quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Com a retirada das forças americanas, grupo insurgente Al Qaeda permanece ativo no Iraque

Acima, Ayman Al-Zawahiri, atualmente o líder da Al-Qaeda 

O pedido era incomum, e o próprio presidente Barack Obama fez a ligação confidencial para Jalal Talabani, o presidente iraquiano.

Reunindo seus melhores talentos de persuasão, Obama pediu a Talabani, um sobrevivente político consumado, para que deixasse seu cargo. Era 4 de novembro de 2010 e o plano era para Ayad Allawi tomar o lugar de Talabani.

Com Allawi, um xiita secular e líder de um bloco com amplo apoio sunita, calculou o governo Obama, o Iraque teria um governo mais inclusivo e frearia a tendência preocupante de autoritarismo do primeiro-ministro Nouri al Maliki.

Mas Obama não conseguiu vender sua ideia. "Eles temiam o que aconteceria se os diferentes grupos do Iraque não chegassem a um acordo", lembrou Talabani, que rejeitou o pedido.

Obama apontou para a retirada das tropas americanas no ano passado como prova de que ele cumpriu sua promessa de colocar um fim à guerra no Iraque. Mas encerrar um conflito envolve muito mais do que retirar tropas. No caso do Iraque, a meta americana era deixar um governo estável e representativo, evitar um vácuo de poder que os países vizinhos e terroristas pudessem explorar e manter uma influência suficiente para que o Iraque se tornasse um parceiro ou, no mínimo, não um oponente no Oriente Médio.

Mas o governo Obama ficou frustrantemente aquém em alguns desses objetivos.

A tentativa de Obama e de seus principais funcionários de elaborar um arranjo extraordinário de divisão de poder entre Al Maliki e Allawi nunca se materializou, nem um acordo que manteria uma pequena força americana no Iraque para treinar os militares iraquianos e patrulhar os céus do país. Um plano para usar civis americanos para treinar policiais iraquianos foi severamente reduzido. O resultado é um Iraque menos estável domesticamente e menos confiável internacionalmente do que os americanos desejavam.

A história desses esforços recebeu pouca atenção em um país cansado do longo conflito no Iraque, e funcionários do governo raramente falam a respeito. Este relato é baseado em entrevistas com muitos dos principais envolvidos, tanto em Washington quanto em Bagdá.

Funcionários da Casa Branca retratam sua estratégia de saída como um sucesso, afirmando que o número de civis mortos no Iraque é baixo em comparação a 2006, quando a guerra atingiu seu ponto mais alto. A política, e não a violência, se tornou o principal meio para os iraquianos resolverem suas diferenças, eles dizem.

"O noticiário recente do Iraque sugere que com a partida de nossas tropas, a influência americana diminuiu e nosso governo desviou seu foco do Iraque", disse Antony Blinken, o conselheiro de segurança nacional do vice-presidente, Joe Biden, em um discurso em março. "A verdade é que nosso envolvimento aumentou."

Para muitos iraquianos, a influência dos Estados Unidos diminuiu muito.

 "A política americana é muito fraca", observou Fuad Hussein, chefe de gabinete de Massoud Barzani, o presidente da semiautônoma região curda, no norte do Iraque. "Não está claro para nós como eles definiram seus interesses no Iraque", disse Hussein. "Eles estão escolhendo eventos e reagindo com base nos eventos. Essa é a política."

Campanha X Realidade
Como candidato presidencial em 2008, Obama tinha uma posição básica em relação ao Iraque -ele buscaria um "fim responsável" ao conflito. Ele prometeu remover todas as brigadas de combate americanas em 16 meses, um prazo que lhe permitia flanquear sua principal rival nas primárias democratas, Hillary Rodham Clinton, mas que os militares diziam ser muito arriscado. Assim que tomou posse, ele corrigiu o prazo de retirada, mantendo as brigadas americanas posicionadas por mais tempo, mas tornando a principal missão delas aconselhar as forças iraquianas.

Todas as forças americanas deixariam o Iraque até o final de 2011, uma data de partida estabelecida em um acordo assinado pelo presidente George W. Bush e Al Maliki em 2008. Mesmo assim, Obama deixou a porta aberta para a manutenção de tropas no Iraque para treinamento das forças iraquianas, caso um acordo fosse negociado.

A situação herdada pelo governo Obama era complexa. Muitos políticos iraquianos temiam que Al Maliki, um xiita, estava acumulando poder demais e passando por cima da Constituição iraquiana, ao contornar a cadeia de comando militar formal e encher as agências de inteligência com pessoas leais a ele. Essas preocupações foram agravadas pelo impasse político que atormentou Bagdá depois das eleições de março de 2010.

Convocando uma videoconferência em 6 de outubro de 2010, Biden e as principais autoridades americanas analisaram as opções. O vice-presidente defendia um plano que manteria Al Maliki como primeiro-ministro, mas que envolvia instalar seu principal rival, Allawi, o líder do bloco Iraqiya, perto do topo da pirâmide.

Para abrir o caminho para Allawi, Biden sugeriu que Talabani, de etnia curda, deixasse a presidência e recebesse outro cargo. "Vamos torná-lo ministro das Relações Exteriores", disse Biden, segundo as notas da reunião.

"Muito obrigado, Joe", disse Clinton, notando que Biden apontou o Ministério das Relações Exteriores como um prêmio de consolação.

Biden também previu que os americanos poderiam conseguir um acordo com um governo liderado por Al Maliki. "Maliki deseja nossa permanência por perto, porque ele não vê um futuro no Iraque de outra forma", disse Biden. "Eu aposto minha vice-presidência que Maliki estenderá o SOFA", ele acrescentou, referindo-se ao Acordo de Status das Forças que o governo Obama esperava negociar.

James B. Steinberg, o vice-secretário de Estado, questionou se o plano de Biden deixaria o governo iraquiano já ineficiente ainda mais disfuncional, e sugeriu uma alternativa para Al Maliki: Adel Abdul Mahdi, um xiita e ex-ministro das Finanças. Foi feito um esforço americano discreto para explorar essa opção, mas o Irã se opôs e, consequentemente, os xiitas linhas-duras.

Preocupado com a necessidade de estabelecimento de um governo iraquiano, Obama decidiu aceitar Al Maliki como primeiro-ministro, ao mesmo tempo buscando um acordo que adicionaria Allawi e outros membros do bloco Iraqiya ao governo.

Mas produzir um acordo de divisão de poder não foi fácil. Depois que Talabani recusou o pedido de Obama, a Casa Branca decidiu contorná-lo.

Em uma carta para Barzani, Obama argumentou de novo que Talabani deveria desistir da presidência e destacou a ajuda que os Estados Unidos continuariam fornecendo aos curdos. Mas Barzani rejeitou a proposta, queixando-se de que estavam lhe pedindo para que resolvesse um problema entre árabes xiitas e sunitas à custa dos curdos.

Os americanos tinham uma opção alternativa: seria estabelecido um novo conselho de políticas estratégicas, com Allawi encarregado. Mas Al Maliki e Allawi começaram a disputar que poderes o novo conselho teria e ele nunca foi formado.

Alguns membros do partido de Allawi conseguiram cargos proeminentes no governo. Mas o elemento mais importante que a Casa Branca buscava no arranjo de divisão de poder só existia no papel. A Casa Branca, disse uma porta-voz, não estava "casada" a nenhuma opção específica e conseguiu um "governo inclusivo".

Debates internos
Enquanto se arrastava o processo de formação de um novo governo iraquiano, o governo Obama começou a voltar sua atenção em janeiro de 2011 para a negociação de um acordo que permitiria a permanência das forças americanas além de 2011.

As primeiras conversações que os americanos realizaram foram entre eles mesmos. Membros do Pentágono ouviram broncas da Arábia Saudita e de outros países árabes, que temiam uma retirada americana da região. O almirante Mike Mullen, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, e o secretário de Defesa, Robert M. Gates, defendiam que 16 mil soldados fossem deixados para treinamento das forças iraquianas, para prepará-las para realização de missões antiterrorismo, para proteger o espaço aéreo iraquiano, conter as tensões entre árabes e curdos e manter a influência americana na região.

Mas a Casa Branca, que estava cansada de grandes missões militares e também de olho na campanha para reeleição de Obama, tinha um número muito menor em mente. Em uma reunião em 29 de abril, Thomas E. Donilon, o conselheiro de segurança nacional de Obama, perguntou a Gates se ele poderia aceitar um máximo de 10 mil soldados. Gates concordou.

 Preocupado com decisões sendo tomadas sem a consideração cuidadosa de todos os fatores militares, Mullen enviou uma carta confidencial para Donilon recomendando a manutenção de 16 mil soldados.

"Diante dos riscos apontados acima e das oportunidades que poderiam surgir, este é meu melhor conselho militar ao presidente", ele escreveu. Ele acrescentou que a recomendação foi apoiada pelo general Lloyd Austin, o comandante americano no Iraque, e pelo general James N. Mattis, chefe do Comando Central, que é responsável pelo Oriente Médio.

A carta de Mullen chegou com um baque na Casa Branca. Um Donilon furioso se queixou sobre ela em um telefonema para Michele A. Flournoy, a subsecretária de Defesa para políticas. Mas ela respondeu que Mullen tinha a responsabilidade profissional de fornecer um conselho independente. Ela não considerava ser o papel dela assegurar que o único conselho politicamente aceitável fosse fornecido pela Casa Branca. Donilon se recusou a ser entrevistado, e seu porta-voz insistiu que sua discussão com o Pentágono envolvia questões militares, não políticas.

Obama indeferiu Mullen, abrindo o caminho para as negociações em torno das tropas.

Outro obstáculo
Em uma videoconferência de 2 de junho com Al Maliki, o presidente enfatizou que qualquer acordo precisaria ser ratificado pelo Parlamento iraquiano. Mas nem todo mundo no campo americano concordava com essa estipulação.

Brett H. McGurk, um ex-assessor do governo Bush a quem o governo Obama pediu que voltasse para Bagdá para ajudar nas negociações, achava que uma batalha parlamentar contundente poderia ser evitada por meio do acerto de um entendimento dentro do acordo existente de cooperação econômica e de segurança –uma abordagem que o próprio Al Maliki sugeriu várias vezes.

Mas a Casa Branca queria imunidades herméticas para qualquer permanência de tropas no Iraque, o que os advogados do governo americano, o ministro da Justiça iraquiano e James F. Jeffrey, o embaixador americano em Bagdá, insistiam que exigiria um novo acordo, aprovado pelo Parlamento iraquiano.

As negociações foram complicadas pelo fracasso americano em intermediar um arranjo de divisão de poder. Com os líderes iraquianos disputando influência e Allawi ainda fora do governo, nem Al Maliki e nem seu rival queriam colocar seu pescoço em risco ao apoiarem a continuidade da presença militar americana, não importa quão pequena.

Enquanto isso, a Casa Branca queria evitar qualquer percepção de que estava buscando um acordo para manter as tropas no Iraque, após prometer que as forças de combate voltariam para casa. Em agosto, assessores da Casa Branca pressionavam para uma redução da missão e pela reabertura da questão de quantas tropas seriam necessárias.

Clinton e Leon E. Panetta, que substituiu Gates como secretário de Defesa, argumentou que as negociações continuariam e que a meta, como antes, deveria ser a manutenção de uma força de até 10 mil soldados.

Em 13 de agosto, Obama resolveu o assunto em uma teleconferência na qual ele descartou a opção de 10 mil soldados e uma opção menor de 7 mil. As negociações prosseguiriam, mas o tamanho da força que os Estados Unidos manteriam foi reduzido: a nova meta seria uma presença contínua de cerca de 3.500 soldados, uma força rotativa de até 1.500 soldados e meia dúzia de caças F-16.

Mas não houve acordo. Alguns especialistas disseram que diante das preocupações dos iraquianos com a soberania, e a pressão iraniana, os políticos em Bagdá simplesmente não estavam preparados para tomar as decisões políticas difíceis que eram necessárias para assegurar a aprovação pelo Parlamento. Outros disseram que os iraquianos sentiram a ambivalência dos americanos e que estavam lhes pedindo para tomarem decisões políticas impopulares por um benefício militar modesto.

Encerrando o esforço
Em 21 de outubro, Obama realizou outra videoconferência com Al Maliki -sua primeira discussão do assunto desde o início das conversações em junho. As negociações foram encerradas e todas as tropas americanas voltariam para casa.

A Casa Branca insistiu que o colapso das negociações não foi um revés. “Ao analisarmos a opção de 10 mil soldados, nós chegamos à conclusão de que atingir a meta de uma parceria em segurança não dependia do tamanho de nossa pegada no país, e que a estabilidade no Iraque não dependia da presença das forças americanas”, disse um alto funcionário do governo Obama.

Ainda é cedo demais para avaliar plenamente essa previsão. Mas as tensões no país aumentaram a ponto de Barzani insistir para que Al Maliki seja substituído e do vice-presidente sunita do Iraque ser obrigado a se refugiar na Turquia para evitar a prisão.

 Sem as forças americanas para treinar e auxiliar os comandos iraquianos, o grupo insurgente Al Qaeda no Iraque permanece ativo no país e está cada vez mais envolvido na Síria. Sem as aeronaves americanas para patrulhar o espaço aéreo iraquiano, o Iraque se transformou em um corredor para voos iranianos de suprimentos militares para o governo de Bashar Assad na Síria, disseram autoridades americanas. Também é uma avenida potencial para um ataque israelense contra as instalações nucleares do Irã, algo que a Casa Branca está trabalhando para evitar.

Ryan C. Crocker, o ex-embaixador para o Iraque e Afeganistão, ofereceu seu próprio ponto de vista sobre as últimas negociações difíceis em um país onde as tropas americanas lutaram por mais de oito anos.

“Eu não acho que nenhum dos governos tratou do assunto tão bem quanto poderia”, ele disse. “O lado americano acordou para o assunto tarde demais. É preciso deixar bastante espaço de manobra para dificuldades, previstas e imprevistas. No lado iraquiano, eles deveriam ter dito: ‘Se vocês querem isso, não tentem determinar nossos procedimentos’.”

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