quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Le Monde: Jornalistas que cobrem narcotráfico são vítimas de cartéis e militares no México


Editores de jornais denunciam os crimes dos cartéis do narcotráfico e a violência do Estado

“Uma ameaça de morte contra a liberdade.” É esse o título de impacto do relatório sobre a violência contra a imprensa no México publicado, na terça-feira (4), pela Associação Mundial dos Jornais e Editores de Informações (WAN-IFRA), que reúne 18 mil publicações e 15 mil websites de 120 nações. A organização pede que as autoridades mexicanas deem um fim aos crimes contra os jornalistas no país mais violento do continente americano. O texto denuncia a impunidade dos cartéis do narcotráfico, mas também a violência do Estado.

O relatório enumera 39 jornalistas assassinados e oito desaparecidos desde que, em dezembro de 2006, o presidente Felipe Calderón, do Partido da Ação Nacional (PAN, direita), declarou guerra ao narcotráfico. Os últimos registros até o momento são dos fotógrafos de imprensa Arturo Barajas, 46, e José Antonio Aguilar, 26, cujos corpos mutilados foram descobertos no dia 18 de agosto dentro do porta-malas de um carro no Estado de Michoacán (oeste). O relatório também contabiliza 41 ataques com armas pesadas ou com explosivos contra órgãos da mídia desde 2006.

“Os cartéis do narcotráfico estão tentando controlar o fluxo de informações através do terror”, explica o relatório. “A ofensiva do governo contra o crime organizado e uma arraigada cultura de impunidade colocam em risco a própria existência do jornalismo no México”. A associação acusa as autoridades de serem “indiferentes” ou até “cúmplices” dessa violência, uma vez que em seis anos “nenhuma condenação foi pronunciada por crimes contra a imprensa”.

Autocensura da mídia
No entanto, o governo criou em 2006 um Ministério Público dedicado aos crimes contra a liberdade de expressão. No dia 22 de junho, o presidente Calderón promulgou uma lei de proteção dos jornalistas. “Mecanismos insuficientes e desajustados”, segundo o relatório que denuncia medidas “tardias” que não resolvem a “causa principal dos ataques: a total impunidade”.

Ainda pior, 54% das agressões contra jornalistas foram cometidas entre 2009 e 2011 por policiais ou militares. “Essas agressões ocorrem quando os profissionais de imprensa cobrem casos de corrupção”. Uma “violência de Estado” associada a “uma cultura da opacidade, herdada dos 71 anos de autoritarismo e de corrupção do regime do Partido Revolucionário Institucional (PRI, centro)”, que governou o México entre 1929 e 2000.

Resultado: parte da mídia tem se autocensurado. A exemplo de outros jornais regionais, o “El Mañana”, no Estado de Tamaulipas (nordeste), anunciou, no dia 13 de maio, que o jornal “se absteria de publicar informações sobre os atos de violência [dos cartéis] (...) por falta das condições necessárias ao livre exercício do jornalismo”.

Para reverter a situação, a WAN-IFRA recomenda às autoridades que envolvam a sociedade civil na proteção aos jornalistas. Ela propõe à mídia que se criem “protocolos de segurança”, “treinamentos” e “critérios editoriais”, para garantir “um jornalismo ético e seguro”.

Na segunda-feira (3), durante a cerimônia de abertura de seu congresso anual, em Kiev, na Ucrânia, a WAN-IFRA concedeu seu prêmio “Pena de Ouro da Liberdade” à repórter investigativa mexicana Anabel Hernández. Uma “homenagem à sua posição inflexível, que coloca sua vida em risco, contra o crime organizado e os políticos corruptos”, declarou Erik Bjerager, durante a entrega do prêmio.

No mesmo dia, na Cidade do México, Felipe Calderón pronunciava seu último discurso anual à nação. O presidente, que deixará o cargo no dia 1º de dezembro, comemorou os resultados de sua luta contra o narcotráfico, sem mencionar os mais de 50 mil mortos associados aos confrontos dos cartéis entre si e contra o governo desde 2006. Ele convidou seu sucessor, Enrique Peña Nieto, eleito no dia 1º de julho pelo partido PRI, a seguir a mesma estratégia.

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