terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Antigo colega chama presidente do Egito de "mestre do disfarce"

Mohammed Mursi

Mohammed Mursi é um enviado da paz ou um antissemita terrível? Um antigo membro da Irmandade Muçulmana, que conhece Mursi há 13 anos, acredita que há um ódio profundo por trás do verniz de boa vontade do presidente do Egito para com Israel.

Mohammed Mursi pode ser muito simpático, mesmo em relação aos judeus, como evidenciado por uma carta extremamente amigável que o presidente egípcio enviou a Israel em outubro. O presidente havia escrito pessoalmente a carta de acreditação de seu novo embaixador em Tel Aviv, endereçada a Shimon Peres, a quem ele se dirigiu como "caro amigo". Na carta, Mursi claramente invocou as "boas relações que felizmente existem" entre os dois países e prometeu "preservar e fortalecer" essas relações.

O governo em Jerusalém não esperava palavras tão calorosas de um presidente saído da Irmandade Muçulmana. Imaginando que poderiam estar sendo vítimas de uma falsificação, os israelenses publicaram a carta. Mas Cairo confirmou que, de fato, a carta era genuína, e Jerusalém reagiu com alívio. O Estado judeu havia perdido um parceiro confiável com a queda do antecessor de Mursi, Hosni Mubarak, e agora havia esperança que talvez Mursi não confirmasse todos os temores israelenses.

Mas o presidente egípcio, que está visitando Berlim nesta semana e vai se reunir com a chanceler Angela Merkel, defensora de Israel, parece ser um homem de duas faces. Ele é conciliatório como líder do Egito, dizendo que quer ser o "presidente de todos os egípcios", apesar de apenas um quarto dos 50 milhões de eleitores do país terem votado nele. E, é claro, ele insiste que seu país vai cumprir todas suas obrigações da era de Mubarak, inclusive o tratado de paz com Israel e a política de cooperação com os Estados Unidos.

Em meados de janeiro, contudo, os diplomatas e políticos ocidentais viram um Mohammed Mursi muito diferente, um homem cheio de ódio pela "entidade sionista", expressão que os islamistas usam para se referir ao Estado judeu. Um vídeo de quase três anos, publicado pelo Instituto de Pesquisa da Mídia do Oriente Médio em Washington (Memri), mostra o político islâmico praticamente espumando da boca, enquanto reclama dos israelenses em uma entrevista a uma rede árabe. Falando em uma voz profunda e firme, ele os chama de "sanguessugas" e "exploradores da guerra" e diz que não pode haver paz com esses "descendentes de gorilas e porcos".

Aparentemente, foi mais do que um momento lamentável de loucura de Mursi, alega um antigo membro proeminente da Irmandade Muçulmana. Afinal, diz ele, o atual presidente foi inspetor geral da Irmandade Muçulmana por anos, e portanto diretor do serviço online do grupo. O site inclui citações sobre israelenses e judeus com o mesmo ódio que surge no vídeo.

Apesar de o vídeo ter sido recebido com uma revolta internacional e da Casa Branca, Mursi não se perturbou com o furor sobre suas observações. No final, seu porta-voz disse que as palavras de Mursi haviam sido tiradas de contexto, mas não deu maiores explicações, nem pediu desculpas. Na semana passada, os repórteres do "Spiegel" foram ao palácio presidencial, no subúrbio de Heliopolis, no Cairo, depois de terem seu pedido aprovado para uma entrevista com Mursi, mas não foram recebidos.

Tudo é farsa
Para entender o presidente egípcio e ter uma ideia de como a Irmandade Muçulmana forma seus membros, é interessante conversar com homens que conheceram Mursi durante seu tempo na organização islamita –e que também têm a coragem de falar abertamente sobre o grupo. Abdel-Jalil el-Sharnoubi, 38, conta como isso pode ser perigoso. Em outubro, depois que ele falou em sair da Irmandade Muçulmana aos jornais e televisões egípcios, homens mascarados abriram fogo contra seu carro com metralhadoras.

Sharnoubi, um homem magricela, adotou como sua segunda natureza estar sempre vigilante, de olho em atitudes suspeitas. Ele olha em torno cuidadosamente quando entra no Café Riche, no centro de Cairo. Quando se senta, quer manter uma boa visão de todo o estabelecimento. Ele pede chá, enrola um cigarro e depois conta a história de seus tempos com a Irmandade Muçulmana e com o atual presidente, a quem ele se refere jocosamente como "doutor".

Quando eles se conheceram, em 2000, os dois já eram homens de sucesso. Sharnoubi, filho de um imame do delta do Nilo, entrou para a Irmandade aos 13. Eventualmente, ele subiu dentro da organização regimentada e se tornou um membro de seu comitê de informação. Mursi, por sua vez, chegou ao Parlamento egípcio. Como os membros da Irmandade Muçulmana não podiam concorrer para cargos políticos na era de Mubarak, Mursi se fingiu de "independente". Os dois homens mantinham "muito contato" para aprofundar seu objetivo de disseminar ao máximo a mensagem da Irmandade, diz Sharnoubi.

Para o especialista em informação, Mursi era "um homem típico do país, um felá com origens de camponesas que rapidamente se integrou à máquina". Na época, Mursi era "totalmente submisso à liderança da Irmandade", diz Sharnoubi. Aparentemente, Mursi se opunha integralmente que a Irmandade Muçulmana se tornasse mais aberta, como defendia Sharnoubi. "Ele lutava contra a democratização interna".

Era "inconcebível" para Sharnoubi que o grupo de Mursi um dia fosse assumir o poder no Egito. De fato, ele "achava ainda menos provável" que Mursi, um modesto membro do Parlamento, se tornasse presidente. Mesmo na mais alta posição do governo, Mursi não pode ter deixado de lado a missão da Irmandade Muçulmana como se fosse um paletó velho, diz Sharnoubi. "Um homem como Mursi, com convicções tão profundas, não consegue fazer isso. Se ouvirmos algo diferente por parte dele será uma farsa". Ele explica que Mursi deve sua sobrevivência sob o regime autocrata de Mubarak ao seu "talento para a assimilação" e que ele é um "mestre do disfarce".

Há muito em jogo agora, diz Sharnoubi. Há os pagamentos de ajuda da Europa e dos EUA, que a economia egípcia em dificuldades precisa urgentemente. E o próprio Mursi também precisa da boa vontade do Ocidente. Se houver uma "luta por poder com forças democráticas", diz ele, o presidente dependerá da intercessão de Washington, Bruxelas e Berlim.

Sharnoubi não se surpreendeu com o vídeo de ódio de Mursi. "A agitação contra israelenses condiz com a forma que Mursi pensa. Para o Mursi que eu conheço, qualquer cooperação com Israel é um sério pecado, um crime". A escolha de palavras de Mursi também não é nada nova, diz Sharnoubi. Como prova, ele abre seu computador preto e mostra evidências dos verdadeiros sentimentos do ex-membro da Irmandade Muçulmana.

De fato, as gafes do vídeo não parecem ser uma ocorrência única. Em 2004, Mursi, então membro do Parlamento do Egito, teria se revoltado contra os "descendentes de gorilas e porcos", dizendo que "não poderia haver paz" com eles. As observações foram feitas quando os soldados israelenses acidentalmente atiraram e mataram três policiais egípcios. A fonte da referência dificilmente citaria incorretamente os colegas membros da fraternidade: Ichwan Online, o próprio site da organização islamista.

Poucas pessoas têm tanta familiaridade com o conteúdo desse site quanto Sharnoubi, que foi seu editor chefe até 2011. O atual presidente se tornou inspetor geral da organização em 2007, diz Sharnoubi. Nesta capacidade, Mursi seria parcialmente responsável pela propaganda contra os judeus no site, que continha na época a "bandeira da jihad" e dizia que os "judeus e sionistas são arqui-inimigos".

As ameaças são atribuídas ao indiscutível líder da Irmandade, Mohammed Badi. De acordo com o site, o credo de Badi é: "Resistência é a única solução contra a arrogância e tirania sionista-americana".

Sharnoubi alega condenar a "política de assentamento do governo israelense" e conta que na época em que era editor, Mursi deu uma entrevista para se promover, em maio de 2009. Referindo-se aos israelenses, o atual presidente disse: "Eles todos têm a mesma natureza. São igualmente moldados pela esperteza, enganação e ódio". Ele acrescentou que o único objetivo deles era "matar, agredir e subjugar".

O ex-colega da Irmandade Muçulmana, Sharnoubi, não espera "palavras de arrependimento, pelo menos nenhuma sincera" em relação às observações ofensivas no filme escandaloso. A retórica anti-israelense, diz ele, é "base da ideologia da Irmandade".

Sharnoubi acredita que medidas cordiais como a carta a Peres têm apenas um objetivo: "Assegurar e expandir o domínio da Irmandade". Recentemente, o presidente emitiu um decreto que lhe dava poderes absolutos e Mursi atualmente controla todos os três braços do governo. "Ele garantiu mais poder do que seu predecessor, Mubarak, jamais teve".

A visão de Sharnoubi de um futuro Egito sob a Irmandade Muçulmana é aterrorizante. "Eles vão se infiltrar em todas as áreas da nossa sociedade: ministérios e departamentos do governo, escolas e universidades, assim como o corpo policial e militar. Eles vão eliminar seus inimigos".

Isso não seria um exagero?

"Não mesmo", diz Sharnoubi, observando que a Irmandade já está se infiltrando no aparato de segurança. "A Irmandade nunca vai entregar seu poder sem lutar".

Quando sai do café, Sharnoubi olha para a praça Tahrir, onde não há fim para a confusão. Na última sexta-feira (25), novamente houve confrontos e conflitos entre oponentes de Mursi e a polícia, e alguns foram mortos ou feridos. Para Sharnoubi, isso é apenas "o tira-gosto de um levante popular iminente".

2 comentários:

  1. Sinceramente acreditei nesse presidente, ele é um líder, mas parece que se deixou atrair para o lado ditatorial e extremista islâmico. Tinha tudo para ser lembrando como o homem que conduziu os primeiros anos de democracia Egito e que colocou o país como grande interlocutor regional (“recriou a gloria de ser egípcio”), mas jogou tudo pela janela. Ainda há chances, mas ele teria de ceder muito para acalmar os egípcios.

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    1. Vocês falam coisas sem nexo. Qual foi o ato de extremismo do Morsi?

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