quarta-feira, 24 de abril de 2013

Rival de Putin protagoniza julgamento histórico na Rússia

Alexei Navalny

Se alguém se propusesse a criar um inimigo político que faria Vladimir Putin se arrepiar, poderia muito bem pensar em Alexei Navalny. É por isso que o julgamento do popular ativista russo  é o mais importante da Rússia em décadas, nesta quarta-feira (24).

Navalny, que é advogado, ativista anticorrupção e blogueiro, já foi comparado a todo tipo de insurgente político, de Julian Assange a Nelson Mandela. Como um potencial líder político, ele há muito tempo superou Assange e não alcançou exatamente Mandela, mas está cada vez melhor. Ele é jovem (36), pensativo, politicamente astuto, agrada as multidões e aparentemente não tem medo. Ele tem domínio da internet e as habilidades de um repórter investigativo. (Ele compra ações de empresas estatais de petróleo e de bancos e usa sua condição de acionista minoritário para publicar irregularidades em seu blog LiveJournal.)

Ele é um russo étnico que incorporou uma leve dose de slogans nacionalistas em seu discurso. Isso desanimou alguns de seus amigos liberais, mas mostra astúcia. Isso o defende de certa forma contra a linha favorita de ataque de Putin, a de que os críticos são fantoches do Ocidente, e, mais importante, ajuda a ampliar o apelo de Navalny para além dos trabalhadores jovens com experiência nas mídias sociais, que são sua base.

Sua plataforma combina o libertarianismo de livre mercado, que apela para a crescente classe média da Rússia, e uma campanha implacável contra a corrupção, que amplamente ressoa em uma nação onde parece que toda transação envolve um suborno. (A Rússia detém um humilhante 133º lugar no índice de países onde as empresas podem investir com confiança, segundo a Transparência Internacional.) O "Moscow Times" chamou Navalny, em 2011, de "o único elegível" entre as figuras da oposição. Isso pode ser verdade, embora os melhores agitadores nem sempre se tornam os melhores presidentes - uma lição que a Rússia deveria ter aprendido com Boris Yeltsin.

Esta não é a primeira vez que o regime de Putin usou a lei e os tribunais penais (taxa de absolvição: 0,4%) para reduzir seus antagonistas. A perseguição do controverso magnata Mikhail Khodorkovsky foi um esforço imenso e em grande parte bem-sucedido para alertar os mais ricos da Rússia a não se enganarem, achando que o dinheiro lhes garante a liberdade de expressão. A farsa do julgamento de Sergei Magnitsky, advogado russo que ousou combater a fraude fiscal entre a elite e morreu por maus-tratos na prisão, foi uma mensagem para que ninguém interfira na roubalheira dos comparsas de Putin. E o julgamento do trio punk Pussy Riot avisou que o presidente não tem senso de humor, não quando a piada é com ele. Nenhuma dessas vítimas da justiça do Kremlin, no entanto, poderia mobilizar um público sério. Navalny pode, principalmente se nunca sair de uma lista negra da TV.

A principal acusação contra Navalny é a de que, como um assessor do governo regional em Kirov, ele desviou dinheiro de uma madeireira estatal. A revisão do caso feita por um escritório de advocacia de Chicago, para um cliente simpático à situação de Navalny, concluiu que as acusações eram uma farsa risível, e o Estado não ofereceu nada para refutar isso. Na verdade, as autoridades locais conduziram o que parece ter sido uma investigação minuciosa e concluíram que nenhum crime foi cometido. Mas o Comitê de Investigação federal, uma agência poderosa que serve Putin, entrou em cena e – sem acrescentar nenhuma prova nova – acusou Navalny de roubar mais de US$ 500 mil em madeira.

Provavelmente não se trata de uma coincidência o fato de que um dos alvos de uma denúncia recente de Nvalny seja o chefe do mesmo Comitê Investigativo, Alexander Bastrykin. Navalny publicou documentos comprovando que Bastrykin possuía secretamente um visto de residência e um imóvel na República Tcheca, levantando questões sobre sua fé no futuro da Rússia e, uma vez que a República Tcheca é membro da Otan, e sua vulnerabilidade à chantagem.

A esperança óbvia do Estado é que, ao condenar Navalny por acusações de ganância, isso diminuirá sua credibilidade como ativista anti-corrupção e, não por acaso, impedir suas ambições políticas. (A condenação por um crime grave é um fator de desqualificação para cargos públicos).

Eu suspeito que o público russo saiba exatamente o que está acontecendo. Este, na verdade, é o ponto. O julgamento é um show, e a moral deste drama é que, se você ergue a cabeça alto demais, você pode perdê-la. Numa entrevista em Izvestia que parece uma relíquia do cinismo da era soviética, Vladimir Markin, subserviente porta-voz do Comitê Investigativo, não deixou dúvidas sobre o verdadeiro crime de Navalny. Por que, perguntou o jornal, o caso foi colocado na frente da agenda do tribunal? O porta-voz respondeu: "Se uma pessoa tenta com todas as forças chamar a atenção para si mesma, ou , pode-se dizer, tenta insultar as autoridades –diz Olhe para mim, vocês estão todo cobertos de sujeira e eu estou tão limpo– bem, o interesse pelo seu passado aumenta, e o processo de expô-lo naturalmente se acelera."

Markin sugeriu que Navalny, que passou um semestre num programa de Yale para líderes estrangeiros promissores, é uma espécie candidato manchuriano das Universidades ocidentais, incentivado por mentores norte-americanos para provocar um conflito com o Kremlin que culminaria em sua prisão e demonstraria que a Rússia persegue aqueles que dizem a verdade.

O entrevistador perguntou por que, em vez de ameaçar Navalny com a prisão, o Estado não contratou sua experiência anticorrupção para ajudar a limpar o país. "Ninguém está impedindo as atividades públicas de Navalny", sorriu Markin. "Mesmo na prisão muitos condenados escrevem cartas e declarações, lutam contra as deficiências do sistema."
Amigos da Navalny – e pode-se pensar que isso é senso- comum – dizem que Putin é quem sai perdendo no caso. Ele vai desacreditar ainda mais o sistema judicial politizado. Ele corre o risco de tornar Navalny um mártir. Ele põe em risco o tratamento respeitoso que a Rússia recebe em todas as reuniões do G8, o G20 e do P5-mais-1, sem mencionar os Jogos Olímpicos de Inverno, em Sochi, no ano que vem. E num momento em que a Rússia precisa urgentemente de capital estrangeiro, usar leis econômicas para a repressão política assusta os investidores. "Putin não quer que a Rússia se tornar um pária", disse-me um amigo próximo de Navalny, esperançoso. "Ele não quer ser tratado como o presidente de Belarus".

Vamos torcer para que tudo isso seja verdade, mas Putin – especialmente nos últimos anos de seu mandato aparentemente interminável – não tem sido capaz de calcular com clareza o que é melhor para a Rússia, tampouco tem estado em contato próximo com o que o mundo pensa dele. Ele se tornou cada vez mais estranhamente narcisista, um dublê posando à cavalo e sem camisa, abraçando um urso polar sedado, pilotando um planador motorizado para liderar um bando de garças siberianas em migração. E se tornou mais mesquinho e vingativo, assinando uma lei de acabar com a adoção de órfãos russos por norte-americanos e obrigando organizações sem fins lucrativos a se registrarem como "agentes estrangeiros". Na campanha para transformar Navalny num exemplo, amigos e simpatizantes do ativista foram perseguidos, pesquisados, importunados e ameaçados. Autoridades apresentaram acusações contra o irmão de Navalny e deixaram vazar e-mails privados que sugeriam tensões no casamento de Navalny.

Navalny sabe, assim como Putin, que às vezes o medo funciona. Os seguidores de classe média do blogueiro, ao contrário das multidões de soviéticos pobres que apoiaram Yeltsin contra os comunistas ou os exércitos miseráveis da Primavera Árabe, realmente tem algo a perder.  

"A maioria da elite ou da elite empresarial", disse Navalny a Ellen Barry do The Times, "é de pessoas com pontos de vista liberais, mas que são covardes, elas simplesmente têm medo de tudo, elas estão tremendo o tempo todo, então vão ficar quietas."

"O ser humano é fraco", disse ele. "Não estou culpando ninguém, mas o ser humano é fraco."

Para os Estados Unidos, o caso de Navalny pede uma diplomacia calibrada. O presidente Barack Obama e Putin têm uma reunião bilateral marcada para setembro, e o governo está ocupado tentando salvar uma relação difícil. Seria errado deixar o caso impedir a cooperação no combate  ao terrorismo (como a ligação Boston-Tchetchênia nos faz lembrar), na redução dos arsenais nucleares ou a possível cooperação da Rússia na resolução das crises da Síria e do Irã, não que tenha havido muita cooperação até agora. Mas seria errado, também, fingir que o caso de Navalny não importa.

Espero que Obama preste atenção ao julgamento de fachada de Navalny. Ele aprenderá algo sobre o homem que está do outro lado da mesa, e também sobre o homem que, nunca se sabe, talvez um dia assuma o lugar do primeiro.

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