segunda-feira, 6 de maio de 2013

Análise: será que a democracia interessa a todos?

Ativistas queimam bandeira dos EUA durante marcha na embaixada americana em Manila, nas Filipinas

Depois de sua vitória no confronto ideológico entre dois campos durante a Guerra Fria, os Estados Unidos vêm travando uma campanha ideológica para espalhar a democracia pelo mundo, e muitos de seus cidadãos esperam que a campanha eventualmente seja vitoriosa.

Isto provavelmente não acontecerá. Um antigo provérbio diz: "É impossível assoviar contra o vento; o vento é mais forte". Pode-se assoviar forte o tema democrático, mas ele será silenciado pela tempestade estrondosa da luta humana para a autodeterminação.

É mais provável que o lançamento da campanha ideológica esteja baseado na convicção de que o colapso do campo marxista/comunista oriental durante a Guerra Fria provou de uma vez por todas a superioridade inquestionável e a aplicabilidade universal da democracia e de suas instituições políticas e econômicas.

Não é o caso. A vitória só provou que a implementação da ideia marxista fracassou no império soviético, e o colapso das economias lá não levou a enraizamento da democracia, mas sim ao exercício da autodeterminação por estonianos, húngaros, poloneses, ucranianos, entre outros, incluindo os tchetchenos de Dzhokar.

Sim, os povos do império soviético proclamaram suas aspirações pela democracia. Assim fizeram os participantes dos conflitos étnicos na ex-Iugoslávia imediatamente após da Guerra Fria, e assim fizeram os participantes das revoltas da Primavera Árabe cerca de duas décadas mais tarde. Mas nem os povos do antigo império soviético, nem os povos da Iugoslávia, nem os envolvidos nos levantes da Primavera Árabe aspiravam a um regime democrático.

Todos esses povos aspiravam ao que Woodrow Wilson defendeu durante e após a 1ª Guerra Mundial: a autodeterminação.

Ele observou: "Nenhum povo deve ser forçado a uma soberania sob a qual não deseja viver". O presidente Wilson também escreveu no artigo 3º de seu primeiro esboço do Pacto da Liga das Nações: "Os poderes contratantes se unem para garantir (...) ajustes territoriais (...) que possam se tornar necessários no futuro por motivo de mudanças nas atuais condições e aspirações sociais ou nas atuais relações sociais e políticas, de acordo com o princípio da autodeterminação".

Os Estados, na maioria dos casos, são entidades artificialmente limitadas criadas em torno de grupos étnicos e nações, principalmente através de guerras e tratados. Wilson entendia que a autodeterminação não deveria se referir aos Estados mas aos "povos" que são ligados a centenas de milhares de anos de tradições e, portanto, não querem viver em Estados sob o domínio daqueles que consideram ser pertencentes a outra etnia ou nacionalidade.

Ele estava consciente de que a autodeterminação era uma baixa prioridade nos Estados Unidos por se tratar de um país de imigrantes e, exceto para os nativos americanos, suas centenas de anos de tradições remetem a seus países de origem. Se fosse vivo hoje, Wilson não teria nenhuma dúvida de que a campanha ideológica norte-americana não pode converter outros povos à democracia sem lhes conceder o direito à autodeterminação.

O fim da Guerra Fria foi um importante ponto de virada histórico. Mas não porque provou a aplicabilidade universal da democracia dos EUA e de suas instituições políticas e econômicas. O fim da Guerra Fria foi um importante ponto de virada porque ele começou a tirar, em todo o mundo, as restrições e auto-restrições que os 40 anos de confronto ideológico da Guerra Fria impuseram aos seres humanos que desejavam se rebelar contra seu próprio campo ideológico.

Foi esta retirada de restrições e auto-restrições que plantou as sementes da rebelião em todo o mundo. Ele causou a dissolução da União Soviética e da Iugoslávia, e provocou uma revolução cujos participantes em muitos Estados ao redor do mundo estão lutando pela autodeterminação – e por sua própria versão da democracia. A revolução é uma tempestade estrondosa que está mudando o mundo para uma nova ordem global.

A campanha ideológica para espalhar a democracia pelo mundo deve ser interrompida. Em vez disso, deveria haver um compromisso com a promoção de uma nova ordem mundial baseada no exercício do direito à autodeterminação de nações e grupos étnicos em entidades politicamente autônomas, e um compromisso com a versão mais verdadeira da democracia: o governo pelo povo.

A maioria dessas entidades politicamente autônomas terão de formar ou participar de estruturas econômicas regionais ou continentais, e assim contribuir com a formação de uma nova ordem mundial cujo primeiro componente, ao contrário de muitos pontos de vista, será a União Europeia ainda em consolidação.

*Dov Ronen é professor de psicologia na Escola de Medicina de Harvard e autor de "A busca pela Autodeterminação".

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