quarta-feira, 27 de junho de 2012

Membro exemplar da Irmandade Muçulmana assume presidência do Egito


Mohamed Morsi

Ele encarna sozinho o resultado de 84 anos de esforços coletivos, de opressão e de sacrifícios. Quase um século de pensamento político e religioso voltado para uma conquista do poder e para a instauração de um Estado islâmico moderno pela Irmandade Muçulmana egípcia, que por fim chegou ao poder através da intervenção de Mohamed Morsi.

No entanto, seria difícil encontrar o que quer que fosse de brilhante nesse homem atarracado que, tanto em coletivas de imprensa quanto em reuniões políticas, se vale obstinadamente do politiquês impenetrável e ambíguo adotado pela maior parte de seus colegas. Figura pouco carismática lançada por acidente em um cargo de presidente, Mohamed Morsi não é nem um animal político nem um ideólogo. Ele é mais um discreto membro de partido que sabe adotar um perfil discreto para melhor servir a seus ideais.

Nada a ver com seu adversário no segundo turno, Ahmed Chafik, ex-piloto de caça, atlético, nomeado primeiro-ministro por Hosni Mubarak antes de sua expulsão, com sua elegância casual. Essa candidatura improvável chegou a dar algumas falsas esperanças aos partidários do antigo regime, convictos de que seu candidato poderia vencer na última hora um homem por quem ninguém dava nada.

Abnegação do militante
Mas, ao chegar à presidência do Egito, em 2 de junho, o islamita sem graça consagrou o triunfo de uma estratégia que compensou: aquela que levou a Irmandade Muçulmana a abrir mão da violência e a esperar sua vez de ser levada ao poder pela vontade do povo, colhendo assim os frutos de décadas de proselitismo. Esperar, aguentar, negociar, sujeitar-se, resistir, dissimular: valores que Mohamed Morsi carrega consigo com a abnegação do militante.

Que ninguém se engane: antes de ser o presidente do Partido da Justiça e da Liberdade fundado pela Irmandade Muçulmana, que até então não tinha uma vitrine política legal, após a revolução, ele foi primeiramente a engrenagem de uma máquina que permaneceu nas mãos do guia supremo da confraria. E o substituto acidental de outro homem aparentemente mais talhado que ele para a função suprema. Khairat Chater, milionário e célebre ex-prisioneiro político, era o grande favorito dessa eleição presidencial antes de ser eliminado da corrida por causa de seu histórico criminal, provavelmente por instigação dos militares. Além disso, ele reina supremo ainda hoje na organização da Irmandade.

No entanto, o doutor Mohamed Morsi, 60, é provavelmente o mais instruído dos presidentes egípcios. Uma trajetória impecável o conduziu de uma família de camponeses analfabetos do Delta do Nilo até os bancos da faculdade de engenharia da Universidade do Cairo, e depois ao posto de professor da Universidade da Califórnia nos anos 1980, e por fim ao posto de diretor do departamento de engenharia da faculdade de Zagazig, no Delta, que ele ocupou durante 25 anos.

Uma história de sucesso à egípcia que a história local adora. Mohamed Morsi não é o primeiro filho de camponeses das margens do Nilo a ascender ao palácio da República, mas, pela primeira vez na história do Egito, não foi o Exército que deu a um filho de fellahs (camponeses) a oportunidade de chegar à presidência.

É a uma organização secreta de disciplina igualmente militar, à qual ele dedicou 33 anos de sua vida, que Mohamed Morsi deve sua ascensão. Entre 1979 e 1995, ele galgou todos os degraus hierárquicos da confraria, passando de simples membro até o cobiçado "conselho consultivo", a instância suprema da organização. Nos anos 2000, ele foi um dos principais atores das vitórias parlamentares da Irmandade. Ele dirigiu o grupo de deputados na Assembleia do Povo, o que fez com que ele sofresse a repressão do regime, inclusive uma condenação de sete anos de prisão.

Obediência cega às ordens
Mohamed Morsi deve essa rápida ascensão, segundo seus detratores, à sua obediência cega às ordens, que faz dele um perfeito oficial subalterno. Para Abderrahmane Ayash, jovem membro dissidente que deixou a organização após a revolução, "Morsi é capaz de discutir durante uma hora a diagramação de um documento que imprimam para ele, sem dizer uma palavra sobre o conteúdo. É um burocrata antes de qualquer coisa, superautoritário, frio e obcecado por ordem. Para ele, a única coisa que conta é o 'tanzim', a hierarquia".

De fato, o homem não agrada à jovem guarda. Ainda que ele tenha administrado desde 2004 o caso das alianças políticas da Irmandade com as coalizões liberais a favor de reformas democráticas, ele tolera mal as críticas à organização. Em 2007, ele teve um papel central na elaboração do primeiro programa político oficial da Irmandade Muçulmana, que proibia a presidência da República aos coptas e às mulheres e previa que um comitê de ulemás supervisionasse a elaboração das leis. "Morsi nos convocou", conta Abderrahmane Ayash, que havia então assumido a liderança de um grupo de jovens contrários ao projeto. "Nós acreditamos que podíamos dialogar com ele, mas ele nos disse que ninguém tinha o direito de discutir suas decisões".

Entre 2007 e 2011, encarregado de garantir o contato entre a Irmandade e os serviços de segurança do regime, Mohamed Morsi teria estabelecido relações de confiança com certas autoridades da segurança de Estado. A ponto de fechar, em plena revolução, um acordo secreto entre o conselho consultivo e o general Omar Suleiman, chefe dos serviços secretos de Hosni Mubarak: a Irmandade se retiraria oficialmente da Praça Tahrir do Cairo, epicentro da revolta, em troca da libertação de alguns funcionários de alto escalão presos e da legalização da confraria.

Candidato da revolução
Quando o Majlis al-Shura, a instância consultiva da Irmandade, descobriu a existência desse acordo, a notícia causou comoção. "Havíamos jurado sobre o Corão que não contaríamos a ninguém", se justificou Morsi diante da assembleia, antes que saíssem bruscamente. Desde então, seu confronto eleitoral com Ahmed Chafik lhe permitiu se impor como o candidato da revolução diante dos defensores da restauração do antigo regime.

Mas seu discurso, habitualmente sectário em seus comícios de província, repletos de referências religiosas, continuava mais do que nebuloso quando ele falava na mídia. Sua insistência em defender a utopia de um islamismo que por si só bastaria para garantir a diversidade religiosa e o Estado de direito muitas vezes tornava suas declarações confusas.

"Um Estado islâmico é por definição um Estado moderno. É um Estado civil. A estrutura islâmica pode controlar o governo e o comportamento do Estado". Para os casos problemáticos para a confraria, como a liberdade de opinião e de expressão, Mohamed Morsi só tem uma frase na ponta da língua: "Sobre esses assuntos, nós respeitaremos a vontade do povo, as decisões de Justiça e a Constituição".

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