sexta-feira, 31 de maio de 2013

Nas escolas da Tailândia, vestígios do regime militar

Deixe de lado por um instante a imagem da Tailândia que os turistas costumam ver, um país descontraído, amistoso, com uma vida noturna libidinosa.

Os estudantes tailandeses têm uma impressão totalmente diferente. Nas escolas do país, com um sistema regimental que é o sonho de qualquer sargento, enraizado nas ditaduras militares do passado, predominam a disciplina e a obediência forçada.

Em uma escola pública neste subúrbio industrial de Bancoc, professores usam varas de bambu e repreendem os alunos por usarem cabelo comprido, ordenando que seja cortado no ato. Os estudantes são inspecionados por unhas sujas, meias coloridas ou qualquer outra violação do código de vestimenta escolar.

"Em um nível básico, todos os alunos deveriam ter a mesma aparência", disse Arun Wanpen, o vice-diretor, que presidiu a cerimônia matinal em um dia recente. Um mar de estudantes uniformizados com cabelos pretos curtos (não é permitido tingir o cabelo) cantou o hino nacional, recitou uma oração budista e repetiu a promessa de sacrificar sua vida pelo país, amar o rei e "não causar problemas".

Mas, ao mesmo tempo que o legado do regime militar se dissolve, alguns estudantes se erguem e desafiam com certo sucesso um sistema que dá ênfase à obediência inquestionável. Eles têm um aliado receptivo em um governo que busca reduzir o papel dos militares na vida cívica e propõe mudanças abrangentes no sistema educacional.

No final do ano passado, um aluno do segundo grau, Nethiwit Chotpatpaisan, que responde pelo apelido de Frank, começou uma campanha no Facebook pedindo a abolição do sistema educacional "mecanicista". Juntamente com amigos de mentalidade liberal, ele iniciou um grupo chamado Aliança pela Revolução Educacional na Tailândia. Ele conquistou proeminência nacional em janeiro, depois de se manifestar em um programa de televisão no horário nobre.

"A escola é como uma fábrica que produz pessoas idênticas", disse em uma manhã recente em sua escola, a Nawaminthrachinuthit Triam Udomsuksa Pattanakarn, a mesma onde Arun é o vice-diretor.

Frank descreveu os professores como "ditadores" que ordenam que os alunos "prestem reverência sempre" e nunca os questionem.

A mensagem do grupo ecoou, em parte porque ele encontrou uma certa causa comum com o ministro da Educação do país, Phongthep Thepkanjana, que estudou nos EUA. Ele prometeu permitir que os escolares tailandeses deixem o cabelo crescer e propôs uma série de mudanças educacionais para reduzir, segundo disse, a ênfase para a memorização no ensino e promover o pensamento crítico.

"Não queremos todos os alunos em um protótipo, especialmente um protótipo que os faz cumprir ordens", afirmou em uma entrevista. "Não queremos que eles fotocopiem o conhecimento em seus cérebros. Queremos que sejam indivíduos que raciocinam."

Ele propôs menos tarefas de casa e menos horas na sala de aula, e um currículo que se concentre nos fundamentos da língua, em matemática e ciência. Na era da Wikipedia, disse, não tem sentido decorar os nomes e a extensão de rios obscuros da África, como ele teve de fazer quando era estudante.

Um ex-juiz que estudou advocacia na Universidade George Washington, Phongthep disse que encorajar os alunos a formar opiniões e discutir seria bom para a democracia, em um país que teve diversos tropeços em sua jornada de oito décadas para sair da monarquia absolutista.

"Se os estudantes não puderem manifestar suas opiniões na classe, como poderão exercer a liberdade de expressão na sociedade?", perguntou.

No início deste ano, ele anunciou que relaxaria a regra sobre o comprimento dos cabelos, o que encerra um grande simbolismo, já que foi imposta pelo governo militar em 1972. A regra exige que as meninas cortem o cabelo logo abaixo das orelhas e que os meninos raspem os lados da cabeça, como cadetes. As novas regras ainda dependem de aprovação pelo gabinete de governo.

"Queremos que os alunos sejam pessoas racionais", disse o ministro. "Como podemos forçá-los a fazer algo sem um motivo adequado?"

As mudanças propostas vão ao cerne do funcionamento das escolas na Tailândia. Estudar por muito tempo e sem distração é considerado um dos principais ingredientes do milagre econômico asiático, modelo que a Tailândia, que pretende galgar a escada do clube dos países mais ricos da Ásia, tenta imitar.

Mas Phongthep disse que os estudantes estão sendo sufocados por esse modelo, e os boletins escolares mostram espaço para melhora. As notas nos exames nacionais têm caído, e os estudantes tailandeses em geral se classificam em 52º lugar em matemática no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, um parâmetro global, ficando abaixo da média dos países mais desenvolvidos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (os estudantes de Xangai e Singapura se classificaram em primeiro e segundo lugares na última avaliação publicada, em 2009).

Os defensores das mudanças dizem que o atual currículo, cheio de matérias para decorar, não dá tempo para que os estudantes tailandeses pensem por si mesmos.

"Venho dizendo há muito tempo que, quanto mais você estuda, mais burro fica", disse Sompong Jitradub, uma autoridade do sistema educacional que participa do comitê de revisão do currículo. "Tudo o que eles fazem é decorar. Nunca pensam de modo crítico. Nunca trocam opiniões."

Ele disse que a principal resistência à mudança vem dos funcionários públicos, para os quais revisar o currículo seria uma tarefa gigantesca. Depois disso, um novo currículo enfrentaria uma série de audiências públicas para que fosse aprovado.

No caso do código de vestimenta, já há sinais de que os administradores poderão reclamar. Arun, o vice-diretor e um disciplinador rígido, está considerando infringir as novas regras se elas forem brandas demais. Ele e outros dizem que manter a disciplina é essencial para combater os males sociais que convulsionam os jovens na Tailândia - drogas, a gravidez de adolescentes e brigas de gangues.

"O governo tem políticas, mas nós somos os aplicadores", disse ele em uma entrevista em seu escritório. "Se o governo lançar novas políticas, vamos examiná-las e decidir quais são adequadas para nós."

Ele resumiu a disciplina desta maneira: "Os militares precisam de armas; os professores precisam de varas. Às vezes você precisa bater neles um pouco, mas só no traseiro".

Os maiores torcedores pela mudança parecem ser os próprios estudantes.

"Os estudantes não estão se enriquecendo", disse Jirapat Horesaengchai, 16, membro da Aliança pela Revolução Educacional na Tailândia. "Eles esperam que a informação seja oferecida."

O grupo consiste em estudantes precoces que gostam de discutir. Um deles percorre sites científicos na Internet em busca de comentários que questionem a teoria da evolução, e os ridiculariza como anticientíficos. Outro membro invadiu o site do Ministério da educação, depois confessou e foi contratado pelo ministério para reforçar a segurança da rede.

Nutcha Piboonwatthana, 16, uma das poucas meninas do grupo, disse que tem uma dupla missão: pressionar por mudanças no sistema e fazer que as meninas tailandesas, que são treinadas desde cedo a obedecer, sejam mais aventureiras.

"As meninas pensam dentro de uma caixa", disse ela em voz baixa, com o cabelo preso por uma fita azul. "Elas são muito boas nos estudos. Eu só quero que as meninas percebam que existe um mundo fora da escola."

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