terça-feira, 12 de março de 2013

Ícone da democracia, Aung San Suu Kyi é acusada de não dividir o poder

Aung San Suu Kyi, que foi reeleita para a liderança da Liga Nacional pela Democracia

Aung San Suu Kyi é unanimidade dentro de seu partido e continua sendo objeto de um verdadeiro culto em Mianmar (ex-Birmânia). Mas, entre as elites que apoiaram sua luta contra o antigo regime militar, há quem tenha começado a criticar as posições e, às vezes, o comportamento daquela que foi o ícone incontestado da democracia.

No domingo (10), a ex-dissidente foi reeleita de forma triunfante para a liderança da Liga Nacional pela Democracia (NLD) por 900 membros após o primeiro congresso de um partido do qual ela foi um dos membros fundadores, em 1988.

Dessa forma, a líder da oposição birmanesa, deputada da câmara baixa do Parlamento desde as eleições parciais da primavera de 2012, viu seu status ser renovado após um congresso que tinha como um dos objetivos rejuvenescer um partido que ainda está sujeito a difíceis dissensões internas.

"Até hoje ela foi a líder de uma organização excessivamente centralizada dentro da qual ninguém ousava criticá-la ou lhe falar o que pensava", lamenta Win Tin, 83. Este, que é um dos fundadores do partido, jornalista encarcerado durante 20 anos, agora é membro de um "conselho de anciãos" encarregado de dar assistência a partir de seu olimpo de octogenários. "Estou ao lado dela desde o começo, mas nunca hesitei em lhe dizer o que eu realmente pensava."

"Daw" (senhora, em birmanês) Suu Kyi reconheceu, durante um discurso pronunciado em preâmbulo a um congresso realizado em um restaurante da capital, que a NLD às vezes era palco de "brigas" entre membros rivais que se passam para trás por questões de baixeza política. Ela afirmou que a prioridade é retomar um "espírito de fraternidade" e garantir "a contribuição constante de sangue novo".

Para muitos especialistas, não será fácil cumprir essas promessas de fazer dessa organização de 1,3 milhão de membros um partido capaz de garantir a transição política ainda que o país esteja envolvido em um processo sem precedentes de democratização.

Em 2015, as próximas eleições gerais têm todas as chances de levar a Liga ao poder e Aung San Suu Kyi, hoje com 67 anos, poderá então se tornar chefe do Estado. Uma perspectiva impensável até recentemente para aquela que, durante quinze anos, ficou confinada em sua residência de Yangun pelos generais da junta então no poder. Mas uma mudança constitucional deverá ser feita para permitir que ela chegue à função suprema. Sua condição de ex-esposa de um britânico a impede no momento de se tornar presidente, uma vez que a Constituição veta aquele ou aquela cujo esposo, esposa ou filhos seja de nacionalidade estrangeira.

Por ora, a NLD lembra uma organização de massa, bem estabelecida em nível local em muitas regiões do país, mas cuja liderança permanece tomada por membros idosos, sofrendo de um verdadeiro déficit de políticos capazes.

Além disso, a personalidade de Aung San Suu Kyi faz com que algumas pessoas duvidem de sua capacidade de aceitar opiniões contrárias a seus posicionamentos. Seu círculo mais próximo também é fortemente criticado por muitos aliados do partido por seus excessos autoritários.

"Ela é auxiliada por incompetentes que passam uma má imagem ao partido e ela tem tendência a se isolar", diz Hla Hla Win, uma jovem jornalista que ficou presa durante três anos por ter coberto ilegalmente a revolta dos monges em 2007.

"Hoje, às vezes se tem a impressão de que o presidente Thein Sein [ex-premiê da junta e idealizador das reformas em andamento] é mais acessível do que Aung San Suu Kyi", ironiza a jovem de 29 anos.

Declarações recentes da "Daw" causaram mal-estar. "Gosto muito do exército", ela ousou dizer durante uma entrevista à BBC. "É um erro da parte dela; entendo que ela possa estar demonstrando flexibilidade por razões políticas, mas ela não deveria dizer coisas do tipo", lamenta Bo Kyi, presidente da associação de ex-prisioneiros políticos, ele mesmo encarcerado durante sete anos na época da junta.

Antes que o congresso fosse realizado, quatro representantes foram declarados persona non grata em razão de críticas proferidas contra dirigentes da NLD. "Não há nenhuma democracia nesse partido", fulmina uma dos "afastados" do congresso, Mi Mi Gyi, de 49 anos. Embora sua modesta casa de madeira em um bairro da periferia de Yangun pareça uma espécie de templo dedicado à "deusa" Suu Kyi, onde a proprietária pode ser vista em uma foto junto com a ícone, Mi Mi Gyi está furiosa: "Não tenho raiva de Daw Suu, a quem admiro, mas ela se cercou de pessoas que estão praticando o favoritismo. Você não pode falar nada, senão está fora. Por exemplo, o ex-general Tin Oo [e ex-vice-presidente do partido] age como um verdadeiro ditador!"

Por enquanto Aung San Suu Kyi parece constrita em uma rigidez que é uma das características de uma personalidade que lhe permitiu passar por anos de confinamento. No domingo, durante uma coletiva de imprensa organizada para os jornalistas birmaneses, ela rejeitou veementemente as críticas. "Se na NLD há quem acredite que temos uma liderança autoritária, bem, eles não precisam votar em nós! Somente quatro pessoas, entre os 900 representantes, foram excluídas das deliberações do congresso por não terem respeitado as regras do partido. É pouco", ela declarou. Ao perguntarem quais eram as causas dessa exclusão, sua resposta foi educada, mas seca: "Você deve perguntar ao comitê de organização!"

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