quarta-feira, 29 de maio de 2013

Ex-premiê espanhol, Aznar sofre da "maldição do ex-presidente"

José María Aznar
"Está bem, rapaz, é assim que se fala."

"Vejo-o amanhã às 9h15."

A troca de torpedos entre Bernardino Lombao, 75, e José María Aznar, 60, na noite de quarta-feira, foi assim: rápida. O ex-primeiro-ministro acabava de ameaçar na televisão uma volta à política e seu treinador e amigo há 18 anos quis lhe dar uma palmada nas costas. Mas Aznar já estava em outra atividade: sair para correr seus 10,4 km diários pelos morros de Madri, antes de pegar um avião para Nova York, em sua enésima viagem pelos salões do grande mundo. Lombao não se ofendeu. Sabe que Aznar, quando propõe algo, cumpre o plano previsto. Outra coisa é que realmente queira voltar à arena.

"Minha recomendação é que não volte, mas ele fará o que tiver vontade", diz esse profissional, que pegou Aznar quando "jogava aquela frescura de squash" e lhe inoculou o vírus do esporte até que o aluno superou o mestre. "Está uma fera. Tem a resistência de um atleta olímpico. Nessa manhã, as pessoas paravam para cumprimentá-lo. Outros passavam, claro. Ele é assim: assustou meio país e encantou outro meio, colocando-os sobre a mesa."

Lombao é a única de cerca de 20 pessoas próximas ao ex-primeiro-ministro que concordou em falar sem reservas. A maioria nem respondeu ao convite. Só um punhado concordou em contar como veem Aznar, sob estrito anonimato. E o veem ensimesmado, aborrecido com o que considera a insuportável inutilidade do governo e obcecado por manter incólume o que ele considera sua reputação imperecível como o líder histórico que levou seu partido e seu país ao auge.

"Está bravo como uma macaca. E disse: Ei, estou vivo", resume um dos passageiros do legendário táxi de Valladolid --Ana Mato, Carlos Aragonés, Miguel Ángel Rodríguez e Miguel Ángel Cortés--, onde começou a ser gestada a chegada a La Moncloa do então presidente de Castela e Leão. "Ele fez uma prevenção, uma espécie de 'Cuidado, se vocês estão mortos, eu estou aqui, e pelo menos tenho sangue nas veias'", diz outro aznarólogo. É engraçado que todos, independentemente de sua sintonia, empregam termos parecidos para retratá-lo.

"Simpático não é", diz um. "Arrogante? Digamos que carece de empatia", salienta outro. "É íntegro, não sabe dissimular, por isso dá medo. Não como o galego, simpático, mas perigoso", acrescenta um terceiro. Todos lhe atribuem uma vontade de aço. Para aprovar as oposições. Para ligar-se a Ana Botella, a bela do grupo. Para se construir à imagem e semelhança de sua ideia de si mesmo. "Como não era bonito como Blesa, nem brilhante como Gallardón, se propôs ser o mais poderoso. É um espetáculo vê-lo trabalhar. E é um patriota; não é que a Espanha lhe faça mal, ela é sua própria trituradora. Veja-o: se autofagocitou, é um concentrado de energia, o homem-bala." Aznar é vaidoso, tem um alto conceito de si mesmo, concordam. E justamente agora, com o tórax esculpido que nunca teve. Tendo conseguido falar inglês "tão mal quanto o espanhol, e que o entendam".

Ganhando uma dinheirama como assessor e conferencista de luxo. Relacionando-se com homens e mulheres interessantes, mais fora que dentro da pequena e querida Espanha. Com sua esposa prefeita da capital do reino. Com dois de seus filhos casados, o terceiro ganhando dinheiro e rompendo corações, e cinco crianças chamando-o de vovô. Justamente agora, o homem com uma das melhores agendas do globo está, talvez, mais só, isolado e aborrecido que nunca.

"Sofre a maldição do ex-presidente", diz alguém. "Tocou o céu e não está morto." Além disso, está horrorizado. Assistiu ao que considera um fim de ciclo: a audiência em que Sáenz de Santamaría, Montoro e Guindos atiraram a toalha contra o desemprego. Rajoy, o homem que escolheu exatamente por ser seu oposto, para que sentissem saudade dele, o "decepcionou".

Mas, sobretudo ele, que vive de seu passado e a quem contratam por seu prestígio, não pode suportar que alguém entre no Google e associe seu nome a gratificações e presentes de casamento de um criminoso. Nem que "se diga que o famoso milagre Aznar foi uma bebedeira de espumante que explodiu e agora estejamos sofrendo uma tremenda ressaca", segundo desliza um crítico.

Que ninguém tenha saído em sua defesa o transtorna. Nessa tessitura, dizem os que o conhecem, "teve um momento de Gaulle". "Todos se consideram os fundadores, e ele não menos." O que fará, ninguém sabe. Nem ele, provavelmente. "Não é tolo nem incauto", advertem. Estará calibrando reações, ruminando seu mapa do caminho para depois aplicá-lo. Há 25 anos, este jornal convidou o então presidente de Castela e Leão a se retratar como seu personagem favorito. Aznar escolheu El Cid Campeador, o guerreiro que ganhou batalhas depois de morto. Segundo Lombao, "a fera" de Aznar tem 15 anos menos do que diz o calendário. Ainda dará muita batalha.

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