terça-feira, 4 de setembro de 2012

Le Monde: Escândalo de plágio nuclear na Coreia do Sul atrai pouca atenção da mídia


Peças fabricadas pela Areva foram copiadas por um funcionário de uma central e instaladas em pelo menos duas usinas

Shin Wolseong
Corrupção, problemas técnicos, falta de transparência: o setor nuclear sul-coreano está tendo um 2012 difícil. Sobretudo desde a revelação – discreta e pouco divulgada pela imprensa – do escândalo da cópia de peças avulsas do grupo francês Areva.

No final de julho, a procuradoria de Ulsan, encarregada da investigação, finalizou suas apurações que levaram à prisão de 22 pessoas, entre elas vários executivos da KHNP (Korea Hydro and Nuclear Power), a empresa pública encarregada do setor nuclear na Coreia do Sul.

O caso começou no dia 27 de abril, quando a procuradoria abriu um inquérito visando, entre outros, um executivo de abastecimento da usina de Kori, no sudeste do país. Em troca de propinas, o homem teria providenciado a cópia de peças utilizadas para a impermeabilização dos dutos que garantem a transmissão de dados entre o núcleo do reator e a sala de comando da usina.

O original havia sido comprado da Areva. Em 2009 o funcionário teria desviado a peça e mandado uma indústria local fabricá-las. Esta a reproduziu modificando-a ligeiramente, o que lhe permitiu patenteá-la. Depois ele entregou várias delas à usina de Kori. Outras foram descobertas na usina de Yonggwang, no sudoeste do país.

A KHNP primeiro reagiu afirmando que o uso das peças copiadas não apresentava nenhum risco. “Mesmo que o elemento seja uma réplica de um produto estrangeiro”, declarou à imprensa um representante da empresa, “a indústria local obteve uma patente, o que significa que esta peça é original”.

A empresa, no entanto, pediu ao KINS, o Instituto Coreano de Segurança Nuclear, para conduzir uma investigação aprofundada, cujos resultados ainda não são conhecidos...

Do lado da Areva não houve muitos comentários. “Preferimos tratar diretamente com o KNHP”, explica o grupo, que não prestou queixa, mas tem como prioridade “neutralizar a patente, cujo campo de aplicação geográfica não conhecemos, e ele poderia ultrapassar os limites da Coreia”.

“A Areva não quer tornar a situação pior”, acredita um especialista do setor nuclear sul-coreano. O grupo francês e seus antecessores trabalham na Coreia do Sul desde 1981 e colaboram com a KHNP – considerada uma boa cliente - , sobretudo para “elaborar uma política nacional para a gestão de combustíveis usados”. A Areva vendeu em 2009 seis geradores de calor. Já a KHNP está no capital da Sociedade de Enriquecimento de Tricastin (SET) e da mina de urânio de Imouraren, no Níger.

Esse caso de plágio e de corrupção não é isolado. Um diretor da usina de Kori está cumprindo no momento três anos de prisão: entre 2008 e 2010, ele entregou válvulas enferrujadas e destinadas a descarte para uma indústria. Esta as limpou antes de revendê-las à usina de Kori, a preço de novas. A KHNP fala que são casos isolados. Mas, nas conclusões de sua investigação sobre o plágio, a procuradoria de Uslan menciona “uma corrupção estrutural de uma empresa pública”. A KHNP, no caso.

Esses casos se somam aos muitos incidentes, frequentemente dissimulados, que marcaram recentemente o setor nuclear sul-coreano. O último problema registrado foi em 19 de agosto, quando a KHNP anunciou a suspensão emergencial do reator número 1 da usina de Wolsong por problemas de alimentação. Só que esse reator havia sido desmontado e reativado no dia 31 de julho.

Em fevereiro, o reator número 1 da usina de Kori sofreu uma ruptura de alimentação elétrica de doze minutos que poderia ter tido consequências gravíssimas. Ela foi deliberadamente escondida durante um mês pelo diretor da usina. Uma das causas profundas desses problemas seria, explica um especialista, “a pressão exercida pelo governo que mantém o preço da eletricidade a um nível muito baixo para sustentar a indústria do país”. Nesse contexto, a Companhia de Eletricidade da Coreia (KEPCO), operadora pública e matriz da KHNP, está perdendo dinheiro e fazendo pressão sobre sua filial para reduzir ao máximo seus custos. “Isso explica a tentação de querer produzir localmente e de fazer economias que repercutem na segurança”. O que não deixa de ser preocupante, considerando que em 2008 o governo decidiu elevar a participação do nuclear na produção de eletricidade para 59% em 2030, contra 32,18% em 2010; até lá, 18 reatores se somarão aos 21 já em serviço. E Seul quer exportar seu know-how.

Além de todos esses casos, as preocupações suscitadas pela catástrofe nuclear japonesa de Fukushima e as pressões da Agência Internacional da Energia Atômica (AIEA) incitaram o governo a iniciar reformas. No dia 29 de junho de 2011, ele criou a Comissão de Segurança e de Proteção Nucleares (NSSC), nova instância de regulação que agora depende da presidência e não mais do Ministério das Ciências (MEST), uma das duas administrações, junto com o Ministério da Economia do Saber, para promover o setor nuclear. A NSSC conta com uma centena de membros e ainda encontra dificuldades para se impor.

Mas o MEST – que alega que os reatores sul-coreanos são seguros – liberou no final de 2011 um trilhão de wons (R$ 1,8 bilhão) em cinco anos para “melhorar sua segurança”. Já a KHNP iniciou uma grande “limpeza”. Seu presidente Kim Jong-shin se demitiu em abril. E três dos quatro diretores executivos adjuntos deverão ser substituídos em setembro.

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