segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O complexo sistema chinês de comercialização de alimentos


Nos últimos anos, a China se tornou um importante fornecedor de alimentos para a Europa. Mas os produtos de baixo custo são cultivados num ambiente repleto de pesticidas e antibióticos, desproporcionalmente citado por contaminação e sujeito a um regime de inspeção cheio de falhas. Um surto recente de norovírus na Alemanha só aumentou as preocupações.

Qufu, cidade da província de Shandong, no sudoeste da China, onde Confúcio nasceu, não é exatamente um lugar atraente. Mas suas plantações são valiosas como ouro. Algumas semanas atrás, um carregamento de morangos deixou as plantações em direção à Alemanha.

O ar sobre as cidades da região no interior da China está enegrecido de fumaça, à medida que caminhões correm ao longo de estradas recém-pavimentadas transportando cargas de carvão das minas ou vigas de ferro das fundições da região. As plantações se estendem até o horizonte alcança, produzindo alimentos para saciar a fome do país mais populoso do mundo.

A colheita de pimenta chili e algodão acabou de terminar, a do arroz começa em duas semanas, e alho estará pronto em abril. Milhares de agricultoras mulheres estão ajoelhados nos campos plantando a próxima safra de uma planta particularmente rentável no comércio internacional de alimentos.

“O alho é consumido por toda parte”, diz Wu Xiuqin, 30, diretor de vendas de uma agroindústria chamada “Sucesso”. “Nós vendemos alho para o mundo inteiro, e cada vez mais para a Alemanha.” Atualmente, o preço de uma tonelada de alho branco é US$ 1.200. Os alemães insistem no “branco puro” do produto, e querem que o alho seja embalado individualmente, diz Wu.

Bem mais de 80% do alho vendido no mundo vem da China. A fazenda “Sucesso” produz 10 mil toneladas por ano. Com base no que viu em convenções de alimentos em Berlim e outros lugares, nenhum país do mundo é capaz de competir com a China. Sua empresa fornece alho descascado, em flocos, granulado e pulverizado, diz Wu, e agora acrescentou gengibre, pimentas chili, cenouras, pêras, maçãs, batatas doces e amendoim à sua linha de produtos.

A China, que já costura nossas roupas, monta nossos smartphones e faz os brinquedos dos nossos filhos, está se tornando um importante fornecedor de alimento para a Alemanha. Uma vez que a China, como um país de salários baixos, não tem exatamente uma boa reputação entre os consumidores, a indústria de alimentos geralmente não menciona a origem dos produtos que vende. Muitos alemães só perceberam o quanto dos seus pratos é produzido é colhido na China há duas semanas, quando milhares de crianças no leste da Alemanha sofreram diarréia e vômitos numa epidemia que teria sido disparada por morangos chineses contaminados com norovírus.
Fornecedor global de alimentos em crescimento

Há alguns aspectos bizarros na circulação mundial de produtos alimentícios. Em algumas partes da China, a população não têm o suficiente para comer. Para resolver o problema, o país está comprando terras na África e importando grandes quantidades de leite em pó, frango e carne de porco. Empresas sediadas na UE venderam 393 mil toneladas de carne de porco para a China no ano passado, um aumento de 85% em relação ao ano anterior. As empresas de alimentos veem a China como um atraente mercado em crescimento.

Por sua vez, a China também está vendendo muito mais produtos alimentícios para a Europa do que costumava, à medida que a maior exportadora do mundo reconhece um rentável mercado em crescimento na Europa. De 2005 a 2010, o valor das exportações de alimentos chinesas para o mundo todo quase dobrou, aumentando para US$ 41 bilhões. E a Alemanha, que importou 1,4 bilhão de euros em alimentos da China no ano passado, está se tornando um cliente cada vez mais importante. Embora o país só responda por 2% de todas as importações alemãs de alimentos, “a China entrou neste mercado com uma velocidade e uma dinâmica surpreendentes”, diz um especialista da indústria de alimentos.

Como sempre, o país rapidamente se adaptou às necessidades do mercado. Enquanto no passado os produtos vendidos nos supermercados alemães eram principalmente especialidades chinesas, agora há um mercado crescente para produtos baratos básicos e ingredientes preparados, como os morangos fatiados em baldes de 10 quilos que foram parar nas cantinas escolares alemãs.
Duas coisas tornam a China atraente para grandes empresas como a Nestlé, Unilever ou Metro: o preço e volume.

“É claro que poderíamos comprar nossos cebolas ou cogumelos de 10 fornecedores diferentes, mas isso implicaria um esforço enorme”, diz um executivo da indústria de alimentos. As companhias de alimentos precisam familiarizar cada fornecedor com o mercado e depois gerenciá-los e monitorá-los.

As terras agrícolas da China são tão vastas quanto seu estoque de mão de obra barata. “Colher, lavar e cortar morangos é trabalhoso porque é quase impossível utilizar máquinas”, diz Felix Ahlers, diretor da Frosta AG, uma empresa alemã de alimentos congelados. Isso encarece a compra de frutas da Europa, como faz sua empresa. Mas, como Ahlers aponta, há produtores que só prestam atenção ao preço.

A diversidade de produtos que a China tem para oferecer também parece ser ilimitada. Por exemplo, o país se tornou o maior exportador mundial de mel. Ele também está começando a produzir mais e mais produtos acabados, um mercado com margens de lucro ainda maiores do que os produtos alimentares. Uma parte significativa do salmão mundial é processada na China, para se tornar salmão fumado, por exemplo. O país famoso pelo Pato à Pequim está agora fazendo pizzas congeladas para o mercado global – a um quinto dos preços alemães.
Agricultores que não comem a própria produção

Do ponto de vista ambiental, a produção de pizzas numa escala global não é tão preocupante. De acordo com cálculos do Instituto de Ecologia Aplicada da cidade alemã de Freiburg, no sudeste do país, o transporte dos produtos congelados tem apenas um pequeno efeito adverso sobre a nossa pegada ambiental. É claro, é “sempre melhor comer comida regional e sazonal”, diz Moritz Mottschall, pesquisador do instituto. Mas se alguém gosta de comer morangos no outono, transportar 10 toneladas do produto por navio desde a China gera apenas 1,3 tonelada de emissões de CO2, diz ele. Quando os caminhões carregam a mesma quantidade do produto a partir da cidade espanhola de Alicante para a cidade de Hamburgo, no norte da Alemanha, eles emitem 1,56 tonelada de CO2 para a atmosfera.

O maior problema dos produtos alimentares chineses é o ambiente da produção local, que inclui o uso excessivo de agrotóxicos para as culturas e de antibióticos para os animais, às vezes aliado a uma total falta de escrúpulos. Em 2008, cerca de 300 mil crianças na China foram prejudicadas por produtos lácteos e leite adulterados com o químico melamina. Produtores chineses haviam adicionado a substância, que é especialmente prejudicial para os rins, ao leite em pó.

Os produtores chineses também já venderam ervilhas tingidas de verde, que perderam a cor depois de cozidas, orelhas falsas de porco e repolho contendo formaldeído cancerígeno. Depois, houve o incidente do óleo de cozinha que foi capturado nos encanamentos dos restaurantes, reprocessado, re-engarrafado e revendido. O jornal do governo “China Daily” informou também sobre ovos falsos.

Wu Heng se tornou um importante defensor da segurança alimentar na China. Na primavera passada, Wu leu sobre um pó estranho que os vendedores estavam acrescentando à carne de porco para poderem vendê-la como carne de vaca, que é mais cara. Wu logo desenvolveu uma aversão aos macarrões instantâneos que diziam conter carne de boi.

Ele criou um site que inclui um mapa que aponta os escândalos alimentares chineses relatados nos meios de comunicação. Wu batizou o site de “Jogue pela Janela”, numa alusão ao ex-presidente dos EUA Theodore Roosevelt que disse ter jogado a salsicha de seu café da manhã pela janela por desgosto depois de ficar sabendo das péssimas condições dos matadouros de Chicago.

Os produtos de origem animal são os mais questionáveis, diz Zhou Li, professor da Universidade Renmin, em Pequim, que estuda a segurança alimentar. A carne é mais rentável do que os vegetais, o que só aumenta o incentivo para maximizar os lucros.

Zhou observa que os agricultores costumavam comer os alimentos que vendiam. Mas agora que estão conscientes dos efeitos nocivos dos pesticidas, fertilizantes, hormônios e antibióticos, eles produzem uma parcela dos produtos agrícolas para o mercado e uma porção para suas próprias famílias. A única diferença é que o alimento para as famílias é produzido usando métodos tradicionais.

De fato, muitos chineses ricos compraram suas próprias fazendas para dependerem do que está disponível nos supermercados. Há também relatos de lotes especiais de terras usados para produzir alimentos exclusivamente para altos funcionários do governo.

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