segunda-feira, 11 de março de 2013
China estimula marfim ilegal
Investidores chineses o batizaram de "ouro branco". Escultores e colecionadores preferem o termo "gema orgânica". Mas os contrabandistas usam um termo sinistro e franco para descrever as presas de elefantes africanos que chegam a este entreposto comercial remoto na fronteira vietnamita.
"Nós as chamamos de dentes sangrentos", disse Xing, marceneiro e traficante de marfim. Ele atua num comércio clandestino que levou à retomada dos chamados por uma proibição internacional total das vendas de marfim.
Para a revolta de grupos conservacionistas que lutam para acabar com o massacre de elefantes africanos e para o constrangimento dos organismos policiais chineses, o negócio lucrativo de Xing com o marfim representa apenas uma gota em uma trilha de sangue que se estende desde a África até showrooms e coleções particulares chinesas.
"O futuro dos elefantes depende dos chineses", disse Iain Douglas-Hamilton, fundador da organização Save the Elephants. "Se as coisas continuarem como estão, muitos países podem perder seus elefantes por completo."
A União Internacional para a Conservação da Natureza, uma rede conservacionista global, estimou, no ano passado, que existem em toda a África entre 472.269 e 689.671 elefantes, mas a estimativa é baseada em cifras de 2006, e a caça ilegal aumentou dramaticamente desde então.
Críticos dizem que o governo chinês não está fazendo o suficiente para frear o comércio ilegal de marfim, que explodiu nos últimos cinco anos, desde que conservacionistas e governos acordaram um programa de vendas limitadas de marfim, visando combater a caça ilegal e reativar um ofício secular.
Desde o início de 2012, mais de 32 mil elefantes foram abatidos ilegalmente, segundo a organização de defesa da fauna Born Free Foundation. Conservacionistas dizem que a maior parte do marfim vendido na China é de origem questionável.
As vendas legalizadas de marfim foram uma dádiva para entalhadores e intermediários, que ajudaram a alimentar a demanda por suprimentos. Mas as pessoas que investigam o comércio de marfim na China dizem que o aumento vertiginoso nas vendas -e o incentivo à caça ilegal- podem estar vinculados a uma combinação de incompetência policial e corrupção.
Para os conservacionistas, a única maneira de salvar o elefante africano é proibir a venda de marfim por completo. Especialistas dizem que os elefantes africanos vêm sendo abatidos no mais alto ritmo das últimas duas décadas, em grande medida para atender à demanda da crescente classe média chinesa. "Está claro que a China é quem alimenta o comércio ilegal de marfim", declarou Tom Milliken, da rede Traffic, que monitora o comércio ilegal de animais silvestres.
A intenção era que as coisas fossem diferentes. Em 1989, a Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção), apoiada pela ONU, proibiu a venda de marfim num esforço para sustar o que os conservacionistas diziam ser um "holocausto" dos elefantes.
Mas, em 2008, com a recuperação dos rebanhos, a Cites concordou com um polêmico leilão único para o marfim africano armazenado no Japão e na China, com a renda sendo revertida para a conservação da fauna e da flora. Como parte do acordo, o governo chinês lançou um complexo sistema de documentação para rastrear cada talha produzida a partir das 62 toneladas métricas de marfim leiloado que obteve. Os defensores do acordo esperavam que a enxurrada de marfim regulamentado, a preço baixo, enfraquecesse o comércio ilegal.
Mas o leilão fracassou. O comércio regulamentado de marfim proporcionou a entalhadores e colecionadores chineses inescrupulosos a camuflagem legal para comprarem e venderem presas de contrabando. Grupos de defesa da fauna e da flora dizem que o governo chinês é parcialmente responsável por isso.
Agravando a situação
Depois de obter o marfim leiloado a preços artificialmente baixos, empresas estatais chinesas começaram a vender quantidades limitadas a fábricas de entalhes por valores até oito vezes superiores aos que tinham sido pagos no leilão. Em vez de sufocar a venda de marfim ilegal, o aumento nos preços tornou a caça ilegal ainda mais atraente.
Em 2011, por exemplo, o marfim leiloado rendeu cerca de US$ 94 milhões, o dobro do total do ano anterior, segundo a Associação de Leiloeiros da China. Apesar de em 2011 o governo chinês ter proibido as casas de leilões de venderem marfim, as vendas continuam.
Cada talha vem com um certificado emitido pelo governo. Mas conservacionistas dizem que o sistema foi largamente corrompido. De acordo com o Fundo Internacional para o Bem-estar Animal, os próprios certificados de registro tornaram-se bens valiosos no negócio da lavagem de marfim. Foram encontrados vendedores que estavam reutilizando certificados de identificação ou os vendendo a agentes não licenciados. O proprietário de uma fábrica de entalhes antes ilegal disse a investigadores que pagou US$ 321 mil por uma licença que, oficialmente, é gratuita.
A Administração Florestal Estatal, responsável por fiscalizar o comércio legal de marfim, diz que expulsa três vendedores do sistema a cada ano por infração às regras. Desde que foi rescindida a proibição da venda de marfim, o número de empreendimentos licenciados subiu para 37 fábricas de entalhes e 145 lojas.
Preços em alta
O preço do marfim também subiu. No leilão de 2008, as empresas estatais pagaram US$ 150 pelo quilo de marfim e então venderam sua primeira cota às fábricas por até US$ 1.100 o quilo. Hoje, o quilo de marfim bruto sai por mais de US$ 2.600.
Organizações de defesa da natureza dizem que não há oferta legal suficiente para cobrir a quantidade de marfim vendida oficialmente na China. A Agência de Investigação Ambiental estima que até 90% do marfim que circula na China seja ilegal.
O marfim está profundamente arraigado na identidade chinesa. As narrativas tradicionais falam de imperadores que acreditavam que os "pauzinhos" de marfim usados para comer mudariam de cor ao contato com alimentos envenenados. A medicina chinesa considera que o pó de marfim elimina toxinas do corpo.
China defende ações
O governo chinês alega que está fazendo tudo o que pode ser feito para reprimir o contrabando de marfim. Autoridades dizem que cerca de 900 apreensões são feitas anualmente no país.
Mas críticos afirmam que o governo não enfrentou as organizações criminosas responsáveis por levar volumes imensos de marfim contrabandeado para dentro do país. Depois que as autoridades começaram a combater os carregamentos vindos de determinados países africanos, as redes de contrabando começaram a embarcar o marfim em portos intermediários, de modo que ele pareça estar vindo de outro lugar.
Em janeiro, a Alfândega de Hong Kong confiscou quase 1.400 quilos de marfim, no valor de US$ 1,4 milhão, escondidos debaixo de pedras num contêiner que chegou do Quênia, passando pela Malásia. A partir do momento em que as presas ingressam na China, o traficante Xing usa o que ele descreve como seu "canal especial": veículos pertencentes às Forças Armadas.
As autoridades chinesas negam que haja corrupção no comércio ilegal de marfim. Dizem que a população enorme do país faz com que seja impossível acabar com o tráfico.
O governo chinês faz lobby para aliviar as restrições. Em 2012, um funcionário do governo escreveu ao secretariado do Cites dizendo que a China deveria ser autorizada a comprar presas confiscadas, além das que são obtidas legalmente. A demanda asiática, escreveu, requer 200 toneladas de marfim bruto por ano: a vida de 20 mil elefantes.
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