segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Primavera Árabe deve ajudar povo curdo, diz primeira curda eleita para o Parlamento da Turquia

Leyla Zana 

Aos 51 anos, ela é miúda mas poderosa. Ao chegar a um café em um shopping-center lotado, ela só se senta depois que seu irmão verifica o local. Geralmente relutante em falar com jornalistas, Leyla Zana tornou-se cautelosa, mas não perdeu sua determinação de lutar pelos direitos dos curdos e das mulheres.

Nascida na província de Diyarbakir, no sudeste da Turquia, em 1961, ela abandonou a escola elementar porque não compreendia a língua falada nas aulas - turco - e era proibida de falar a sua.

Casada aos 14 anos com Mehdi Zana, um político curdo cerca de 20 anos mais velho, que se tornou prefeito de Diyarbakir e passou 16 anos na cadeia depois do golpe militar de 1980, ela se viveu sozinha com dois filhos. Aprendeu turco com eles quando foram para a escola, e também encontrou sua voz política. Zana tornou-se, em 1991, a primeira mulher curda eleita para o Parlamento da Turquia.

Lá, enfureceu os nacionalistas ao usar na cabeça uma faixa amarela, vermelha e verde - as cores curdas -, e entre vaias recitou o juramento formal em turco, acrescentando no final uma frase em curdo, pedindo a irmandade entre as duas etnias. Foi a primeira vez que se falou curdo no Parlamento.

Contra esse pano de fundo, a Turquia de hoje avançou muito. O uso do curdo em público é legal hoje e está lentamente se expandindo para alguns cursos e possivelmente para tribunais, juntamente com emissões de rádio e TV pela TRT, a emissora pública nacional.

No ano passado, Zana fez uma visita antes inconcebível - ao primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan. Algumas semanas antes ela havia dito que Erdogan poderia solucionar a questão curda, uma declaração que atraiu críticas ferozes de inimigos e mesmo de amigos que a consideraram ingênua.

"Quando você critica, deve oferecer uma alternativa, e eles não fizeram isso" - é sua resposta às críticas. "Na Turquia hoje, o número de mortos dos dois lados prejudica a sociedade como um todo. Os fundos deste país, bilhões de dólares, são gastos nesse conflito. Já existem as condições necessárias para que a questão curda seja solucionada; esta oportunidade não deve ser desperdiçada."

"Eu sempre tentei ser a voz dos silenciados", ela disse em outro momento de uma animada conversa de 45 minutos. "Sim, a luta deu resultados. Isso é bom, mas não o suficiente. Os turcos apenas começam a compreender os curdos. Eu tenho fé em ambos. Temos muito mais dificuldades para enfrentar. Cada sistema é o espelho de uma sociedade. Se as pessoas ainda são presas neste país por causa de suas opiniões e sua identidade, isso mostra o nível de desenvolvimento e democracia."

De fato, muitos ativistas curdos estão detidos sem julgamento como parte de um caso contínuo de terrorismo que percorre os tribunais.

A carreira política de Zana foi interrompida em 1994, quando seu partido foi fechado pelo governo e sua imunidade, suspensa; ela foi condenada juntamente com outros deputados em várias acusações, incluindo separatismo e colaboração com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK na sigla em curdo), proscrito. Ela passou dez anos na prisão. Enquanto isso, ganhou o Prêmio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, do Parlamento Europeu, em 1995.

"A prisão pode ter me capturado fisicamente, mas nunca mentalmente", ela disse. Como muitos revolucionários na história, Zana aproveitou para aperfeiçoar sua mente. "Li muito enquanto estava presa, me eduquei e questionei muito."

Ela situa o início de seu ativismo na Turquia governada pelos militares na década de 1980. "Eu via a opressão, via a brutalidade, tinha de fazer algo contra a injustiça", ela disse, lembrando em particular de uma mulher idosa atirada ao chão por um policial por falar curdo, enquanto as esposas de prisioneiros esperavam horas para ver seus amados.

Os demógrafos estimam que os curdos, que são uma minoria considerável também no Iraque, na Síria e no Irã, representam cerca de 15 milhões da população turca de 75 milhões. "Os curdos querem ter um estatuto", diz Zana. "Que tipo de governança e autonomia eles escolhem, cabe a eles. Mas primeiro e principalmente eles querem ter sua identidade reconhecida e seus direitos respeitados."

Zana conhecia Sakine Cansiz - uma das três mulheres ativistas curdas mortas a tiros em Paris no mês passado - há 25 anos. Ignorando as ordens dos médicos para não voar por causa de problemas no ouvido, Zana foi à França, elogiou Cansiz, uma cofundadora do PKK, como uma "pioneira" e uma "mulher curda esclarecida".

As diferenças de Zana ao longo dos anos com o PKK e sua luta armada são assuntos sobre os quais ela hesita durante este encontro. As mortes de Cansiz e das duas outras mulheres levantaram perguntas sobre divisões entre curdos e turcos quanto à medida do governo turco de aceitar o líder do PKK preso, Abdullah Ocalan, em negociações para o fim do conflito curdo.

No atual turbilhão no Oriente Médio, os curdos podem resolver seu destino? "Um novo processo começou no Oriente Médio, provando que os regimes ditatoriais não podem mais ser aceitos", respondeu Zana. "Eu acho que estamos vendo uma resistência geral à injustiça", uma luta maior que deve ajudar, e não prejudicar, os curdos.

"Os curdos serão livres um dia", ela disse. "Não sei se conseguirei ver isso, mas sei que quando eu deixar este mundo o farei com a consciência limpa, pois dei o melhor de mim."

E as mulheres? Ela suspira, mas nota um "despertar social".

"Hoje as mulheres na Turquia correm para as ruas e fazem ouvir suas vozes", ela disse. "No passado, gritavam para existir como seres humanos; hoje elas gritam para expressar suas ideias e ideais. Superamos muitas dificuldades. A opinião geral era: se você é homem, tem valor; se é mulher, não tem. Essa mentalidade estreita tinha de ser destruída. Uma mulher é igual a um homem. Entretanto, nessa mudança de equilíbrio os homens não devem ser escravizados enquanto as mulheres encontram sua liberdade. O objetivo é caminhar lado a lado, juntos."

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