segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Le Monde: Argélia muda posições estratégicas do governo em doses homeopáticas


Abdelaziz Bouteflika, presidente da Argélia
O que há de novo em Argel? Nada, poderia se dizer, exceto por um comunicado lacônico de seis linhas da presidência anunciando, no dia 3 de setembro, a nomeação... de um novo primeiro-ministro, o sexto desde que ascendeu ao poder o chefe do Estado Abdelaziz Bouteflika, em 1999. De maneira discreta, sem nem mesmo uma cerimônia de transmissão de poder com seu antecessor, Abdelmalek Sellal, ex-ministro dos Recursos Hídricos, sucedeu Ahmed Ouyahia à frente de um governo que aos poucos vai sendo reorganizado.

Os argelinos esperaram quatro meses após as eleições legislativas do dia 10 de maio, marcadas pela esmagadora vitória da Frente de Libertação Nacional (FLN) e pela derrota dos principais partidos islamitas aliados do governo, para conhecer a nova equipe saída das urnas encarregada de conduzir os assuntos do país. Mas a troca tem sido homeopática. Nenhum posto-chave, seja da Defesa, do Interior, da Energia, das Relações Exteriores ou das Finanças, mudou de mãos. Dos 36 ministros e secretários de Estado que compõem o governo, somente 15 foram renovados.

E essa constatação ainda deve ser minimizada, pois, na dança das cadeiras, alguns dos novos ocupantes já haviam feito parte de algum governo, desde 1999. É o caso, por exemplo, de Amara Benyounes, ex-ministro das Obras Públicas em 2000, que desta vez voltou ao posto de ministro do Planejamento Urbano e Rural, depois de ter criado seu partido, o Movimento Popular Argelino (MPA). Ou ainda de Amar Ghoul, ministro das Obras Públicas, que deixou sua função pois foi eleito deputado depois de 10 de maio, e voltou exatamente para o mesmo cargo...

Portanto, foi com seu próprio sucessor à frente do Ministério dos Recursos Hídricos, Hocine Necib, 56, um “novo de verdade”, que Sellak pôde falar em “renovação”. “Nós estamos encerrando [nossa carreira]”, declarou o primeiro-ministro, no dia 4 de setembro, durante a cerimônia de transmissão de poder, saudando “a nova geração que deverá assumir aos poucos a gestão do país”. Em termos muito parecidos, no dia 8 de maio, dois dias antes das eleições legislativas, em Setif, o próprio presidente Bouteflika havia pedido que uma “nova geração” assumisse o controle do destino da Argélia e garantiu que a sua “já estava ultrapassada”. A composição da nova equipe governamental, no entanto, tem resistido a essa ambição de mudança.

Claro, figuras como Aboubakr Benbouzid, ministro da Educação durante 19 anos, cederam o lugar. Tampouco permanece o secretário-geral da FLN, Abdelaziz Belkhadem, ex-ministro de Estado e representante pessoal do presidente, fragilizado por uma rebelião há meses em seu próprio partido, apesar de sua ampla vitória eleitoral. Ex-ministro do Interior, Noureddine Yazid Zerhouni, vice-premiê no último governo Ouyahia, um posto criado sob medida na época e que já sumiu do organograma, não foi substituído.

Mas nenhum rosto novo apareceu e somente três mulheres (duas ministras, uma secretária de Estado) fazem parte do governo, ao passo que agora elas ocupam um terço das cadeiras da Assembleia, depois que foi aprovada uma lei sobre a paridade. Parentes e amigos do presidente foram embora, outros os substituíram, a começar pelo chefe do governo, Sellal, um homem de confiança, sem rótulo político, ele mesmo várias vezes ministro, que foi diretor de campanha de Bouteflika nas presidenciais de 2004 e de 2009.

Sinal de um certo cansaço, em vez da expressão “nova geração”, foi “hibernação” que veio à mente das pessoas. Dois políticos diferentes a utilizaram para descrever o cenário político argelino. O primeiro, Ali Laskri, secretário-geral da Frente das Forças Socialistas (FFS), um partido de oposição que participou das eleições do dia 10 de maio após anos de boicote, lamentou uma “longa espera [pela nomeação do governo] que mergulhou o país em um período de hibernação.” “Os horizontes políticos estão nublados e as instituições do Estado, paralisadas”, disse então o grupo parlamentar FFS em um comunicado.

O segundo, Larbi Ould Khelifa, presidente da Assembleia Popular Nacional, também falou em “hibernação” no tocante às instituições do Estado, durante a abertura da sessão de outono do Parlamento, em 3 de setembro. “Não estamos acusando ninguém quando afirmamos que o ritmo das atividades em diferentes setores está em seu nível mais baixo”, ele disse.

Após as legislativas marcadas por fortes disparidades na participação entre as regiões, os argelinos, realistas, não esperavam por uma grande transformação. O governo cria as condições da perenidade do sistema que prevalece no país desde que se tornou independente. E, diferentemente de outras regiões do mundo árabe, a Argélia está a salvo de qualquer pressão externa por seu peso na região, suas riquezas em hidrocarbonetos e sua história, que lhe garantem a estabilidade.

Resta uma etapa: a revisão da Constituição, anunciada pelo presidente. A última, para o regime, se ele quiser se reformar antes da eleição presidencial de 2014 e atender à aspiração de uma maioria de sua população.

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