quinta-feira, 14 de março de 2013

Após morte de Chávez, líderes disputam direção do movimento bolivariano


O caudilho Hugo Chávez foi sucedido por um sindicato. E não porque Nicolás Maduro, presidente encarregado e candidato a suceder a si mesmo, tenha sido sindicalista, mas porque o clã dirigente do chavismo, quaisquer que sejam suas diferenças internas, entende a necessidade de formar um sindicato de trabalhadores do poder, que garanta a chefia do Estado para os próximos anos. Mas uma empresa, o Chavismo S.A., nunca pode suceder totalmente a um mito. Por isso, a disputa pela direção do movimento bolivariano está aberta.

Os dois membros da equipe promotora que historicamente têm maiores direitos a tentar preencher o vazio deixado pela morte do líder venezuelano, Rafael Correa, do Equador, e Evo Morales, da Bolívia, além de carecerem de base demográfica e econômica para que sejam levados a sério, são mais bolivarianos de ocasião do que suas declarações habitualmente denotam. O presidente boliviano, quando exalta proezas da independência, se refere a remotas insurreições indígenas com muito maior entusiasmo do que pode fazer do libertador de Caracas. Morales pretende des-hispanizar a Bolívia, e isso exclui como projeto de futuro tudo o que Simón Bolívar poderia prever para o altiplano. E o presidente do Equador se encontrou muito só no que também concebe como epopeia nacional refundadora, consciente de que nem o indigenismo como solução à maneira de La Paz, nem a virulência "piti-yanqui" de Caracas, eram seus maiores objetos de desejo. Pode ser que se escolham os amigos, mas os aliados raramente, e por isso Correa procurou deixar sempre aberta a porta para a Europa. Foi Washington quem, com sua desatenção incomodada, federou os três bolivarianos.

E assim poderia surgir, como afirma Mariano Obarrio em "La Nación", de Buenos Aires, uma terceira e interessante candidatura. A de Cristina Fernández de Kirchner, presidente da Argentina, que também aspira a refundar sua visão de um antigo peronismo.

Entretanto, o país se viu durante a maior parte do século 20 como um prolongamento da Europa no Cone Sul, como uma nação de eurodescendentes, exceto em seus limites setentrionais com a Bolívia, e embora o peronismo tenha estabelecido uma narrativa própria que era obreirista e perfeitamente assimilável ao europeu, ainda hoje é discutível quão latino-americana se sente a Argentina, e quanto é seu apetite por confrontar-se com os EUA.

A América Latina, com maior peso internacional e maior consciência de si mesma que jamais no passado, mas também, talvez por isso, mais dividida, conhece hoje uma hierarquização e um jogo de equilíbrios entre Estados, como o que inaugurou na Europa o Tratado de Vestfália em 1648. A favor da retirada do México dos assuntos latino-americanos, ao que hoje afirma que vai remediar o presidente Peña Nieto, o Brasil encontrava um campo relativamente livre para sua reivindicação de grande potência, mesmo que da boca para fora a abraçasse a outra prima-dona da esquerda, o presidente venezuelano. O serviço que Hugo Chávez prestou, deliberadamente ou não, ao presidente Lula foi impagável. O radicalismo do ex-tenente-coronel permitiu que o Brasil se apresentasse ao mundo como um ator representante de uma esquerda "bon enfant", com a qual o Ocidente tinha interesse em tratar. E ainda com Chávez muito na ativa o pólo radical bolivariano sofria vários tropeços: Manuel Zelaya, derrubado por um golpe militar em Honduras (2009) e Fernando Lugo, destituído com maiores laivos de legalidade no Paraguai (2012), eliminavam dois catecúmenos da chapa chavista. Um radicalismo que não crescesse servia como ninguém às aspirações geopolíticas de Brasília.

Se a presidente Kirchner conseguir dar credibilidade à continuidade do bloco, Dilma Rousseff poderá contar de novo com uma esquerda à sua esquerda, quase tão ruidosa quanto a de Caracas, mas que ao mesmo tempo reedita uma rivalidade continental Buenos Aires-Brasília de alto pedigree histórico. E a narrativa brasileira é a de mediador natural entre o Ocidente e esse radicalismo latino-americano. A senhora da Casa Rosada optará por mais uma reeleição e tentará preencher esse espaço? Nem toda a eurodescendência argentina ficará encantada.

Se Nicolás Maduro conseguir instalar o sindicato em Miraflores, se encontrará extremamente ocupado pondo ordem em uma economia oscilante e em redefinir um legado farto de olhar para dentro. A geopolítica em que se movia agilmente o grande líder bolivariano estará em leilão. E a América Latina seguirá muito atenta esse processo, especialmente a Cuba castrista, que mal pode sair ganhando com todas essas mudanças.

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