quinta-feira, 26 de julho de 2012

El País: A receita iemenita para uma solução síria


Manifestante iemenita mostra mão manchada de sangue depois de transportar um companheiro ferido ao hospital após confronto com simpatizantes do presidente Ali Abdul Saleh, em Taiz. Pelo menos uma pessoa morreu e outras nove ficaram feridas 

No ano passado a revolta popular deixou o Iêmen à beira da guerra civil. Apesar de sua fragilidade como Estado, de sua pobreza e de ser o segundo país com maior número de armas de fogo per capita, um acordo apadrinhado por seus vizinhos conseguiu reconduzir essa realidade para uma transição política, por mais imperfeita que fosse, mas pacífica no fim de contas.

Seu exemplo valeria para a Síria?

A pergunta ronda a mente de analistas e diplomatas há meses. A Liga Árabe inclusive chegou a considerar essa possibilidade em janeiro passado. E algumas fontes afirmavam que era a alternativa em que a Rússia trabalhava discretamente.

À obrigatória salvaguarda de que não há dois países iguais, segue-se perguntar qual foi a chave que garantiu que Ali Abdullah Saleh abandonasse a presidência por bem, depois de 33 anos no poder. O eixo da chamada Iniciativa do Golfo foi a garantia de imunidade que ofereceu a Saleh --para ele, sua família e seus colaboradores mais próximos, 80 pessoas ao todo. Estava implícito no pacto que o processo respeitaria a dignidade do presidente e que não haveria um gesto humilhante de renúncia, algo importante em uma sociedade tribal onde a honra é um valor irrenunciável.

O acordo apadrinhado pelos seis membros do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) não era na realidade muito diferente do plano originalmente traçado pela embaixada dos EUA em Saná. Mas o exonerava de responsabilidades penais uma vez que deixasse o poder. Saleh havia rejeitado a proposta americana, temeroso do longo braço do Tribunal Penal Internacional e preocupado com o futuro de seu filho Ahmed e de seus sobrinhos Ammar, Yehya e Tarek, todos figuras chaves no controle das forças de segurança, que eram um dos pilares de seu regime.

Para garantir esse processo, se estabeleceu que o presidente delegaria seus poderes executivos ao vice-presidente, Abedrabbo Mansur Hadi, não na assinatura do documento (que finalmente ocorreu em novembro, depois de seis meses de negociações), mas sim 30 dias depois, quando o Parlamento aprovasse a prometida lei de imunidade. Dois meses mais tarde se realizariam eleições com um só candidato, o já presidente em exercício Hadi, com o compromisso de formar um governo de união (que incluísse o partido de Saleh e os da oposição) e iniciar um diálogo nacional para redigir a nova Constituição.

A fórmula contou desde o início com a aceitação (embora com diferentes níveis de entusiasmo) dos partidos de oposição, que, diferentemente da Síria, mantinham sua independência do partido governamental e presença parlamentar. Mas sobretudo com o apoio unânime dos países de cuja ajuda financeira e militar o Iêmen depende: EUA e Arábia Saudita. A coordenação de ambos, sob o guarda-chuva do CCG para dar uma imagem de acordo regional, foi essencial para conseguir que Saleh e seus adversários aceitassem. Sem dúvida também pesou a divisão do exército e das tribos ao longo das mesmas linhas que o resto da sociedade, o que acabou convencendo os dois lados de que nenhum podia ganhar.

O possibilismo se impôs, e a maioria dos iemenitas respirou tranquila, convencida de que se havia evitado um novo conflito fratricida. No entanto, a saída alienou os jovens revolucionários que promoveram o protesto, em primeiro lugar, e com os quais não se contou para o acordo político. Muitos deles continuam acampados em sinal de desacordo, pedindo que Saleh seja julgado e que mude não só o presidente, como todo o sistema político. Para eles, os partidos tradicionais são a outra face da mesma moeda. Querem apagar tudo e recomeçar do zero, mas carecem de organização para levá-lo adiante.

O preço pago é que Saleh continua mantendo o controle mais ou menos direto de parte do exército (por meio de seus familiares) e não renuncia a fazer declarações políticas que alimentam a ideia de que voltará dentro de dois anos, quando forem convocadas eleições de acordo com a nova Constituição. Inclusive os que apoiaram sua imunidade reconhecem que a transição não será completa enquanto o ex-presidente não abandonar o Iêmen de forma definitiva, algo complicado porque vários países consultados na época, entre eles a Espanha, se negaram a recebê-lo. Os EUA lhe concederam no final de junho um visto por razões médicas, mas não está claro por quanto tempo se prolongará sua estada no país.

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