Todos sabiam que Vladimir Putin venceria as eleições presidenciais no domingo (4) na Rússia. Apesar da oposição ter protestado nas últimas semanas, ainda é fraca demais para promover uma verdadeira mudança. Mas a resistência crescente da classe média pode acabar minando a fortaleza de Putin, advertem os comentadores alemães.
Em termos dos resultados das eleições, foi um dos menos surpreendentes dos últimos anos. Vladimir Putin foi eleito para um terceiro mandato como presidente da Rússia, após uma vitória retumbante nas eleições de domingo, como previsto.
Também não foi surpresa a acusação da oposição de fraude eleitoral, outra constante nas eleições russas. Houve denúncias de votos múltiplos, com algumas pessoas sendo levadas para diferentes zonas eleitorais para votarem várias vezes.
Putin, que é o atual primeiro-ministro russo, conquistou quase 64% dos votos. Seu rival mais próximo, Gennady Zyuganov, líder do Partido Comunista, chegou em um distante segundo lugar, com 17% dos votos. Estima-se que cerca de 63% dos eleitores foram às urnas.
Putin tomará posse em maio para seis anos de mandato -que antes era de quatro anos. Ele disse que vai nomear o atual presidente, Dmitry Medvedev, como seu primeiro-ministro, posição que Medvedev ocupou entre 2005 e 2008.
Em setembro de 2011, Putin e Medvedev anunciaram sua intenção de trocar de papéis, gerando revolta da oposição e alienando membros da classe média liberal. Mas o resultado de domingo mostrou que as semanas de protestos em Moscou e em outras cidades tiveram pouco efeito nas intenções de voto dos russos.
Na segunda-feira, comentadores da mídia alemã refletiram sobre a vitória de Putin.O jornal de centro-esquerda “Süddeutsche Zeitung” escreveu:
“Vladimir Putin mostrou que é possível ganhar e perder ao mesmo tempo. (…) No próprio dia das eleições, a irreconciliabilidade crescente entre o Estado e seus críticos ficou aparente. As denúncias da oposição de fraude eleitoral foram imediatamente trivializadas. Com a ignorância de um lado e a revolta do outro, a Rússia está cada vez mais se tornando uma sociedade dividida entre oponentes e defensores de Putin. Os próximos dias revelarão o tamanho da cisão entre as pessoas e o Estado e se os russos de fato poderão se reconciliar com o resultado, quando as nuvens se dissiparem.”
“Se não, a única solução seria uma nova eleição parlamentar, outra eleição presidencial ou verdadeiras reformas. Mas há pouca chance disso acontecer. Por outro lado, a Rússia é grande demais e tem uma montanha de problemas que não permite tal divisão social. A decisão está nas mãos do chefe do Kremlin.”
O “Frankfurter Allgemeine Zeitung”, de centro-direita, escreve:
“É mais do que questionável se Putin é o homem certo para enfrentar os desafios que a Rússia tem a sua frente. Os artigos que ele publicou nos principais jornais russos nas últimas semanas continham muitas conclusões corretas sobre as más condições em que a Rússia se vê e concordavam com a avaliação dada por oponentes liberais do regime. Mas essas análises, fantasiadas de valores democráticos, terminavam em auto-elogios expansivos e pensamentos atrasados. É ingênua a esperança que Putin agora vai começar por fim a implementar as reformas democráticas que deixou de fazer nos últimos 12 anos.”
O conservador “Die Welt” diz:
“Mesmo que Putin permaneça no Kremlin, essas eleições podem marcar o início do fim do sistema de Putin, que se tornou obsoleto. Até agora, o contrato social russo se baseava na promessa de estabilidade e prosperidade crescente. Esta foi sustentada pelos preços de petróleo em ascensão. Há 12 anos, o barril custava US$ 8 e hoje custa 10 vezes mais.”
“A Rússia de hoje tem algo que nunca teve antes: uma classe média que quer ser levada a sério e está cansada da corrupção. A geração jovem e digital tem curiosidade sobre o mundo, especialmente o Ocidente. (…) Essas pessoas ficaram revoltadas por Putin e Medvedev terem compartilhado o poder entre eles por mais de uma década, e o Kremlin está cauteloso em intervir de forma brutal (contra elas). Putin sabe que não pode se dar ao luxo de perder essa geração jovem e cosmopolita”.
“Não devemos demonizar a Rússia de Putin. Ainda é uma terra brutal, mas desde Gorbachev e Yeltsin, não é mais a União Soviética. Tampouco abriga os experimentos selvagens dos anos 90. Putin agora enfrenta a tarefa de modernização ampla. Será que vai se ater ao sistema estabelecido ou vai reformar a Rússia? O Putin de amanhã terá que ser diferente do Putin de ontem.”
Já o empresarial “Handelsblatt” escreve:
A eleição de Putin “é o início de um longo processo, que vai apresentar dificuldades ao novo presidente. Putin não deve se livrar do sistema da 'democracia administrada' que ele mesmo introduziu. Assim, não se pode esperar grandes mudanças. Mas ele terá de lidar com as demandas da classe média insatisfeita, se quiser evitar uma cisão da sociedade. Se ele fracassar, a classe média, que está exigindo uma evolução no lugar da revolução, se tornará ainda mais rebelde.”
“Os russos não ficam mais satisfeitos apenas com estabilidade e prosperidade crescentes, que foram a base das vitórias anteriores de Putin. Desta vez, ele terá que cumprir as várias promessas que fez durante a campanha: maior democracia, menos burocracia e corrupção e uma economia moderna que produz produtos competitivos e não depende totalmente do petróleo e gás. E os cidadãos russos vão prestar atenção aos resultados mais do que no passado”.
O “Financial Times Deutschland” escreve:
“Apesar dos desafios recentes, o poder de Putin continua igual. E à luz dos atuais relatos de manipulação eleitoral, está claro o que pode ser esperado das promessas de reforma de Putin nas últimas semanas: nada. Ainda assim, apesar de todo o desapontamento com o impasse político na Rússia, também há sinais de um novo começo. A oposição à elite governante russa nunca foi tão ampla quanto nos últimos tempos. Uma classe média jovem, dinâmica e criativa está amadurecendo, e não vai mais querer ceder poder econômico e político a um pequeno grupo no Kremlin.”
“Esta nova sociedade civil ainda é pequena demais para tirar Putin do cargo. Provavelmente ainda será pequena demais daqui a seis anos, se ele concorrer novamente para presidente. A Rússia foi dominada por um pensamento autoritário e um paternalismo estatal por tempo demais para que isso aconteça. (…) Mas as eleições de ontem mostraram que a sociedade civil russa está lentamente crescendo. Isso traz otimismo em relação à Rússia -apesar de tudo.”
O “Berliner Zeitung”, de esquerda, escreve:
“Não podemos esquecer que as eleições foram apenas de um nome. Não há alternativas a Putin. Nenhum dos partidos aprovados oferece o que a classe média jovem está pedindo nas ruas, ou seja, modernização. Evidentemente que se deve assumir que Putin provavelmente teria vencido as eleições mesmo sem a fraude eleitoral ampla. Ele ainda tem suficientes partidários e não há rivais genuinamente perigosos a vista. Ele se assegurou disso nos últimos 12 anos.”
“A Rússia precisa se modernizar. Deve reduzir sua dependência de matérias-primas e construir uma forte base industrial e um setor de serviços moderno. Putin teve uma dúzia de anos para isso, mas fracassou”.
“Todos os estudos mostram que a classe média abandonou Putin. Não por estar em pior situação financeira com ele, mas porque ele impede o progresso político que a Rússia precisa para colocar sua economia novamente em pé. A reeleição de Putin é o início do fim do seu sistema.”
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