A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e o presidente da França, François Hollande |
Os líderes europeus se encontrarão novamente nesta semana para negociar a estrutura de uma proposta de união bancária, mas em tudo, exceto nas áreas mais superficiais, o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, ainda não parece disposto a fazer concessões. Poder amplo e meticuloso para a Alemanha são suas principais prioridades.
O presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, tem a reputação de ser obstinado. O belga com sorriso malicioso e orelhas salientes tem seu próprio modo de interpretar as decisões conjuntas dos chefes de Estado e governo da Europa.
Na última quinta-feira (6), ele se mostrou novamente à altura de sua reputação. Van Rompuy anunciou que os bancos em dificuldades já podem receber ajuda direta do ESM (sigla em inglês para Mecanismo Europeu de Estabilidade) no ano que vem –apesar do órgão regulador bancário europeu subordinado ao BCE (Banco Central Europeu) não estar operacional antes do início de 2014.
A decisão unilateral tomada pelo presidente do Conselho Europeu provocou reações iradas das autoridades no Ministério das Finanças alemão em Berlim. De fato, no final de julho, os chefes de Estado e governo concordaram exatamente no oposto, ao decidirem que os bancos problemáticos só receberiam ajuda direta de Luxemburgo após o estabelecimento do órgão de supervisão bancária. "Quem ele pensa que é para inverter a decisão?" perguntou um alto funcionário do Ministério das Finanças alemão na quinta-feira.
A manobra independente do belga dificilmente mudará a posição do ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, sobre a união bancária proposta. Há duas semanas, as negociações em torno do assunto estagnaram, em grande parte devido à resistência do influente ministro alemão, que é membro da conservadora CDU (União Democrata Cristã) da chanceler Angela Merkel. E há pouca evidência de que Schäuble cederá quando os ministros das finanças da UE se reunirem de novo nesta quarta-feira.
Os alemães sentem que há muita coisa em risco. A equipe de Schäuble quer evitar forçar que supervisores monetários decidam quais bancos devem fechar e quais devem permanecer abertos. "Um acordo inadequado alteraria permanentemente o desenho e caráter da união monetária, e não podemos permitir que isso aconteça", diz um ministro do governo Merkel. De fato, os alemães estão determinados a manter a supervisão dos bancos e as políticas monetárias rigidamente separadas dentro do BCE.
Quem tomará as decisões?
Novamente, o governo alemão se vê em rota de colisão com a França e os países em dificuldades do sul da Europa em torno de uma medida importante para resgatar o euro. E novamente o governo alemão se recusa a ceder em várias posições. "O que não conseguirmos agora, nós não conseguiremos compensar depois", diz um membro do Gabinete de Merkel.
O conflito gira em torno da questão chave das políticas de resgate financeiro da Europa. Hoje, todo país na zona do euro supervisiona de modo independente seu próprio setor bancário. Na maioria dos países, os bancos centrais nacionais individuais cuidam para que os balancetes das instituições financeiras de seus países estejam em ordem. Na Alemanha e em vários outros países, uma agência reguladora separada é a principal responsável por essa tarefa.
Mas essa forma de mentalidade de Estado pequeno não pode ser mantida a longo prazo em uma união monetária. Essa foi a lição aprendida do modo difícil com as crises bancárias irlandesa e espanhola dos últimos anos. Isso ocorre porque se algumas instituições financeiras grandes, ou um grande número de pequenas, em um país membro da zona do euro se veem em apuros, isso pode ameaçar a existência de toda a união monetária.
Consequentemente, os políticos que buscam salvar o euro estão determinados a estabelecer uma autoridade central para supervisão dos bancos na esfera europeia. A única dúvida é quem tomará as decisões nesse novo superórgão poderoso. A maioria dos países do euro quer entregar o controle sobre os fiscais monetários para o Conselho do BCE, no qual todos os países têm um voto. Por sua vez, a Alemanha –com o apoio de vários outros países– pede por uma entidade separada para tomada de decisão, composta por reguladores bancários independentes, no qual o peso do voto de cada país seria calculado de acordo com seu tamanho e importância. Ao seguir por esse caminho, os alemães buscam impedir que países financeiramente fracos usem facilmente dinheiro dos contribuintes alemães para salvarem bancos em dificuldades –e impedir os fiscais monetários da Europa de se verem em conflito com seu objetivo principal, que é a manutenção da estabilidade dos preços.
Schäuble permanece determinado a só concordar com uma união bancária europeia sob estas quatro condições: a independência da política monetária não deve ser comprometida; conflitos de interesse entre a política monetária e a supervisão dos bancos devem ser evitados; os países que não pertencem à zona do euro e, consequentemente, não são membros do Conselho do BCE, devem poder participar igualmente na supervisão dos bancos; e o órgão de supervisão dos bancos deve ser independente do Conselho do BCE.
Evitando conflitos de interesse
Para os alemães, essas posições constituem a essência de suas crenças na política monetária. Eles temem que o BCE não seria mais livre para decidir sobre as taxas de juros e a quantidade de dinheiro em circulação se, ao mesmo tempo, tivesse de lidar com os bancos problemáticos. As preocupações deles são justificadas. Se os auditores de bancos descobrissem, por exemplo, que o setor financeiro de um país está à beira do colapso, os fiscais monetários poderiam ficar tentados a resolver o problema por meio da redução da taxa de juros –mesmo que isso causasse uma alta de preços por toda a Europa, sendo que o exato oposto seria necessário.
Os banqueiros centrais sentem que esse conflito de interesse pode ser evitado se a união bancária for projetada como os alemães recomendaram. "Quatorze dos 17 bancos centrais na zona do euro são responsáveis pela supervisão bancária e política monetária", apontou o membro do Conselho Executivo do BCE, Jörg Asmussen, durante uma discussão em Bruxelas na semana passada. "Isso pode ser resolvido de modo razoavelmente sensato", ele acredita, acrescentando que ambas as tarefas apenas precisam ser separadas, tanto em termos organizacionais quanto de pessoal.
Diferente da política monetária, a supervisão dos bancos está sujeita ao controle democrático, porque dinheiro do contribuinte pode acabar sendo usado para resgate de instituições financeiras. Asmussen sugere assim colocar a principal autoridade de supervisão nas mãos de um órgão independente, sob a égide do BCE.
Essa é a única solução que permitiria a países de fora da união monetária participar da supervisão dos bancos –como pedido explicitamente pelos chefes de Estado e governo. Isso inclui a Polônia, Suécia e Dinamarca, países que não têm uma cadeira e nem votam no Conselho do BCE.
Schäuble e sua equipe também estão considerando um modelo que separaria o órgão de supervisão dos bancos do BCE. Essa abordagem é apoiada por seus colegas da Holanda, Finlândia, Áustria e Luxemburgo. Os países do sul da Europa, juntamente com a França, tradicionalmente têm pouca objeção a colocar as mesmas pessoas encarregadas da política monetária e dos resgates aos bancos. O racha passa bem no meio do Conselho do BCE. O vice-presidente do BCE, Vitor Constâncio, por exemplo, gostaria de se tornar o segundo na hierarquia do novo órgão de supervisão dos bancos. Uma mulher deverá assumir a posição mais alta.
Disposição de ceder na localização
Visando atrair os franceses para o seu lado, Schäuble e seus assessores estão preparados para fazer concessões. Em vez de insistir que o novo órgão regulador dos bancos de toda a Europa fique localizado em Frankfurt, os alemães indicaram que ele poderia muito bem operar em uma cidade como Paris. Dois locais diferentes também ressaltariam a divisão de tarefas, dizem as autoridades no Ministério das Finanças alemão.
Os alemães também estão preparados para fazer concessões em um assunto contencioso adicional. Os países do sul da Europa estão pressionando para que o novo órgão supervisor seja responsável por todos os 6.200 bancos da zona do euro. Mas a Alemanha deseja que apenas as grandes instituições financeiras internacionais importantes sejam monitoradas.
A solução prevista por todos os países do sul da Europa provavelmente será descartada com base apenas no número necessário de funcionários. Se cada instituição financeira fosse supervisionada por uma média de três auditores, o BCE teria que contratar mais de 18 mil funcionários nos próximos meses. "Isso não é prático" foi o comentário seco do ministro das Finanças alemão a respeito dessa ideia.
Todavia, um acordo parece estar tomando forma: o BCE seria responsável pelos grandes bancos e instituições financeiras internacionais que receberam resgate público. Além disso, ele poderia supervisionar todos os bancos que sentisse que precisam ser monitorados de modo mais atento.
Menor urgência
Do ponto de vista alemão, a união bancária não pode ser lançada até que essas questões sejam resolvidas. As autoridades em Berlim dizem que a meticulosidade tem prioridade sobre a velocidade aqui. De fato, a equipe de Schäuble não mais vê a união bancária como o mesmo senso de urgência sentido meses atrás.
Desde que o BCE começou a injetar dinheiro nos mercados e, além disso, anunciou que compraria títulos da dívida em quantidades ilimitadas, a situação dos bancos nos países em crise melhorou significativamente. Esses bancos – graças em grande parte aos fundos fornecidos pelo BCE– encheram seus livros contábeis com títulos emitidos por seus governos. A queda no preço dos títulos pesa em seus balancetes, enquanto cada aumento de preço os escora.
Logo, investidores e economistas veem os problemas agudos das instituições financeiras da Europa como atualmente administráveis. "Quase ninguém teme uma nova escalada", diz David Folkerts-Landau, economista-chefe do Deutsche Bank. Isso também se aplica aos bancos espanhóis, onde os problemas levaram originalmente os políticos da zona do euro, na metade do ano, a buscarem criar uma união bancária o mais rápido possível. Enquanto isso, a Espanha pediu 40 bilhões de euros ao fundo europeu de resgate para apoiar seus próprios bancos –muito menos do que foi originalmente planejado.
Isso indicaria que Van Rompuy, o presidente do Conselho Europeu, seria incapaz de cumprir seu cronograma ambicioso –mesmo se os ministros das Finanças chegarem a um acordo na quarta-feira. As autoridades alemãs disseram que seu país pode chegar a um acordo vinculante para os planos de supervisão "em março, no mínimo". Afinal, o Parlamento alemão, o Bundestag, precisa se manifestar a respeito do assunto.
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