quinta-feira, 19 de julho de 2012

Islamitas alemães desiludidos abandonam a jihad


Dia de Jerusalém em Berlin

O bairro de Kumkapi, em Istambul, é normalmente o tipo de lugar onde dançarinas do ventre podem ser encontradas balançando seus quadris diante de clientes bêbados. Para Peter B., que está atualmente preso em uma cela em Kumkapi, é o local onde Deus o está testando para o paraíso.

A prisão turca para os detidos que aguardam deportação é um prédio bege de arenito. Câmeras de vigilância monitoram os três andares, e guardas armados com submetralhadoras estão posicionados na entrada. Em uma sala no térreo, Peter B. está ajoelhado no piso branco diante de seu filho de 3 anos, Uwais. O menino pergunta ao pai: “Por que a polícia prendeu você?” Acariciando o rosto de seu pai, ele acrescenta: “Se você rezar bastante, eles deixarão você sair”.

Um guarda armado monitora a reunião de família atrás das grades. Peter B. coloca sua mão na nuca de seu filho e recita um verso do Corão. Ele visa protegê-lo de shaitan, o diabo. “Eu parti do Paquistão para que os cérebros dos meus filhos não ficassem entorpecidos”, ele diz. Ele ficou decepcionado com seus irmãos muçulmanos, cujas mensagens de vídeo o atraíram até o Waziristão, uma parte montanhosa da região do Hindu Kush e uma fortaleza do Taleban e da Al-Qaeda.

Eles prometiam que haveria escolas e hospitais lá, ele diz, acrescentando: “Você confia em seus irmãos e acha que eles não mentirão”. Ele ergue sua sobrancelha esquerda e diz: “Não havia nada lá, exceto aeronaves não tripuladas”.


Uma reversão da tendência
Por anos, a região montanhosa na fronteira entre o Afeganistão e Paquistão parecia uma espécie de Meca para os militantes. Mais de 200 voluntários partiram da Alemanha, viajando sozinhos e com suas famílias, com destino ao Waziristão. Aqueles que foram primeiro apareciam em vídeos pela Internet para recrutar mais voluntários. Eles prometiam um paraíso na Terra, ou ao menos o precursor dele. Para as autoridades alemãs, os combatentes eram um pesadelo, e eram vistos como a maior ameaça à segurança doméstica.

Mas essa tendência pode estar revertendo há algum tempo. O número de voluntários está caindo, enquanto o número daqueles voltando para casa está crescendo.

As condições de vida nas montanhas são mais duras do que o retratado nos vídeos promocionais. A morte chove constantemente do céu, na forma dos mísseis das aeronaves não tripuladas americanas. Uma dúzia de combatentes da Alemanha já morreu.

As rotas de volta para casa costumam passar pela Turquia e o eixo é Istambul. Agentes da inteligência turca, americana e alemã lotam a metrópole, que se transformou em um dos locais mais monitorados do mundo. Todos estão tentando rastrear quem chega e quem sai.

Thomas U., que já posou como combatente em um filme de propaganda, foi preso em Istambul. Faith T., nascido em Berlim e supostamente o líder do subgrupo Mujahedeen Taleban Alemão, foi preso no início de junho.

O suposto jihadista preso mais recentemente foi Peter B., após o gabinete do promotor público da cidade de Stuttgart, no sudoeste da Alemanha, ter expedido um mandado de prisão contra ele. B. é acusado de ser membro de uma organização criminosa e ter recrutado combatentes para a jihad. Os agentes de contraterrorismo turcos prenderam B. em 27 de junho, e ele foi extraditado para a Alemanha no início da semana passada.

Aparecendo no radar das autoridades
A jornada de Peter B. e sua esposa é típica para uma geração de jovens muçulmanos que se radicalizaram na Alemanha, partiram para a guerra e agora estão nas garras das autoridades.

Peter B., 31 anos, atende pelo seu nome islâmico de “Ammar”. Em um vídeo na Internet, ele explicou que se converteu ao Islã após a morte de um amigo. Ele trabalhava em uma loja de celulares e estudava à noite, para conseguir um diploma que lhe permitiria cursar a universidade. Na época ele morava em Ulm, onde se desenvolveu uma cena radical vibrante. Islamitas locais se encontravam no “Centro de Informação Islâmica de Ulm”, onde B. era o secretário e tesoureiro do grupo.

Em 2004, o gabinete do promotor público de Munique deu início a uma investigação preliminar contra B., sob suspeita de formar uma organização criminosa e recrutar combatentes. Em questão estava uma publicação islamita chamada “Pense Islâmico”, da qual B. servia como editor. As autoridades alegaram que a publicação incitava o uso de violência para fins políticos. B. foi um dos alvos do processo, mas as acusações contra ele acabaram sendo retiradas. B. alega que estava apenas realizando dawah, ou pregando o Islã.

Mas então o nome de B. apareceu em uma investigação contra a chamada Célula de Sauerland, um grupo de terroristas que preparava um ataque contra a Alemanha. Um dos réus estava dirigindo a Mercedes de B. e a polícia encontrou um detector de grampos enquanto revistava o veículo. Desde então, B. passou a ser mencionado nos arquivos como “contato”, mas os investigadores ainda não conseguiam provar que ele era mais que um conhecido casual dos supostos terroristas.

B. aparentemente estava caminhando sobre uma linha tênue, mantendo relações tanto com muçulmanos militantes quanto pacíficos. Mas então o gabinete do Procurador-Geral da Alemanha começou a estudar acusações potenciais contra B. por apoio a uma organização terrorista.

Os detalhes dados por Ahmad Sidiqi à polícia alemã acabaram sendo mais sérios. Em 2010, os militares americanos detiveram Sidiqi, um alemão de descendência afegã que vivia em Hamburgo, em Cabul. Sidiqi alegou que Peter B. pretendia originalmente se juntar ao Movimento Islâmico do Uzbequistão, mas que Sidiqi o dissuadiu de fazê-lo. Segundo Sidiqi, Peter B., Faith T. e um alemão de descendência turca passaram uma noite na casa dele em Mir Ali, a capital não oficial do Waziristão, onde pistolas e rifles AK-47 fazem parte da vida diária.

Fugindo assustado
No centro de deportação em Istambul, B. se ajoelha no chão enquanto conta seu lado da história. A longa barba com que ele é visto nas fotos de procurado foi substituída por uma barba de três dias. Falando suavemente, ele diz: “Eu amo os mujahedeen, mas não queria ter nada a ver com essas organizações”.

A uma curta caminhada da cela de B., sua esposa, Sara, 23 anos, está sentada no pátio da Mesquita de Fatih. Ela fica em um bairro islâmico ortodoxo de Istambul, conhecido como “Pequeno Irã”. As mulheres usam o véu facial pleno conhecido como niqab, e os homens vestem uma túnica até a altura do tornozelo, conhecida como jalabiya. Sara gosta daqui. “Eu não gosto de ver muita pele”, ela diz, enquanto amamenta sua filha sob suas roupas.

O marido dela alega que o mandado de prisão alemão os fez fugir do Egito, onde viviam em um conjunto habitacional isolado em Alexandria, para a região do Hindu Kush. B. diz que só soube sobre o mandado de prisão quando estavam no Egito. “Eu sou humano, então fiquei apavorado”, ele diz, notando que fugiram naquela mesma noite.

“Quando fui informada sobre irmos para o Paquistão, meus olhos quase pularam fora da minha cabeça”, diz Sara. “Eu nem mesmo sabia se encontraríamos fraldas Pampers lá.”

Nada como o lar
B. diz que o Waziristão é o único local onde os mandados de prisão alemães não valem nada. “Eu queria viver uma vida islâmica lá”, ele diz. Ele descreve os primeiros meses como difíceis. Ele e sua família se mudaram para um apartamento assim que chegaram, mas não demorou muito para serem expulsos por membros da Al-Qaeda, supostamente porque “Ammar” se recusava a se juntar aos combatentes.

Há 30 organizações diferentes na área, diz B., e todas elas brigam entre si. A família foi forçada a dormir na rua por dias. Mas então a salvação chegou na forma de dinheiro de sua mãe na Alemanha. Ele comprou uma casa de adobe por 350 euros e uma moto por 450 euros. O novo mundo deles era cercado por um muro de pedra.

Quando sentiam saudade de casa, eles iam passear até as “lojas europeias” na cidade, que vendem produtos alemães, como Nutella, mousse para cabelo Nivea e chocolate quente para as crianças - além de Pepsi. Quando B. pensa a respeito, ele se recorda de como a garota na loja explicou para ele que uma Pepsi custava 20 rupias. “Primeiro, ela contou os dedos das mãos, depois os dedos dos pés”, ele diz. “Eu não queria que meu filho fosse tão estúpido.”

Quando uma torneira quebra no Waziristão, diz B., ela permanece quebrada. Quando o ônibus supostamente deve chegar às 8h da manhã, ele nunca aparece. “Eles simplesmente não têm um sistema organizacional como nós”, ele explica. Certa vez, ele acrescenta, ele levou Sara consigo ao mercado. Por dias, os vizinhos o criticaram por deixar sua esposa sair de casa. B. diz que sua esposa não é um animal, algo que precisa ser mantido trancado. Eles se sentiam desconfortáveis na cidade, mas mesmo assim permaneceram por um ano. “Se você quiser partir imediatamente, eles pensarão que você é um espião”, ele diz.

Em Mir Ali e arredores, o silvo sutil das aeronaves não tripuladas fazia parte do dia a dia. Quando os mísseis atacavam ao longe, eles podiam ver uma nuvem de fumaça. Quando um míssil atingiu um prédio vizinho, a terra tremia. Quando isso aconteceu, B. saiu correndo para ajudar as vítimas, e quando ele voltou ele descreveu as cenas de pernas e braços amputados, e crianças órfãs vagando a esmo pelas ruas estreitas. B. tinha dificuldade para dormir e quando sua esposa peneirava farinha durante o dia para remover as larvas, ela frequentemente pensava no que aconteceria se uma aeronave não tripulada levasse seu marido e filhos.

Na época, Sara estava grávida de sete meses. B. a levou para um local chamado de hospital. A ala de maternidade era um longo corredor com portas abertas e mulheres gritando, onde fluido amniótico misturado com sangue e fezes era lavado para um esgoto a céu aberto. “Era como a Idade Média”, diz Sara. “Quando vi aquilo, eu jurei a mim mesma que não daria à luz ali.”

Fuga e extradição
Logo após o nascimento - e apesar do mandado de prisão - o casal decidiu partir do Waziristão. A jornada deles para casa começou em um micro-ônibus caindo aos pedaços, usado por traficantes de drogas. Sara descreve a experiência como envolvendo “homens fumando maconha, fedorentos, que nos trataram como sacos de farinha e ignoravam os horários de oração”. Então veio a jornada a pé pelas montanhas iranianas e o nascimento da filha mais nova deles, Shaheeda (“mártir”), assim que cruzaram a fronteira iraniana.

B. não queria voltar para a Alemanha, onde temia que as pessoas chamariam sua esposa de “terrorista” ou “pinguim” se fosse ao supermercado de véu. “Eu não quero ser um problema para a Alemanha”, ele diz, “assim como não quero que a Alemanha seja um problema para mim”.

Durante a detenção em Istambul, B. contratou advogados e assinou uma petição pedindo que a ONU bloqueasse sua extradição para a Alemanha - em vão. Na última segunda-feira (17), as autoridades turcas o colocaram em um voo para Frankfurt. Sua esposa e filhos o seguiram dois dias depois. B. agora está na prisão aguardando julgamento - ou liberdade, é claro, se houver evidência insuficiente para condená-lo.

No Waziristão, ele prometeu para sua esposa que se voltassem a viver na Alemanha de novo, eles voariam para as Maldivas. Ele chama o Estado insular no Oceano Índico de o lugar mais bonito depois de Meca. E, é claro, depois do paraíso.

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