segunda-feira, 6 de maio de 2013
"Quase não há lugares poupados pelos combates na Síria", diz presidente da Cruz Vermelha
Peter Maurer, 56, preside o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) desde o dia 1° de julho de 2012. Ex-secretário de Estado no departamento federal das Relações Exteriores em Berna, ele é o sucessor de Jakob Kellenberger.
Le Monde: O senhor tem prova de que foram utilizadas armas químicas na Síria?
Peter Maurer: Não. Desde quando estivemos presentes na Síria, de tudo que nós vimos, não tivemos conhecimento da utilização de armas químicas. Mas os rumores de utilização e diferentes indicações nos preocupam enormemente. Estamos sendo extremamente cautelosos com esse assunto, talvez até demais.
Le Monde: Quer dizer que se o senhor tivesse registrado um ataque desse gênero, o senhor não declararia publicamente?
Maurer: Diante de uma violação clara do direito e de uma utilização de armas químicas, por exemplo, não creio que guardaríamos a informação para nós. A questão é: "com quem compartilhá-la?"
O contexto na Síria é particularmente difícil. Mas, na ocasião de nossa presença no local – nos hospitais, nos pontos de distribuição de comida ou de medicamentos, nas obras para consertar as redes de abastecimento de água – não encontramos nem indícios, nem provas da existência e da utilização de substâncias químicas que pudessem levar a pensar que tais armas tenham sido utilizadas.
Le Monde: Qual o balanço do ponto de vista humanitário após mais de dois anos de conflitos?
Maurer: Praticamente não existem mais lugares poupados, mais nenhum espaço que não seja atingido regularmente por situações de conflitos armados, exceto talvez por Tartus, que foi mais ou menos poupada pelos combates. Todo o resto do país está em uma situação de combate. Até o verão de 2012, o conflito se movimentava dentro do país. As pessoas ainda conseguiam encontrar refúgios. Agora, é uma espiral que está arrastando o país para baixo. Há muito mais casas destruídas, pessoas deslocadas. Os refúgios são mínimos ou inexistentes. Todo mundo está em constante movimento para fugir do conflito e estamos passando pelas piores dificuldades para atender às necessidades humanitárias.
Nossas capacidades de fornecimento de ajuda aumentaram de maneira aritmética, ao passo que as necessidades foram crescendo de maneira exponencial. A cada dia fazemos mais e temos a impressão de estar fazendo menos.
No outono passado, o sistema econômico e o tecido social ainda estavam lá. Hoje, há cada vez mais disfunções. Há um indicador assustador: os ferimentos de guerra estão aumentando linearmente, ao passo que as doenças crônicas estão causando um número de mortos que segue uma curva exponencial.
Isso indica que o sistema de saúde não funciona mais. O número de enfermeiras e de médicos deslocados, mortos ou refugiados é tamanho que o sistema não está mais funcionando. Morre-se menos por causa de bombardeios do que por causa de um aparelho de diálise que foi inutilizado ou porque o médico que sabe operá-lo não está mais lá, por exemplo.
Le Monde: Qual é o número de vítimas do conflito?
Maurer: Os números mais frequentemente citados, que falam em 70 mil a 80 mil mortos, são plausíveis, mas são extremamente difíceis de confirmar. É ainda mais complicado no que diz respeito ao número de pessoas deslocadas.
Quando olho para o mapa geral onde o CICV intervém, posso dizer que há mais pessoas sofrendo de fome na República Democrática do Congo, no Iêmen ou na Somália – nossa maior operação de "alimentação" – do que na Síria. Ao longo dos seis últimos meses, teve semanas em que houve mais vítimas no Iraque do que na Síria.
Mas, ainda que as estatísticas sejam problemáticas, a Síria continua sendo um conflito enorme em muitos aspectos. É o local onde a combinação entre as necessidades humanitárias, a visibilidade política e a competição estratégica entre diferentes Estados é mais complexa e dá a esse conflito uma visibilidade muito particular. Com os meios dos quais dispomos, não conseguimos cobrir todas as necessidades.
Le Monde: As frentes estão estabilizadas?
Maurer: A zona de combates se ampliou consideravelmente. Há inúmeros pontos onde não se consegue dizer claramente quem detém o controle. As regiões relativamente estáveis, ou seja, sob controle, de uma parte ou outra, estão se reduzindo. Também se observa um reposicionamento das forças governamentais em zonas essenciais do país.
Le Monde: O senhor tem acesso aos prisioneiros?
Maurer: É nossa grande decepção. Quando visitei a Síria em setembro de 2012, o presidente Bashar Assad havia sido muito claro ao afirmar que o CICV teria acesso a todos os centros de detenção e a todas as prisões. Uma de suas promessas era de que iríamos receber um cronograma preciso de todas as visitas. Apesar de repetidas intervenções durante esse inverno sobre essa questão, não fomos autorizados a visitar prisões desde agosto de 2012.
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