sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Entrevista com Tawakkul Karman


NOBEL DA PAZ, ATIVISTA DO IÊMEN FALA À FOLHA SOBRE A PRIMAVERA ÁRABE E PEDE 'PRESSÃO FORTE E SÉRIA' DO MUNDO CONTRA A SÍRIA

Tawakkul Karman é fotografada com seu Prêmio Nobel da Paz
Desde que recebeu o Nobel da Paz, em 2011, a jornalista iemenita Tawakkul Karman, 33, tem sido vista como uma sucessora natural do regime

de Ali Abdullah Saleh, ditador deposto em fevereiro após as manifestações em grande medida organizadas por ela.

"Dizem que sou a terceira rainha do Iêmen", brinca Karman, por telefone, à Folha. Afinal, diz, o país está pronto para ser liderado por uma mulher -como no passado.

A comparação tem peso ideológico, conforme coloca a ativista entre duas governantes de cujos reinados a população se recorda com carinho: a mítica Bilqis -a rainha de Sabá, para os muçulmanos- e Arwa al Sulayhi, que governou no século 11.

Karman já tem ao seu redor os mitos e as contradições que costumam rodear a realeza. Ela é ora apelidada "dama de ferro", ora chamada de "mãe da revolução".

Ela também apresenta um desafio a quem, no Ocidente, torce para a queda de ditadores mas faz careta para a ascensão de partidos islâmicos.

Ex-filiada ao Al Islah -coalizão que inclui um braço da Irmandade Muçulmana no Iêmen- a ativista diz que a população iemenita "não quer fazer o jogo dos ocidentais".

"Somos uma democracia", afirma Karman, que deve vir ao Brasil em novembro para um evento sobre a transparência na política. "Temos de dar a oportunidade para todas as pessoas participarem."


Folha de São Paulo: Como a revolução aconteceu?
Karman: Quando vi que o nosso país estava destruído, me perguntei: o que eu posso fazer?

Podíamos ter observado o povo, a terra, a economia e a política do país em cinzas. Mas decidimos fazer alguma coisa, em vez de esperar a solução vir de outras pessoas.

Nós mantivemos protestos semanais em frente ao gabinete. Nós nunca desistimos, pois sabíamos que chegaria o momento em que as pessoas nos ouviriam, nos seguiriam.

A revolução chegou a todas as casas, a todas as tribos e partidos, ao sul e ao norte, às mulheres e aos jovens.

É um trabalho acabado?
A revolução está em progresso. Estamos atrás de outros objetivos. Só atingimos o primeiro passo, que era derrubar o ditador. Ainda temos a corrupção institucional.

Além disso, estamos organizando um diálogo participativo que incluirá todo o povo iemenita. Eles vão discutir a nova situação política e as soluções para os problemas criados pelo regime anterior.

É uma tarefa perigosa?
Sim. Me prenderam, me sequestraram. Mas falar sobre mim não é certo. Não fui só eu --muitos também foram feridos e mortos pelo regime.

Nós não nos importamos com o quanto vamos ter de pagar. Nossa alma, nosso dinheiro? Nós lutaremos em todos os campos para ganhar a dignidade para as pessoas, para as gerações seguintes.

Sem sacrifício, sem pagar o preço, não teríamos sido capazes de derrubar o regime.

Como o prêmio Nobel se encaixa nesse processo?
Foi muito surpreendente. Eu nem sabia que era uma candidata. Eu estava em campo, sob o ataque constante do regime. Estava bastante ocupada, ajudando os feridos.

Eu fiquei sabendo da vitória pela TV e pela população. As pessoas estavam dançando ao redor do meu acampamento, cantando que nós tínhamos vencido. Eles não falavam "a Tawakul venceu". Eles diziam "nós vencemos".

Foi uma espécie de retribuição pela revolução pacífica e pela Primavera Árabe.

Você se sente pressionada, após ter recebido o prêmio?
Eu sinto a responsabilidade que carrego. Penso em como podemos nos agarrar a essa solução pacífica e continuar nosso trabalho de convencer as pessoas a não continuar com a violência.

As mulheres ainda têm conquistas a fazer nos países árabes. É uma primavera por vir?
Quando falamos sobre os direitos das mulheres nos países árabes, nós temos de falar sobre os direitos que elas tinham antes da revolução e os que elas têm depois. Existiu um ponto de inflexão.

As mulheres eram muito fracas. Eram vítimas. Se tivessem sorte, desempenhariam um papel tradicional feminino. Não participariam da política, da vida pública.

Depois da revolução, as mulheres se descobriram. Tornaram-se líderes. Livraram-se da imagem de que não podem fazer um bom trabalho. Não precisam de alguém para lhes dizer "não".

Houve revolução, então?
A revolução social é tão importante quanto a revolução política. Agora as pessoas acreditam nas mulheres, esperam que liderem o país.

No Iêmen, há mulheres no gabinete. A maior parte das nações árabes tem um bom número de mulheres no Parlamento. Mas não é uma questão de a mulher ser parlamentar, e sim uma cidadã que batalha por seus direitos.

Você vai ser presidente?
Deixe-me ser franca. As pessoas no Iêmen estão prontas para ser lideradas por uma mulher. Nosso país foi governado por duas rainhas, na história, e foram os períodos mais fortes e ricos para o Iêmen. As pessoas estão esperando por esse momento. Elas dizem "Tawakkul é a nossa terceira rainha".

Mas minha responsabilidade é mais do que ser presidente. Tenho de estar com o povo. Tenho um trabalho internacional para fazer. Acho que vou ser mais influente fora dos órgãos operativos.

Talvez eu possa mudar de ideia. Mas é da minha personalidade estar com o povo e observar as autoridades.

O Ocidente se incomoda com a ascensão dos islamitas?
Algumas pessoas no Ocidente ficaram chocadas com o resultado da Primavera Árabe. Eles não esperavam que todas essas pessoas fossem mudar suas vidas, derrubar ditadores dessa maneira.

Agora os ocidentais dizem que "eles estão errados em eleger islamitas". Só que essas escolhas são dos povos.

As pessoas fizeram a revolução contra ditadores que controlavam tudo sozinhos, com suas tribos e seus partidos. Agora, elas querem dar a oportunidade para todos os partidos, para todo o mundo.

Não será como antes. Hoje, todo o mundo pode ser presidente, primeiro-ministro ou membro do Parlamento.

Quem vai observar e dizer "esse partido não é bom" será o povo. Se qualquer movimento, seja de esquerda ou de direita, fizer alguma coisa contra os ideais da revolução, as pessoas vão às ruas. Nós somos uma democracia.

Temos de dar a oportunidade para as pessoas participarem. Quem não participa, caso tenha sua própria ideologia, pode ficar violento.

Como você vê a crise síria?
A Síria é um dos países da Primavera Árabe. Nós nos importamos com a revolução deles. Estamos confiantes de que o povo vencerá. Já venceram --eles vão anunciar a vitória completa em breve.

Mas esse é um caso difícil. A comunidade internacional não está cumprindo sua responsabilidade em relação ao povo sírio. Não apoia os sírios como fez na Tunísia, no Egito, na Líbia e mesmo no Iêmen. Os sírios estão sozinhos.

O que fazer?
Nossa exigência para a comunidade internacional é de que exerça sua responsabilidade e aja de acordo com seus valores: interrompam os assassinatos de Bashar Assad. Tem de ser feito agora.

É sobre os ideais que o Ocidente carrega --eles sempre falam de liberdade, mas estamos pondo isso em dúvida.

É do próprio interesse dos ocidentais. É importante para o Ocidente que o povo sírio faça a revolução com eles, e não sem eles. Mas a Síria irá vencer com ou sem a ajuda.

Estamos falando sobre uma intervenção militar na Síria?
Estou falando sobre criar bolsões de segurança no país. Sobre formar um corredor para levar a ajuda humanitária ao povo. Essa é a nossa reivindicação. Não estamos pedindo mais do que isso --façam uma pressão forte e séria.

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