terça-feira, 14 de agosto de 2012
Críticos veem restrições à internet na Coreia do Sul como censura
Um crítico do governo que xingou o presidente por sua conta no Twitter a teve bloqueada. Um ativista cuja postagem no Twitter comparava as autoridades a piratas por aprovarem uma base naval controversa, foi acusado pela Marinha de crime de difamação. E um juiz que escreveu que o presidente (“Sua Alteza”) buscava “ferrar” os usuários de Internet que questionavam sua autoridade foi demitido no que foi amplamente visto como uma punição.
Essa repressão à liberdade na Internet seria notável, mas talvez sem causar surpresa, na China, com seu exército de censores online vigilantes. Mas o ávido policiamento das redes sociais nesses casos ocorreu na Coreia do Sul, uma democracia próspera e uma das sociedades mais conectadas do mundo.
A aparente desconexão é ao menos em parte enraizada na luta da Coreia do Sul para administrar as contradições em abraçar avidamente a Internet como forma de alcançar as maiores economias do mundo, e permanecer agarrada a um passado patriarcal e um tanto puritano. Em uma nação tão ameaçada por Lady Gaga que proibiu fãs menores de 18 anos a assistirem um concerto, a ideia de oportunidades ilimitadas para os usuários de Internet xingarem em “público”, virem pornografia ilegal e contestarem as autoridades provou ser profundamente perturbadora.
“Há não muito tempo, o papel do governo e o papel do establishment, incluindo a imprensa, era de uma espécie de pai benevolente das massas”, disse Michael Breen, autor de “The Koreans: Who They Are, What They Want, Where Their Future Lies”. “O governo sempre sabe melhor e as pessoas eram meio que estúpidas. Eu acho que um pouco disso ainda persiste.”
Os críticos do governo do presidente Lee Myung-bak concordaram que seu caráter conservador está por trás da repressão à Internet. Mas eles argumentam que as proibições a xingamentos e outras atividades online também se tornaram uma desculpa conveniente para calar os críticos. Não é a primeira vez que o governo é acusado de excesso de zelo: dois ex-assessores da presidência e outros funcionários estão sendo julgados por acusações de realizarem vigilância ilegal de cidadãos.
A destruição de liberdades arduamente conquistadas é particularmente perturbadora, dizem os ativistas, porque as redes sociais se transformaram nos mais novos veículos para rebelião, substituindo as batalhas de rua nos anos 80, que forçaram o fim de décadas de ditadura.
“A nova mídia e redes sociais como o Twitter despontaram como novas ferramentas políticas para pessoas antigoverno e de esquerda”, disse Chang Yeo-kyung, um ativista de liberdade de expressão. “O governo quer criar um efeito intimidador, para impedir a disseminação de pontos de vista críticos.”
Essa acusação é apoiada por alguns observadores internacionais. O relator especial da ONU para liberdade de expressão ficou alarmado o suficiente no ano passado, a ponto de fazer sermão para as autoridades sobre a necessidade de escrutínio público em uma democracia.
E neste ano, a Repórteres Sem Fronteiras listou a Coreia do Sul como um país “sob vigilância”, em um relatório intitulado “Inimigos da Internet”, que colocou o país em companhia da Rússia, Egito e outros conhecidos por sua intolerância à dissensão.
O grupo disse que a Coreia do Sul intensificou sua antiga campanha contra material que parece apoiar a Coreia do Norte. Mas o relatório disse que “a censura também está focada nas opiniões políticas expressas online – um tema chave neste ano eleitoral”.
O governo nega tentar calar as críticas e diz que abre a maioria dos casos após ser alertado pelos cidadãos, incluindo aqueles que se autonomearam “ciber-xerifes”.
Em uma declaração defendendo sua posição, o governo disse que agiu porque as “difamações, suicídios causados por excesso de insultos e a disseminação de falsos rumores se transformaram em questões sociais”.
Mas o reverendo Choi Byoung-sung, um crítico da política ambiental do governo, argumenta que a liberdade de expressão está sendo minada. “Eles estão incendiando uma casa inteira sob o pretexto de matar algumas poucas pulgas”, disse Choi, que combateu a remoção das postagens em seu blog que alertavam sobre os riscos potenciais à saúde do cimento contendo lixo industrial (Ele venceu.)
O caso de amor, apoiado pelo governo, da Coreia do Sul com a Internet deu frutos: o país conta com uma das Internets mais rápidas do mundo. É motivo de orgulho o fato dos usuários de metrô de Seul poderem navegar na Internet com seus smartphones.
Mas com as óbvias vantagens para os negócios veio o inesperado: um ataque violento às convenções sociais. A aversão à contestação dos superiores é tão profundamente enraizada que quando as companhias áreas sul-coreanas sofreram um número incomum de acidentes nos anos 90, os investigadores frequentemente os atribuíam em parte à hesitação dos copilotos em questionar os pilotos, mesmo quando o erro era óbvio.
A distância e o anonimato da comunicação pela Internet eliminou muitos desses temores. De repente, as pessoas que não imaginavam usar nada além de títulos honoríficos educados para se dirigirem às pessoas acima delas na hierarquia social se soltaram, criticando os líderes com linguagem normalmente limitada às conversas entre amigos. A humilhação daqueles criticados tão audaciosamente, dizem os analistas, é difícil de superestimar.
“É dada uma ênfase tremenda à importância de manter as aparências”, disse Chang.
Park Kyung-sin – um dos poucos membros do conselho regulador de Internet do governo nomeado pelos partidos de oposição, e um ardoroso críticos de suas políticas – diz que os membros da elite política se sentem particularmente ameaçados, porque eles se veem como “figuras paternas”.
Uma das primeiras decisões tomadas pelo conselho após Lee chegar ao poder foi “purificar a linguagem” usada contra Lee, porque, como disse posteriormente um comissário, ele deve ser tratado como o pai do Estado, “uma forma estendida da família”.
Esses argumentos socialmente conservadores tinham menos força durante o governo do antecessor de Lee, Roh Moo-hyun, que demonstrava maior aceitação das críticas pela Internet, em parte por estar determinado a abolir o que analistas políticos chamavam de “presidência imperial” e por considerar os comentários pela Internet em geral mais amistosos do que os da mídia conservadora.
Sob os nomeados por Lee, os reguladores mais que triplicaram o número de postagens na Internet removidas ou bloqueadas, de 15 mil em 2008 para mais de 53 mil no ano passado, por infrações que incluem postagem de pornografia, uso de linguagem chula ou apoio à Coreia do Norte.
Os críticos do governo dizem que a maior vigilância começou desde cedo no mandato de Lee, após seu governo ter acusado os inimigos políticos de usar a Internet para organizar manifestações em massa em 2008 contra a decisão de importar carne bovina americana.
Os promotores foram acusados de empregar uma lei da era da ditadura, quando indiciaram vários dos considerados responsáveis pela disseminação de “falsos rumores”. Entre os indiciados: um adolescente que enviou mensagens de texto sugerindo que estudantes de todo o país faltassem às aulas para se juntarem aos protestos (Ele foi absolvido.)
Essa lei acabou sendo julgada inconstitucional. Mas os ativistas dizem que o governo conta com muitas ferramentas legais, mais notadamente uma lei de difamação que amplia a definição de crime muito além do que seria aceito em outros países.
“Muitos processos criminais de difamação são impetrados contra declarações que são verdadeiras e de interesse público”, disse Frank La Rue, um relator especial da ONU, em seu relatório no ano passado.
Para Park, o dissidente no conselho de censura, um dos piores problemas é que sua comissão pode agir com impunidade, frequentemente removendo conteúdo sem notificar o autor.
O conselho diz estar trabalhando para se tornar mais transparente. Mas Song Jin-yong, cuja conta foi bloqueada por ter usado um pseudônimo cuja tradução seria “Lee Myung-bak bastardo”, disse que o conselho não entende um ponto mais importante sobre direitos democráticos.
“O governo diz que eu não posso nem mesmo escolher minha identidade no Twitter”, disse Song recentemente. “Não faz parte do meu direito xingar o presidente quando estou descontente com ele?”
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