campo de Zaatari para o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, chamou a polícia, mas ela estava ocupada com um distúrbio, enquanto milhares de sírios tentavam se espremer em um punhado de ônibus que voltavam para sua terra natal em dificuldades.

"Crianças travessas --os melhores atiradores de pedras da Terra", disse Kleinschmidt, 50 anos, um alemão de rosto corado cujo currículo mais parece um verbete da Wikipédia das últimas décadas de desastres internacionais. "Eu não sei o que direi amanhã ao embaixador do Kuait. Ele vai ficar muito chateado. Ele deseja vê-los instalados e famílias felizes se mudando para eles."

Com aproximadamente metade do tamanho de um pequeno apartamento em Manhattan, os trailers de 15 e 18 metros quadrados –chamados de caravanas e custando entre US$ 2.500 e US$ 3.500 cada– são o commodity mais cobiçado em Zaatari, separando aqueles que têm pouco daqueles que têm ainda menos.

Transferir famílias das tendas para os trailers é a base do plano de Kleinschmidt para melhorar as condições em Zaatari, que ele assumiu em 12 de março, após uma série de diretores temporários. Até julho, ele promete, todos os mais de 100 mil refugiados espalhados pelos 13 quilômetros quadrados de Zaatari estarão em trailers, mais de 25 mil deles. Eles ainda não chegaram à metade.

Kleinschmidt também deseja dividir o campo caótico em 12 bairros, colocar placas de rua e dar um endereço para cada um. Ele prevê a emissão de licenças comerciais no vasto mercado não regulamentado de bancas de placas onduladas de metal. Ele também deseja instalar medidores de água e luz. Futuramente, ele espera um sistema de identificação biométrica e cartões de débito para cobrir alimentação, atendimento de saúde e outros serviços –como o sistema que ele supervisionou para mais de um milhão de pessoas deslocadas no Paquistão.

Primeiro, entretanto, uma cerca de segurança –ainda melhor, um muro– em torno da instalação dos trabalhadores de ajuda humanitária e do próprio campo Zaatari.

"Cercas não funcionam", ele disse para um representante da União Europeia um dia depois dos trailers terem sido saqueados. "Uma mensagem para a UE é, programa de recrutamento de um especialista em muro alemão-oriental. Eu quero construir um muro. Eu gosto de muros."

Filho de professores, Kleinschmidt cresceu em Berlim e trabalhou como telhador, depois trabalhou em uma cooperativa que criava 35 cabras para produção de queijo nos Pirineus. Aos 26 anos, em uma viagem de moto para Mali, ele conheceu um trabalhador de ajuda humanitária em um bar e acabou ajudando a construir uma escola perto de Timbuktu.

Ele trabalha basicamente para as agências de ajuda humanitária da ONU desde então. Ele ajudou a organizar um campo para os Garotos Perdidos do Sudão; esteve em Mogadício em 1993, durante a operação militar na qual 18 americanos foram mortos e que inspirou o livro e o filme "Falcão Negro em Perigo"; passou dois anos como uma espécie de contato junto aos rebeldes do Exército de Libertação dos Tigres do Tamil Eelam no Sri Lanka; coordenou uma das maiores pontes aéreas de ajuda humanitária na história para os ruandeses presos na floresta tropical no Congo; e, no ínterim, trabalhou em Kosovo, Quênia e Uganda. Seu apelido nos círculos de ajuda humanitária é "o Leão do Deserto".

"O que move Kilian é o mesmo que o torna difícil", disse Pilar Robledo, que trabalhou estreitamente com Kleinschmidt por quatro anos no Paquistão e agora serve como consultora de um projeto daqui da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional. "Ele é um homem que floresce quando está atolado no caos, e parece uma pessoa diferente quando uma situação de emergência se normaliza."

Kleinschmidt tem cinco filhos, um enteado e um neto de seis meses, de quatro relacionamentos. Sua esposa, uma designer de joias, é do Cáucaso e mora em Nairóbi; eles não se veem há dois meses.

Na Jordânia, o título oficial de Kleinschmidt é coordenador sênior de campo, com um salário de US$ 14 mil por mês. Ele chama a si mesmo de "prefeito internacional de Zaatari" ou, simplesmente, de chefe.

"Eu sou o chefe, sou o chefe, sou o chefe!" ele bradou ao telefone certa manhã. "Eu decido tudo", ele explicou posteriormente. "Seja o conserto de uma cerca ou a expulsão de um refugiado –tudo."

Decidir é uma coisa, fazer é outra. Kleinschmidt ainda não sabe exatamente quantos refugiados vivem em seu campo ou quantos trabalhadores de ajuda humanitária atuam lá. Quase diariamente há manifestações, frequentemente reprimidas com gás lacrimogêneo. No mês passado, um segurança jordaniano foi gravemente ferido, levando os moradores das cidades próximas do campo a bloquearem o acesso a ele por horas, ameaçando o suprimento de água para os refugiados.

"Este é um dos lugares mais indisciplinados que já dirigi", disse Kleinschmidt, que dorme várias noites por semana em um colchonete no piso do seu trailer. "Os refugiados estão em uma espécie de vácuo em termos de quem são as autoridades. Eles nos veem como os irmãos menores de Assad –a autoridade é o mal", ele disse, referindo-se ao presidente da Síria, Bashar Assad.

Um dos primeiros problemas tratados por Kleinschmidt foi a eletricidade. Por todo o campo, perigosas massas como espaguete de fiação pirata levavam eletricidade para as bancas do mercado. Ele disse que os refugiados "montaram sua própria companhia elétrica", com gangues mafiosas coletando pagamentos e controlando as conexões. "Eles disseram: 'Nós vamos destruir todo o campo se você desconectar a força'."

Então o chefe se reuniu com um refugiado ao qual ele se refere como o ministro da eletricidade, prometendo instalar um novo transformador mais poderoso se os gatos de força fossem retirados. Neste mês, entretanto, a companhia elétrica jordaniana cortou o fornecimento de eletricidade ao campo por quase oito horas, porque a conta dos primeiros quatro meses do ano, que chegava a US$ 1 milhão, não foi paga.

Quanto à crise dos trailers, o embaixador do Kuait acabou adiando sua visita. Posteriormente naquela semana, entretanto, enquanto mostrava ao embaixador sul-coreano as famílias felizes se mudando para 388 dos 1.700 trailers doados por seu país, Kleinschmidt foi coberto de queixas.

"Este homem, ele está aqui há quatro meses, e não recebe nada!"

"O toalete fica longe demais do meu trailer!"

"Eu tenho uma filha pequena, eu preciso de um trailer!"

Kleinschmidt reagiu. "Vocês todos são invejosos demais. Se eu der para você, então ele virá e ele virá."

O sol começou a se por e Kleinschmidt foi chamado para uma situação mais séria. Desde a manhã, seis famílias de refugiados ocuparam novos trailers destinados para outras. Isso significava que seis famílias que tinham devolvido suas tendas não tinham onde dormir.

O chefe tentou argumentar com um refugiado que representava os invasores. Se voltassem para suas tendas, prometeu Kleinschmidt, ele conseguiria trailers para eles depois do fim de semana.

Nada feito.

"Escutem, irmãos, todo mundo me escute", Kleinschmidt disse para a crescente multidão. "Todo mundo em Zaatari terá um trailer. Se todos vocês começarem a tomar, não funcionará e teremos que parar. Aí ninguém terá um trailer."

"Se eu aceitar que as pessoas simplesmente tomem o que quiserem, nós encerraremos aqui. Nós partiremos e vocês ficarão. Eles precisam sair."

Eles não saíram. Então, em vez de acelerar a entrega de trailers para eles, Kleinschmidt disse que cortaria seus cartões de ração.

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