Diante da violência cega do aparelho repressivo, os combatentes do ELS lutam com meios irrisórios e os civis tentam sobreviver
Acima a Cidadela de Aleppo; Relatos dão conta que o monumento histórico foi bastante danificado devido aos embates entre as forças de Assad e os rebeldes |
Nos últimos cinco dias, mais um fragmento do mapa do centro histórico, Qastal al-Harami, passou para as mãos dos homens do Exército Livre Sírio (ELS), que avançaram até ter vista para a cidadela, no centro geográfico da parte mais antiga da grande cidade mercantil do norte da Síria.
Não longe de lá, os insurgentes parados há várias semanas em Bab al-Nasr partiram na direção da cidadela, ao sul. A partir de Qastal al-Harami, é na direção do norte que se encontra no inimigo, nos bairros controlados pelas forças governamentais.
O comandante Abdallah Yacine, um dos veteranos da batalha de Aleppo, um dos primeiros a entrar lá quando, após meses de preparação, os insurgentes organizados a partir de campos vizinhos se infiltraram no dia 23 de julho, veio lutar nas posições mais avançadas. “Nós controlamos agora quase 90% do centro histórico”, ele afirma, mostrando os bairros recentemente “libertados”, onde os grupos do ELS estão conduzindo uma guerra de manobras.
Mas, no centro histórico, o front oscila como uma corda excessivamente esticada. Ao chegar às ruelas de Qastal al-Harami, as forças governamentais voltaram correndo. O terreno não era favorável a elas. Não há tanque que consiga manobrar aqui. Os soldados de infantaria sírios se reagruparam em posições vantajosas a eles. Homens emboscados nos prédios mais altos atiram no rebelde de passagem ou no transeunte que não corra rápido o suficiente.
Mesmo de véu, saltos e óculos de sol, todos começam a acelerar o passo. Não é bom percorrer as ruas onde as esquinas de repente o expõem a um atirador invisível.
Mas a parte da população que não fugiu para outros bairros da cidade, para o interior ou para a vizinha Turquia, certamente é obrigada a fazer pequenas corridas para sobreviver aos combates e aos bombardeios que começam a qualquer hora do dia e da noite.
Perto de lá, a cidadela de belos muros de pedra dourada brilha sob o sol. Por trás de seus muros concebidos para resistir às invasões mongóis, os soldados do governo conduzem protegidos parte da batalha do centro histórico. Embora as ruelas pertençam cada vez mais aos combatentes do ELS, as posições são elásticas e as ações começam sem aviso.
O barulho da porta de ferro se fechando do vendedor de melancias de Qastal al-Harami se perde entre os primeiros tiros que ressoam na ruela. O pequeno grupo avançado do ELS, estacionado em uma mesquita vizinha há alguns dias, após a lenta e sangrenta conquista de vários terrenos a partir do bairro de Bab al-Nasr, tenta aumentar sua vantagem na direção de um prédio de um dos serviços de segurança, os torturadores do governo sírio.
Não será fácil. Do alto dos prédios, as posições de tiro das tropas leais ao governo são ideais para pegar uma rua atrás da outra. O entusiasmo do grupo insurgente é quebrado pelos tiros do governo, “a única chuva que temos neste momento em Aleppo”, brinca um combatente antes de descarregar seus cartuchos na rua de onde cai o aço letal.
Se ao menos as munições e as armas não fossem tão raras do lado do ELS... Com algumas kalashnikovs e um dragunov velho demais, os rebeldes não bastam, diante de um exército cujas linhas de frente não sofrem com a falta de armas mais pesadas ou de competência em matéria de tiro.
Um projétil cai exatamente no lugar onde estava o grupo alguns momentos antes. E quando um combatente tenta assumir uma posição de fogo mais vantajosa, no quinto andar de um edifício, um tiro de lançador de granadas bem mirado explode o local e põe um fim a essa vantagem.
As forças governamentais estão a menos de cem metros, e seus atiradores tiveram todo o tempo do mundo para aperfeiçoar seus tiros. O exército regular está fixo em suas posições, mas, do outro lado, o ELS só tem a vantagem de sua mobilidade contra eles. O grupo volta para o ponto de partida, e é repreendido por seu comandante, que grita com seus homens, rompendo suas cordas vocais: “Vocês atiram demais! É preciso atirar para matar, economizem suas munições.” Os outros grupos do ELS dispersos nas proximidades prestam atenção nas notícias do rádio.
Cada unidade, nesse dia a dia da guerra incerta, conta sobretudo consigo mesma. Algumas esquinas e algumas mesquitas do século 15 mais adiante, combatentes fumam à sombra, comendo uvas. É aqui o limite do bairro de Jdéidé, onde há uma grande comunidade cristã. Diante de sua lojinha, o óptico Abdul Masir lava a calçada com uma mangueira e recolhe do chão um cacho de uvas murchas. Não é porque estão atirando a algumas dezenas de metros de lá que se deve parar de cuidar de uma vizinhança tão antiga quanto o comércio.
Abdul Masir é membro da comunidade ortodoxa siríaca. Sua família se encontra em Souleymaniyé, um bairro vizinho, agora sob controle do governo. Persignando-se, ele agradece ao céu da Síria e aos homens que vivem abaixo dele pelo fato de as comunidades religiosas ainda viverem como velhas vizinhas, a essa altura dos acontecimentos. “O exército atira em todos os civis, sem lhes perguntar sua religião, mas nós vivemos muito bem juntos. Em Souleymaniyé ou em Aziziyé, as pessoas vivem sob controle do governo, mas elas têm medo. São obrigadas a se calar.” Em uma casa vizinha, combatentes descansam um pouco ao som reconfortante de uma máquina de costura. Um breve instante de respiro em uma guerra civil que não dá trégua.
Nessa mesma manhã, três homens foram levados para o hospital mais próximo da zona do ELS, o Dar al-Shifa (porta do remédio). Três homens cujas mãos ainda carregam os vestígios de suas amarras, e cujos rostos carregam os estigmas das torturas atrozes sofridas antes de serem executados. Eles foram encontrados em um terreno baldio da zona industrial, a leste da cidade. Quem teria desovado esses homens? A multidão acusa, entre sussurros, as forças de segurança. Particularmente as das aeronáutica, cuja sede fica próxima do local onde os corpos mutilados foram encontrados.
Uma van para cantando os pneus, e dela desce um primeiro homem que levanta o lençol que cobre um dos corpos e começa a tremer. Ele é irmão de uma das vítimas, e ele só consegue repetir seu nome: Mahmour Sifreni. Levam os restos mortais antes que caia um projétil sobre a multidão.
O hospital foi atingido diversas vezes por tiros do governo, como mostram as marcas que desfiguram sua fachada. Do lado de dentro, os feridos são tratados em linha de produção, basicamente civis atingidos por bombardeios ou tiroteios. O Dr. Ousmane acaba de receber um rapaz de 16 anos que teve um braço arrancado por um projétil, um pai e seus dois filhos estropiados pelo desabamento de sua casa, atingida por tiros do governo. “Dos outros, eu quase esqueço; de qualquer forma, não os conto mais. Estou cansado, tenho trabalhado 24 horas por dia”.
Ele cita, de memória, feridos que recebeu na véspera, vindos do bairro de Qaterji, tomado pelo ELS mas onde milicianos pró-governamentais atacaram os insurgentes. Sete feridos. “Tratamos todo mundo. Ah, se pelo menos o governo pudesse parar de atirar no hospital, há muitos projéteis que caem em todos os bairros vizinhos, é um massacre, não conseguimos dar conta”.
O hospital de Al-Shifa recebeu, no início da tarde de quarta-feira (29), 89 feridos desde a meia-noite da véspera. Enquanto terminavam a contagem, trouxeram em uma van um homem inconsciente, ferido na mão. Noventa. Sem contar os feridos de maior gravidade, levados para a Turquia. E os mortos. Um dia de batalha em Aleppo.
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