terça-feira, 20 de março de 2012
"Os dias de Bashar estão contados... só estamos esperando as armas", diz insurgente
É um belo pedaço de natureza, um vale verdejante encaixado entre duas colinas rochosas, separando a Síria e a Jordânia. A fronteira é marcada por um aterro de areia, coberto por um rolo de arame farpado fácil de atravessar. Foi por esse caminho de contrabandos, apelidado de “sheek” (“arame farpado” em árabe), que os opositores sírios refugiados na Jordânia escaparam das garras de seu inimigo declarado, Bashar al-Assad. É também por ali que eles esperam voltar para sua pátria, desta vez como libertadores, uma vez que estão convencidos de que o Qatar e a Arábia Saudita estão se preparando para executar seu plano de armar a oposição.
“Os dias de Bashar estão contados”, proclama Abou Abdallah, ex-agente alfandegário de 31 anos, que finge ignorar a derrota dos insurgentes diante das tropas regulares em Baba Amro, Rastan ou Idlib, bastiões da resistência armada. “Só estamos esperando as armas. Quando as entregarem, vocês não encontrarão mais nenhum sírio na Jordânia”. Quantos deles há em território hachemita? As Nações Unidas dizem 4 mil, mas esse número inclui somente aqueles que se registraram junto ao Alto Comissariado para os Refugiados (Acnur). As autoridades jordanianas falam em 80 mil, mas muitos observadores acreditam que elas estariam inflando esse número para receber mais ajuda internacional, proveniente sobretudo dos Emirados Árabes Unidos.
O fato é que, por enquanto, não existe um campo de refugiados propriamente dito. Os desertores do exército regular que passam pelo “sheek”, cujo número é estimado em uma centena, estão aquartelados na cidade vizinha de Salt, sob a rígida tutela dos moukhabarat, os serviços de segurança jordanianos, que temem que agentes de Damasco se misturem a eles. A monarquia jordaniana, que foi o primeiro regime árabe a pedir pela saída de Assad do poder, teme ser alvo de uma operação de desestabilização guiada à distância pelo governo sírio.
Os opositores não combatentes podem circular livremente no país, contanto que encontrem um “padrinho” que garanta sua boa conduta. Muitos vão morar em Amã ou em Irbid, as duas grandes cidades da Jordânia, onde recebem ajuda de instituições de caridade islâmicas. Os refugiados originários de Deraa, berço do levante sírio, costumam se instalar em Al-Ramtha, a cidade gêmea, situada do outro lado da fronteira, onde muitos têm família.
É o caso de Abou Abdallah, que desde o fim do verão vive em uma casinha decrépita, com sua mulher e seus filhos. Como o irmão de sua esposa era conhecido por ter feito o “jihad” no Iraque, ele logo virou alvo do regime, e foi pressionado a provar que os revolucionários eram peões da Al-Qaeda. Depois de enviar sua família a Al-Ramtha pelo posto fronteiriço oficial, ele foi até lá de forma clandestina. “O mais complicado é evitar as patrulhas do exército sírio. Uma vez que você vê o sheek, está a salvo. O exército jordaniano pavimentou um caminho com pedras. Basta andar por cima para evitar as minas.”
Os militares se mostram cooperativos com aqueles que desejam voltar para o país e que, por falta de armas, vêm carregados de material médico. Eles lhes indicam o melhor momento para passar, em função da movimentação de seus colegas sírios, e às vezes os levam de carro até a zona fronteiriça. “A Jordânia faz tudo que pode de um ponto de vista humanitário”, diz Abou Hadi, pintor de paredes que se tornou o principal desenhista das faixas anti-Assad de Deraa. “De um ponto de vista político, a atitude do governo tem mais contrastes, mas dá para entender. A Jordânia depende da Síria para suas importações. Se Damasco fechasse sua fronteira, o impacto econômico seria terrível.”
Um observador estrangeiro concorda: “Os membros da segurança jordaniana vêm de tribos do Norte. Há muitos laços sociais e familiares entre as populações dos dois lados. A solidariedade com as vítimas da repressão era inevitável. Mas ao mesmo tempo a Jordânia tem o cuidado de não ser vista como uma base de apoio da oposição. Isso porque a Síria poderia desestabilizá-la muito facilmente.”
Os refugiados de Ramtha querem acreditar que a situação está mudando. Eles pressentem, como afirmava um recente artigo do jornal pan-árabe “Al-Quds al-Arabi”, que as monarquias do Golfo, na linha de frente da ofensiva diplomática contra Bashar al-Assad, estão fazendo pressão sobre os dirigentes jordanianos, para que eles endureçam seu posicionamento.
“Haverá um acordo entre o Conselho de Cooperação do Golfo, as petromonarquias da península Arábica e a Jordânia, e as armas acabarão entrando na Síria através de Ramtha”, garante Abou Baker, um ex-horticultor ligado ao Exército Sírio Livre (ESL). “Através do Líbano não é possível por causa do Hezbollah (a milícia xiita pró-iraniana, que apoia o regime sírio) e através da Turquia também não por causa de sua comunidade alauíta (o braço do xiismo de onde saiu o clã governista, em Damasco).”
Utópico? Realista? Essa estimativa mostra, de qualquer maneira, a crescente desconfiança dos ativistas locais em relação aos dirigentes da oposição, muitas vezes incomodados com a militarização da rebelião. “Há gente boa dentro dessas plataformas, mas eles não têm nenhum impacto em campo”, acredita Abou Abdallah. “Os únicos que realmente tentam nos proteger são os membros do ESL”.
Na mente desses homens com os nervos à flor da pele, o levante só triunfará com duas condições: a instauração de uma zona de segurança, protegida por uma coalizão internacional, e o abastecimento do ESL com armas mais pesadas e melhores que as kalashnikovs das quais ele dispõe. “As deserções aumentarão e, daqui a um mês, poderemos derrubar Bashar”, jura Abou Baker. Mas, “se não houver intervenção, vamos fazer um pacto com o diabo”, diz Abou Abdallah. “Veremos muito rapidamente atentados suicidas. Haverá infiltrações de combatentes salafistas. Será o caos total.”
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