quinta-feira, 2 de maio de 2013
Polícia alemã investe em investigações de grupos supostamente neonazistas
Por anos, as autoridades federais alemãs hesitaram em lançar investigações de terrorismo contra extremistas de direita. Mas o caso da NSU as levou a lançarem um número sem precedente de casos e a empregar meios controversos em um esforço para evitar acusações de inação.
A operação estava envolta no maior sigilo possível. Em 27 de agosto de 2012, investigadores de terrorismo nos Estados alemães da Baviera e da Saxônia partiram discretamente para executar mandados de busca expedidos pela Justiça federal. Um dos alvos dos mandados visitados pelas autoridades era extremamente conhecido pelos especialistas envolvidos no combate aos extremistas de direita: Martin Wiese, 37, um dos neonazistas mais notórios na Alemanha.
Wiese, o ex-líder do grupo militante de extrema direita Kameradschaft, foi preso em 2003 por suspeita de envolvimento nos planos de detonação de uma bomba durante a cerimônia de lançamento da pedra fundamental de um centro judeu em Munique. Ele foi posteriormente condenado e sentenciado a sete anos de prisão por ser líder de um grupo terrorista.
As autoridades voltaram novamente sua atenção a Wiese devido às informações fornecidas por outro extremista de direita, Mario K. (as leis de privacidade alemãs impedem que seu sobrenome seja publicado). K. lhes informou sobre os círculos obscuros nazistas, as velhas redes e os novos militantes, incriminando tanto Wiese quanto a si mesmo no processo. O Escritório da Promotoria Federal então assumiu a investigação e emitiu os mandados de busca. Apesar das buscas não terem encontrado armas ou planos de ataque, os investigadores encontraram comunicações codificadas.
Antes da célula terrorista neonazista conhecida como NSU (Clandestinidade Nacional Socialista) ser descoberta em novembro de 2011, essas pistas provavelmente não teriam levado o mais alto órgão investigativo da Alemanha a agir. Mas muita coisa mudou desde que a Alemanha ficou chocada com a revelação da série de assassinatos racistas da NSU. Acreditando haver motivo para suspeita de que uma "associação terrorista" foi fundada na Baviera, os promotores federais estão investigando um grande número de indivíduos, incluindo Wiese, que nega as alegações contra ele.
O caso dele é uma das 14 investigações que o procurador-geral federal Harald Range está conduzindo contra os suspeitos de terrorismo neonazista e seus cúmplices. Elas foram divulgadas em resposta a um pedido oficial por informação do governo impetrado pelo Partido da Esquerda de oposição. O número soa dramático porque é maior do que o total de todas as outras investigações conduzidas contra o terror de extrema direita ao longo da última década. E levanta várias questões: a Alemanha deve se preparar para mais ataques e possivelmente mais assassinatos cometidos por neonazistas? Imitadores do trio da NSU já estariam elaborando novos planos de ataque?
Uma 'mudança de paradigma'
Na verdade, esse número elevado tem algo a ver com uma mudança de pensamento por parte das autoridades. Elas agora estão vigiando de perto a extrema direita – e, quando em dúvida, agora preferem investigar antes cedo do que tarde. "Nós aumentamos nosso foco nos indícios que possam apontar para o surgimento de estruturas terroristas de extrema direita", diz Hans-Georg Maassen, o presidente do Escritório para a Proteção da Constituição (BfV) federal, a agência de inteligência doméstica da Alemanha.
Manfred Murch, o chefe da divisão estadual da organização na cidade-Estado de Hamburgo, no norte, fala de uma "mudança de paradigma". Enquanto as autoridades costumavam investigar o extremismo de direita apenas após a ocorrência de crimes concretos, Murch diz que os investigadores agora também estão investigando as "redes e associações clandestinas na cena neonazista" e o que levou a essa mudança foi o caso da NSU.
Clemens Binninger, um especialista em políticas domésticas da bancada parlamentar da CDU (União Democrata Cristã ) de centro-direita da chanceler Angela Merkel, e de seu partido irmão bávaro, a CSU
(União Social Cristã ), concorda, dizendo que as muitas novas investigações se devem ao "reconhecimento de que muito pouco foi feito no passado".
Uma olhada nas estatísticas revela a contínua importância de chegar ao fundo dos crimes da NSU, incluindo os assassinatos de 10 pessoas –oito homens de descendência turca, um grego e uma policial alemã– assim como outros ataques e uma série de assaltos não solucionados. Das 14 novas investigações, 10 têm ligação com o caso da NSU. Eles envolvem supostos apoiadores do grupo, mas não envolvem os cinco indivíduos que serão julgados a partir de 6 de maio no Tribunal Superior Regional de Munique por suposto envolvimento nos crimes da célula terrorista NSU. Além disso, há a investigação contra Wiese, pela qual a Polícia Federal Criminal (BKA) está atualmente avaliando as evidências.
Mas outra série de investigações envolve Meinolf Schönborn, o ex-líder da "Frente Nacionalista", proibida em 1992 por causa de seus planos de criação de unidades paramilitares. Schönborn está entre os neonazistas mais conhecidos da Alemanha desde os anos 80. Ele e três cúmplices agora são suspeitos de terem formado um novo grupo extremista de direita chamado "Neue Ordnung" ("Nova Ordem"), apesar dele ter contestado as alegações para a "Spiegel".
Os investigadores saíram no encalço de Schönborn em meados de 2012, após encontrarem um neonazista morto em uma casa de hóspedes em Herzberg, um vilarejo no Estado de Brandemburgo, no leste, a aproximadamente 60 quilômetros a noroeste de Berlim. No imóvel, que foi alugado pela namorada de Schönborn, os investigadores encontraram um arsenal de armas, além de um volume de dados de computador parcialmente encriptados que ainda estão sendo analisados.
No norte da Alemanha, os promotores federais também estão investigando um punhado de neonazistas suspeitos de planejarem a obtenção de armas para uso em ataques. Mas ainda não está claro quanto progresso foi obtido nas mais recentes tentativas.
Empregando 'métodos fundamentalmente questionáveis'
O último caso envolve uma medida tanto atípica quanto ousada em termos legais. As investigações não se concentraram em indivíduos específicos ou certos grupos, como a NSU. Em vez disso, os promotores federais estão compilando seu próprio conjunto de arquivos de pistas ligadas a atividades militantes de extrema direita, uma coleção sortida de informação sobre a cena neonazista. Os investigadores presumem que em algum momento eles conseguirão ligar os pontos indicando crimes terroristas de extrema-direita. Essa nova estratégia é outro resultado do fracasso no caso da NSU, no qual as autoridades cometeram uma série de erros embaraçosos e não conseguiram enxergar a atividade terrorista. De fato, apenas quando um vídeo da NSU assumindo a responsabilidade por uma das mortes foi encontrado em novembro de 2011 é que as autoridades passaram a acreditar que os crimes não tinham sido cometidos por uma gangue criminosa turca, mas sim pela organização terrorista neonazista, permitindo assim a intervenção das autoridades federais.
Mesmo assim, quão significativas essas pistas serão para os novos casos continua sendo uma questão aberta. De fato, há muitos indícios de que as autoridades estão planejando colocar a controversa Seção 129ª do Código Penal alemão em uso em sua batalha contra o extremismo de direita, como foi feito por décadas no combate ao extremismo de esquerda de grupos como o Baader-Meinhof (Facção do Exército Vermelho). A seção torna crime a filiação a uma organização terrorista doméstica. Mas os investigadores mais provavelmente a usariam menos para obter indiciamentos e mais como alavanca para expor a cena extremista de direita.
Ulla Jelpke, uma porta-voz de políticas domésticas da bancada parlamentar do Partido da Esquerda, sente que um esforço para exercer influência política externa sobre o Judiciário está por trás dessa nova estratégia. "O governo federal negou a mera existência dos terroristas neofascistas por tempo demais, os rotulando como perpetradores individuais confusos", ela diz. "Após a descoberta da NSU, ele agora está cuidando para que o porrete antiterrorismo da Seção 129 ª seja empunhado contra a direita." Todavia, ela acrescenta, essa abordagem continua questionável.
De fato, o Estado pode autorizar a si mesmo um arsenal inteiro de meios de vigilância quando investiga indivíduos suspeitos de formação de uma associação terrorista. Os investigadores são autorizados a grampear os telefones dos suspeitos, às vezes por anos, assim como armazenar quantidades imensas de dados de computador. Eles podem colocar dispositivos de rastreamento em carros e escutas em casas, instalar câmeras nas portas, analisar DNA e testar amostras de odores. A seção fornece um método rápido de colocação dos indivíduos indiciados em detenção pré-julgamento, e também permite penas de prisão de até 10 anos.
Reintrodução de práticas restritas
Mas apesar dos gastos imensos, os resultados foram insignificantes: cedo ou tarde, quase todos os casos envolvendo a Seção 129 ª fracassaram. Isso ocorreu devido a uma importante decisão da Justiça federal em 2007, que coibiu o uso da Seção 129. A Justiça lembrou aos investigadores que a lei sobre a formação de uma organização terrorista declara que as ofensas estipuladas devem "visar intimidar seriamente a população" e que o terrorismo é definido quando um grupo faz uso de violência "para danificar significativamente ou destruir as estruturas políticas, constitucionais, econômicas ou sociais fundamentais de um Estado ou de uma organização internacional".
Após essa decisão, a Seção 129 ª foi limitada a exercer um papel em um nicho. Entre 2008 e 2011, os promotores federais só relacionados – três contra extremistas de esquerda e duas contra extremistas de direita. Mas então o caso da NSU explodiu em novembro de 2011. E, desde então, tudo está novamente diferente.
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