sexta-feira, 14 de setembro de 2012
El País: Primavera Árabe impulsiona efervescência política de corrente radical do islã
A Primavera Árabe provocou uma considerável efervescência política no salafismo, uma corrente ultraconservadora e radical do islã que havia se caracterizado por sua apatia política. O crescimento do salafismo, presente, sobretudo, nos subúrbios das grandes cidades e nos setores mais humildes, já se faz sentir nas instituições. E não só, mas também na rua, muitas vezes de forma estrondosa.
Embora ainda não esteja clara a autoria do assassinato de quatro pessoas no consulado dos EUA em Benghazi (Líbia), que bem poderia caber a algum grupo jihadista, tanto aquela manifestação como a que teve lugar diante da embaixada no Cairo foram organizadas por grupos de tendência salafista. Entretanto, seus líderes políticos se afastaram de qualquer ação violenta.
Nader Bakkar, o porta-voz da coalizão Nur, o segundo maior partido egípcio, atribuiu aos "ultras", a torcida politizada do time de futebol Ahly, o ataque à embaixada dos EUA para arrancar sua bandeira do mastro. "Nós sempre rechaçamos o uso da violência com fins políticos, com uma única exceção, a resistência à ocupação estrangeira, como na Palestina", declarou Bakkar em uma entrevista recente a "El País".
No entanto, com frequência os adeptos dessa corrente não seguem esse tipo de orientação. Desde a queda de Ben Ali, turbas salafistas protagonizaram numerosos incidentes violentos na Tunísia, como ataques contra canais de televisão ou acontecimentos culturais considerados impuros. Na Líbia, destruíram vários santuários sufis, um movimento espiritual islâmico.
No Egito, o único país da Primavera Árabe onde o salafismo conta com uma sólida representação institucional, suas manifestações reivindicatórias costumam ser pacíficas. Mas alguns simpatizantes salafistas cometeram atos graves de intolerância religiosa, e não só dirigidos à minoria cristã copta. No mais conhecido, três jovens de Suez que se atribuíam o papel de policiais da moral assassinaram um estudante que passeava de mãos dadas com sua namorada.
Uma das principais características da corrente salafista é sua natureza atomizada. Existe uma verdadeira constelação de pregadores, cada qual com seu grupo de seguidores. O único denominador comum entre eles é uma interpretação literal e ultraconservadora do Corão, assim como sua vontade de imitar a forma de vida do profeta Maomé, inclusive nos detalhes mais banais, como sua indumentária ou seus gestos.
A coalizão egípcia Nur foi capaz de dar a esse magma um guarda-chuva institucional, provocando a fragmentação do espaço político islâmico, anteriormente dominado pela Irmandade Muçulmana. Esta mesma tendência está ocorrendo na Tunísia, onde se registraram vários partidos salafistas que aspiram a se transformar em alternativa ao partido islâmico En Nahda.
Situado no extremo mais conservador do espectro político egípcio, o Nur tenta levar a Irmandade Muçulmana para reivindicações mais radicais, freando seu trânsito para posições mais moderadas, como sugere a delicada situação econômica.
As relações entre a Irmandade e os salafistas são marcadas ao mesmo tempo pela cooperação e a rivalidade, como deixa claro o processo de redação da Constituição. As duas correntes religiosas entraram em acordo para eleger a Assembleia Constituinte, marginalizando os setores laicos. Agora suas discrepâncias sobre alguns artigos mais proeminentes da Carta Magna são notórias.
A atual controvérsia causada pelo filme sobre Maomé representa todo um exemplo da capacidade salafista de marcar a agenda política, perturbando os planos da Irmandade. A polêmica eclodiu horas depois de uma visita ao Egito de uma grande delegação de empresários americanos, dos quais o presidente Mohamed Morsi queria arrancar investimentos muito necessários. Mas o clima de entendimento com Washington foi para o buraco, e a Irmandade se viu forçada a convocar uma manifestação condenando o filme.
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