Mulher que participa de grupo religioso lamenta a morte de 34 mineiros, assassinados pela polícia no dia 16, em mina de platina da empresa Lonmin, próxima à cidade de Rustenburg, na África do Sul |
No dia 16 de agosto, 34 mineiros sul-africanos em greve foram alvos de tiros da polícia. Um banho de sangue jamais visto desde o fim do apartheid. Alguns dos grevistas, saídos da prisão há alguns dias, fazem seus relatos.
Ele para, sua voz se cala. Durante alguns segundos, seu olhar se perde. "Esse lugar..." Com seu dedo indicador, ele aponta para sua cabeça raspada. "Está passando aqui dentro, eu revejo as imagens, é assustador". É a primeira vez que Bongile Siyolo volta para cá. A casca das árvores foi arrancada pelo impacto das balas e vários galhos permanecem no chão.
No dia 16 de agosto, pouco depois das 16h, foi debaixo de uma grande pedra que esse mineiro se deitou e se encolheu o quanto conseguia. Assim como ele, outros duzentos vieram se refugiar nesse bosque repleto de rochas perto da mina de Marikana. Uma dezena de nyalas, caminhões blindados da polícia sul-africana, os cercou.
O que o jovem de 29 anos viu então o apavorou. "Não nos mexemos mais, mas os policiais, a cerca de quinze metros, continuavam a atirar em nós esporadicamente." A cena durou mais de meia hora. Três de seus colegas morreram diante de seus olhos.
O primeiro: "Ele estava agachado atrás de uma pedra, levou pelo menos dois tiros". O segundo: "Ele queria encontrar um esconderijo melhor, correu para outro lugar e foi atingido nas costas." O terceiro já estava ferido nas pernas: "Ele gritou para nós: 'Vamos nos render de mãos para cima! Eu começo.' Ele fez isso e levou um tiro em uma mão, depois outro no torso".
O relato de Bongile Siyolo não foi o único. O "Le Monde" colheu outros depoimentos de execuções sumárias junto a mineiros também detidos naquele dia e liberados da prisão a partir do dia 3 de setembro. Essas declarações prejudicam a única versão apresentada pela polícia para justificar a morte de 34 grevistas que pediam por aumento salarial. Outros 78 mineiros ficaram feridos.
"Os policiais foram atacados de maneira brutal pelo grupo que usava várias armas, inclusive armas de fogo. Para proteger a vida deles, e por legítima defesa, eles foram forçados a responder pela força", explicava um comunicado emitido já na noite de 16 de agosto.
Os sul-africanos ficaram chocados com o que viram na TV. Desde a queda do regime do apartheid, nunca uma intervenção policial havia terminado em um banho de sangue como esse. Imagens divulgadas continuamente mostravam um grupo de mineiros, com facões e lanças nas mãos, avançando rapidamente na direção dos policiais. Sem efetuar tiros de alerta, estes dispararam balas de verdade durante dez segundos.
Uma vez que a poeira abaixou, o enviado especial do "Le Monde" conseguiu contar pelo menos quinze cadáveres de mineiros no chão. Mas outros tiros ressoaram mais ao longe, fora do campo de visão.
O bosque se encontra a quase 400 metros. Marcas amarelas foram pintadas ali por investigadores da polícia para assinalar os locais onde foram encontrados corpos. Oito delas ainda podem ser vistas nos rochedos. Outras, principalmente no chão, conseguiram ser apagadas pelas primeiras chuvas abundantes da primavera austral.
Inicialmente, esses vestígios eram letras cuja ordem alfabética sugeria a presença de aproximadamente quinze corpos. Mas na quinta-feira (6), estas não eram mais reconhecíveis. Segundo testemunhas, policiais teriam passado ali na véspera, alimentando as suspeitas de uma tentativa de apagar pistas.
Segundo Shadrack Mtshamba, um dos líderes da greve, os 3 mil mineiros instalados há alguns dias em uma colina pedregosa nas proximidades foram pegos de surpresa no dia da chacina pelas forças de ordem que queriam dispersar e desarmar os grevistas.
"Um líder sindical acabava de nos avisar que a polícia ia intervir caso não fôssemos embora, estávamos discutindo sobre a passeata que viria em seguida, e outro dos líderes disse: 'Deixe que eles venham, se eles atacarem nós responderemos', mas os policiais rapidamente começaram a colocar arame farpado".
Ele continua: "A maior parte dos mineiros, temendo ficar presos, desceram e voltaram para suas casas." Entre eles, um homem que preferiu se manter anônimo: "Eu estava indo para a favela, mas houve três explosões, como granadas, alguns mineiros responderam jogando pedras na direção de um nyala, e depois ouvi ao longe uma rajada de tiros". Diante das câmeras, a polícia acabava de atirar no primeiro grupo de mineiros.
Então ele deu meia-volta e correu para o bosque: "Com seus blindados, os policiais nos perseguiam atirando, vi seis pessoas caindo, atingidas pelas costas". Um de seus amigos estava entre eles: "Ele me suplicou para não deixá-lo lá, mas eu também precisava salvar minha pele..."
No entanto, permanecem fatos não esclarecidos. Esse primeiro grupo de mineiros filmado enquanto avançava na direção dos policiais estava fugindo das nuvens de gás lacrimogênio e dos tiros de balas de borracha? Estaria ele tentando escapar do cerco que se fechava? Será que os policiais temiam um ataque e abriram fogo, mas de maneira desproporcional? Ou esses mineiros realmente estavam se preparando para atacar?
A maior parte dos grevistas garante que eles tinham seus facões, lanças e porretes somente para "se proteger e respeitar a tradição" de sua região de origem, o Cabo Oriental onde vive a minoria dos xhosa.
Todavia, Shadrack Mtshamba reconhece que as cinco armas roubadas dos dois policiais mortos três dias antes - "dois fuzis de assalto R-5, duas pistolas automáticas 9 milímetros e uma escopeta" de fato estavam nas mãos dos mineiros no dia 16 de agosto. Mas não atiramos com elas, algumas armas nem mesmo tinham munição!"
Mas no primeiro grupo, um mineiro foi filmado atirando com uma pistola pelo menos três vezes na direção dos policiais antes que estes abrissem fogo. Depois, "no bosque, havia um que tinha sua própria arma, mas ele estava agachado e atirava para cima, assustado", diz o líder, também escondido. Durante a averiguação dos 259 mineiros, a polícia apreendeu seis armas de fogo, mas nenhum morto, nem ferido foi registrado entre os seus.
Vários grevistas confirmam a presença de um muti, um tradicional curandeiro, na colina antes do dia 16, mas notaram sua ausência naquele dia. "Ele fez um talho na pele de duzentos homens, e depois com seu dedo coberto do sangue deles, ele tocava diferentes partes de seus corpos", explica Shadrack Mtshamba, "isso os tornava invencíveis às balas, eles podiam assim nos proteger." Ele diz não saber quem o chamou.
Já Bongile Siyolo acusa a polícia de tê-lo maltratado durante sua prisão: "Levei quatro golpes de cassetete nas costas enquanto estava deitado com o rosto virado para o chão". Depois, em sua cela na delegacia de Bethanie: "Deram chutes e tapas em mim, enquanto outro esmagava com os pés as mãos de um amigo jogado ao chão, e uma mulher policial dava risadas." Seu testemunho também não foi o único, foram prestadas várias queixas.
Após a morte dos dois policiais, fotos de seus corpos mutilados ao extremo circularam amplamente antes do dia 16 de agosto entre os celulares das forças de ordem sul-africanas. Questionada sobre essas acusações de maus tratos e execuções sumárias, a polícia "não quis fazer comentários" enquanto a comissão de inquérito não entregar suas conclusões em janeiro de 2013.
"Agora, cada vez que vejo o uniforme de um policial sinto medo", conta Bongile Siyolo, saindo do bosque. Como na época estava na prisão, esse pai de três crianças pequenas não pôde assistir ao enterro de seus amigos. "Mas eu gostaria que fosse colocada uma placa aqui, com todos os nomes e a data de 16 de agosto de 2012." Ali estaria escrito: "Aqui morreram mineiros lutando por seus direitos".
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