quinta-feira, 7 de março de 2013

Sem Chávez, chega ao fim uma era na América do Sul


Hugo Chávez será lembrado por mudar completamente a face tanto da Venezuela quanto de grande parte da América Latina. Durante seu governo, ele quase sempre conseguiu o que queria. Mas seus métodos não eram universalmente apreciados. Sua morte na terça-feira (5) marca o fim de uma era.

"Estou disposto a ficar com vocês até 2019, até 2021 e o que Deus e o povo mandarem", disse Hugo Chávez em 2008. Na época, o presidente venezuelano e nacionalista de esquerda estava no ápice de seu poder. Com 54 anos e na presidência há dez anos, ele planejava de forma enérgica e confiante para a próxima década como o chefe de Estado há mais tempo no poder na América Latina.

Na época, era inimaginável que esse orador dotado e ex-oficial militar ficaria gravemente doente quando as eleições presidenciais de 2012 chegassem. Um ano antes daquela votação, Chávez passou pela primeira das quatro operações para livrá-lo do câncer. Nos últimos meses, sua imagem pública passou a ser dominada principalmente pelos relatos sobre sua saúde e procedimentos cirúrgicos adicionais – uma queda significativa para um homem que representava um desafio espinhoso para a elite política da América do Sul e que via a si mesmo como um baluarte contra os Estados Unidos.

Agora, Chávez sucumbiu à sua doença; o vice-presidente Nicolás Maduro anunciou a morte do líder no final da tarde de terça-feira, logo após a publicação da notícia de uma infecção respiratória "severa". Ele tinha 58 anos.

Maduro anunciou sete dias de luto oficial, com o funeral público marcado para sexta-feira (8). Novas eleições serão realizadas em 30 dias. "É um momento de profunda dor", disse Maduro, que permanecerá no poder até a votação. "Seu projeto, suas bandeiras serão erguidas com honra e dignidade. Comandante, obrigado, muito obrigado, em nome das pessoas a quem você protegeu."

A morte de Chávez marca o fim de uma vida dinâmica. Filho de professores escolares da cidade de Sabaneta, no Estado de Barinas, Chávez rapidamente ascendeu nas fileiras militares para se tornar tenente-coronel, antes de chegar à Presidência do país rico em petróleo. Em 1992, ele tentou tomar o poder em uma tentativa fracassada de golpe contra o presidente Carlos Andrés Pérez. Ele foi perdoado depois de passar dois anos preso. Depois disso, ele buscou o caminho político para o poder na Venezuela.

Mudando o país
Não demorou muito. Nas eleições de dezembro de 1998, Chávez venceu com 56% dos votos. Ele personificava um novo projeto, uma alternativa à elite corrupta e aos democrata-cristãos e social-democratas que se alternavam no poder há décadas.

O projeto mudaria completamente o país, um "reboot" liderado por Chávez. Ele reescreveu a Constituição, retirou o poder do antigo Parlamento e o substituiu por um novo, e concentrou o poder em suas mãos. Ele entregou altos cargos políticos para seus confidentes mais próximos. Talvez mais importante, ele assegurou o controle sobre o tesouro mais valioso do país: o petróleo. Sendo a Venezuela uma das maiores produtoras do mundo de óleo cru, a receita do petróleo seria um elemento significativo do poder de Chávez, e ele não hesitou em nacionalizar partes do setor.

Chávez governou a Venezuela como se fosse sua fazenda particular. Mas mesmo assim ele cuidou para que seu governo fosse constantemente legitimado pelas urnas. No total, ele conseguiu sobreviver a quatro eleições, uma tentativa de golpe de Estado e um referendo nacional.

Ele queria assegurar que, quando deixasse o poder, isso ocorreria em seus próprios termos. Quando sentia o perigo, ele entrava no modo garantidor da paz e da ordem, como fez antes de sua mais recente vitória eleitoral em outubro de 2012. Ele insistia para os eleitores que, caso não fosse eleito, o país mergulharia na guerra civil. Ele cuidou para que a profecia não fosse uma ameaça vã, entregando milhares de fuzis Kalashnikov aos seus seguidores e fortalecendo as milícias bolivarianas que ele criou para patrulhar as favelas. Sua justificativa, como fazia com frequência, era a suposta ameaça de uma invasão americana; uma guerra de guerrilha os aguardava, alegava Chávez. Mas na verdade, as milícias eram pouco mais que esquadrões paramilitares que visavam assegurar o controle do país pelo presidente. Elas ameaçavam tanto jornalistas quanto ativistas da oposição.

Apesar de sua doença e de um crescente movimento de oposição, Chávez conseguiu vencer a eleição no ano passado. Mas, mesmo assim, ficou claro que ele estava perdendo seu domínio. Nos últimos anos, a Venezuela vem produzindo petróleo quase que exclusivamente para exportação, mas ainda assim tem visto uma queda dos lucros em casa. No final, Chávez redirecionou grande parte da receita obtida pela companhia de petróleo estatal PDVSA para programas sociais e para seu próprio tesouro de campanha, a ponto de pouco restar para os investimentos muito necessários na infraestrutura da empresa. A produção de petróleo do país está caindo há anos, apesar de suas reservas gigantes.

Escassez aguda
Além disso, há escassez aguda de alguns alimentos no país, levando ao tipo de racionamento visto em Cuba, um país que Chávez sempre admirou. Caracas, a capital da Venezuela, se transformou na metrópole mais perigosa na América Latina, com a taxa mais alta de homicídios do continente.

Em consequência, sua popularidade tem caído. Apesar da classe média do país ter apoiado Chávez em 1998, após ele limpar a corrupção e ganância de seus antecessores, ela começou recentemente a se voltar contra ele. Apenas as classes mais baixas do país continuam a apoiá-lo. Afinal, ele foi o primeiro presidente venezuelano a dar atenção a elas, criando programas sociais generosos e criando 34 chamadas "missões", programas de ajuda e educação financiados com bilhões de dólares.

No final, as missões se transformaram na espinha dorsal de seu governo; desde 1999, Chávez injetou 300 bilhões de euros no sistema. Segundo as estatísticas do país, ele conseguiu reduzir o número de cidadãos na pobreza, de metade da população para menos de um terço, durante seu governo.

Isso, certamente, se tornará parte de seu legado histórico. Assim como seu foco, após os anos 90 neoliberais, na distribuição injusta das riquezas do país e na exploração dos recursos nacionais por multinacionais.

Ele também injetou uma nova autoconfiança aos esquerdistas por toda a América Latina, abrindo caminho para vitórias eleitorais de Evo Morales na Bolívia e Rafael Correa no Equador. De fato, Chávez há muito é uma influência que vai muito além das fronteiras de seu país. Desde que assumiu a presidência em fevereiro de 1999, nenhum líder latino-americano mudou a paisagem política do continente mais do que ele.

Generosidade
Sem Chávez, a América Latina não seria a mesma que é hoje", diz o cientista social Heinz Dieterich, que foi um confidente do falecido presidente e um dos criadores do "Socialismo do Século 21", que Chávez buscou estabelecer no país e, se possível, exportar para outros lugares na América Latina. Ele fornecia para Cuba e Nicarágua petróleo barato e ajuda econômica generosa; em ambos os países, a economia passa por altos e baixos segundo a quantidade de assistência que recebem de Caracas. O Haiti e muitos outros países caribenhos foram igualmente recebedores da generosidade de Chávez.

Ele também olhou mais além. Com entusiasmo quase messiânico, ele buscou alianças com líderes de mentalidade semelhante em outros lugares do mundo e ficou feliz em fornecer ajuda econômica em troca de amizade política. O eixo dessa cooperação foi formado no final por Belarus, Rússia, Irã e China.

Em seu auge, Chávez era onipresente em seu país. Em seu programa de TV dominical, "Aló Presidente", ele pregava, apostava e polarizava por até oito horas ao vivo. Ele assumia o papel tanto de "entertainer" quanto de principal articulador do país, defendendo sua teologia da libertação e sua retórica revolucionária, dando polimento lírico às realizações de seu governo, dando lições de história ou fazendo críticas ao "império" –seu termo para os Estados Unidos. Chávez era um showman nato, dado a maratonas de oratória– Chávez era o narcisista de Caracas.

Um déspota comum?
Mas era difícil ter uma ideia do homem por trás dessa interpretação sem fim. Seu ex-professor na academia militar em Caracas já descreveu Chávez como sendo seu aluno mais inteligente. Seus críticos na Venezuela e no exterior o consideram doente ou egomaníaco, um político frio ávido por poder, que buscou um programa político claro: implantar sua Revolução Bolivariana na Venezuela e levá-la ao restante da América Latina.

Não há dúvida de que Chávez sentiu o chamado para realizar a obra do grande libertador Simón Bolívar, que a partir de 1813 primeiro derrotou os espanhóis e depois libertou a Venezuela, Colômbia, Peru e Equador do domínio colonial. Na visão de Chávez, os Estados Unidos e a oposição em seu próprio país eram os mestres coloniais modernos que precisavam ser derrotados. Em sua profunda reivindicação ideológica para conseguir o controle completo de seu país, ele se tornou a epítome do governante carismático.

Após se encontrar com Chávez anos atrás, o escritor Gabriel García Márquez disse ter ficado sem saber se tinha falado com um visionário, capaz de salvar a América Latina, ou com um sonhador, que se transformaria em um déspota comum latino-americano.

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