terça-feira, 2 de abril de 2013

Chefe do combate ao terrorismo na União Europeia analisa tensão no bloco

Gilles de Kerchove

Com sua aparência miúda e voz calma, Gilles de Kerchove (nascido em Bruxelas em 1956) desfia uma a uma as ameaças que a Europa enfrenta com as turbulências africanas, principalmente no Sahel. Como chefe do combate ao terrorismo da UE, Kerchove percorre o mundo buscando essa ameaça e tentando modernizar políticas que se revelaram insuficientes. A Espanha aposta muito nessas pesquisas. "Não é segredo que a ameaça do norte da África e do Sahel preocupa seriamente a França e a Espanha", explica o coordenador comunitário em seu sóbrio escritório na sede do Conselho Europeu.

O último episódio que comoveu o mundo foi o ataque terrorista a uma usina de gás na Argélia no início do ano, com o resultado de quase 70 mortos, alguns europeus. "Não me surpreenderia se no futuro houvesse novos ataques. O temor mais óbvio é pelos franceses, por causa da intervenção no Mali, mas também por outros países que os apoiam", alerta. Esse perigo se concretiza assim: "O que nos dizem os serviços de segurança é que um lobo solitário inspirado no que ocorreu na Argélia pode decidir atacar um alvo fácil". Na Europa? "Não contemplamos um episódio desse tipo na Europa, mas quando ocorrem fatos assim é no mínimo preciso revisar as políticas, e é isso que começamos a fazer", admite de maneira crítica.

Uma das principais preocupações de Kerchove é o número crescente de radicais que abandonam a Europa e se dedicam à luta armada na África. São os que a linguagem comunitária chama de "combatentes estrangeiros", que hoje procuram principalmente a Síria, mas também a Líbia, o Afeganistão ou o Paquistão. O coordenador antiterrorista estima que "algumas centenas" de europeus empreenderam essa viagem. Se os somarmos aos procedentes do norte da África ou dos Bálcãs, o número sobe para vários milhares, cifras "nada desprezíveis" que o responsável antiterror se recusa a concretizar ainda mais. O efeito reboque é devastador: "Muitos são atraídos por ideias falsas do que significa ser jihadista, e a maioria morrerá. Mas os que voltarem, mais treinados e radicalizados, poderão querer atacar na Europa ou no norte da África".

Para combater esse fenômeno, a UE precisa cooperar mais com a Turquia, "porque para ir à Síria é preciso passar por lá", e reforçar o sistema de coleta de dados de viajantes, medida que desperta muitos receios na Europa. Sem querer se pronunciar diretamente sobre o embargo de armas à oposição síria, que França e Reino Unido pedem para levantar para frear o massacre do regime, Kerchove defende acelerar o fim do conflito: "Pessoalmente, compartilho a análise do ministro francês do Exterior: quanto mais durar, mais se reforçarão os extremistas, os grupos próximos à Al Qaeda".

Embora as urgências econômicas desloquem quase tudo para o segundo plano, os países não podem se permitir descuidar da região africana. "Se não enfrentarmos a questão do Sahel, mais tarde poderemos ter um problema sério. Quando as pessoas se perguntam se foi inteligente intervir no Mali, a resposta é sim: para evitar a consolidação de um refúgio seguro pela porta de trás da Europa. Não podemos deixar que evolua, porque o próximo passo será um movimento muito mais forte", alerta o especialista belga.

Diante dos meios tradicionais das forças policiais, o radicalismo corre como pólvora pela Internet, uma ferramenta eficaz para captar e treinar combatentes. "Temos de fazer muito mais ali, especialmente nas redes sociais", admite o chefe antiterrorista, no cargo desde que foi nomeado por Javier Solana em 2007. Detectar essas mensagens exige rastrear a web, e para isso é preciso a cooperação dos provedores, que até agora "mostraram reservas". Trata-se, em todo caso, de uma luta complexa entre a liberdade de expressão e o controle do radicalismo. "Não queremos estabelecer um 'grande irmão'", explica.

Mas além do perigo terrorista Kerchove está preocupado com "a crescente xenofobia que vive a Europa devido à crise, especialmente em relação aos muçulmanos". Isso o faz recorrer a subterfúgios cada vez que fala do terrorismo de origem islâmica. "Nunca uso a palavra 'islâmico'. Prefiro falar de terrorismo inspirado ou ligado à Al Qaeda", explica, consciente de que a menção à Al Qaeda é difusa demais.

Antes de tudo, Kerchove acredita que a luta antiterrorista deve respeitar os direitos humanos. "Por isso Obama decidiu anular os voos secretos da CIA, os campos de detenção, as torturas..." Além de uma atrocidade, violar os direitos humanos é, na opinião dessa autoridade europeia, uma ameaça para os soldados: "Se você viola os direitos humanos, põe todos os seus companheiros em perigo, porque se gera um sentimento de vingança".

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